quarta-feira, 25 de julho de 2012

Confesso que envelheci


               

Confesso que envelheci
                
Sempre achei que as pessoas podiam retardar o envelhecimento, cuidando de si, evitando alimentos inadequados, cuidando da saúde e da higiene corporal.
Assim, ultimamente, passei a cuidar mais da alimentação, por conta de diverticuloses e da pressão arterial, e da pele por causa da alergia de radiação solar. Tudo isso que, vai se agravando com o passar dos anos.
E assim, diariamente pratico um ritual de cuidados: remédio para a hipertensão, suco de fruta light de soja, torradas sem sal, comida com o mínimo de calorias, caminhada diária, exercícios físicos, cremes e filtros solares. A intenção única é preservar o corpo, para continuar sendo auto-suficiente. Sem vaidades, porque nessa altura da vida, isso não conta mais.
E de um jeito ou outro, tenho dado conta do dia a dia sem depender de ninguém, graças a Deus. Sete décadas abençoadas.
Mas, ter um corpo aparentemente sadio não significa que se tem saúde. E isso constatei recentemente, quando fui fazer umas compras numa loja, em outra cidade, acompanhada por minha neta adolescente.
Fui despreocupada, porque achava que estava munida de tudo que é necessário, para se fazer uma compra tranqüila na loja.
A loja estava quase vazia, e a funcionária que me atendeu era mui gentil e paciente. Após escolher as peças necessárias, percebi que havia esquecido o talão de cheques. Revirei a bolsa e nada. Então a moça do caixa me perguntou do cartão que tudo resolve. Tirei o cartão e o apresentei. Mas, não me lembrei da senha numérica. E a minha doce neta, com paciência: ”Calma vó, pense direito!”  E circulamos pela loja à busca de algo, que despertasse minha memória. Quando julgava ter me lembrado, voltamos ao caixa, mas o computador recusou a senha que eu pensava ser. Tentei outras senhas, e nada.
Decepcionada, pensei em desistir da compra. Minha neta, porém, me levou a um caixa eletrônico numa loja próxima e fui sacar o valor necessário. Aí, a geringonça desbloqueou a senha, que ainda não havia sido utilizada nem uma vez. Retirei o dinheiro, graças à senha de letras, e voltamos à loja. E a garota, “Vó, tenta de novo se é a senha que você pensou!” E assim tentei três vezes, e nada. Não consegui descobrir os dígitos da numeração até agora...
Com o valor retirado no caixa eletrônico, consegui concluir a compra. E fiquei aliviada, porque não tive maiores prejuízos.
Depois de todo esse vexame, a neta gentil como sempre, me levou para uma nova loja de departamentos, só para conhecer... Circulamos, vimos muitas novidades e resolvemos tomar um lanche. Nisso, tocou o celular, avisando que eu havia esquecido o cartão de crédito, na loja onde fizera as compras...
Daí, voltamos à primeira loja para recuperar o cartão. E fiquei muito decepcionada. Percebi que a idade não perdoa. A memória vai se diluindo, mesmo que a gente não queira. E olhe que  procuro sempre ativá-la, lendo, tentando memorizar datas e telefones importantes. E até navegando na Internet.
Há umas semanas que tudo isso aconteceu. Fiquei decepcionada comigo mesma, por vários dias, e bastante incomodada, ao constatar que é um processo irreversível. E não é por nossa culpa. A plantinha não morre porque quer. A plantinha não quer morrer. Mas, quando chegar a sua hora, ela acabará fenecendo.
Entretanto, por mais que você procure se consolar, buscando justificativas para o processo da própria decrepitude, nada nos conforta. É que a gente percebe que, com o tempo tudo isso tende a se agravar, até você não conseguir mais efetuar nenhuma operação bancária.
A gente é tal qual uma plantinha, que nasce, cresce, frutifica, depois vai aos poucos, fenecendo. Essa é a lei natural da vida. Pois o que seria desse planeta se todos os velhos não morressem? Temos que ceder o lugar para os jovens. Como seria a vida se todos os humanos não morressem? Não haveria nem espaço para se pisar nesse chão.
Então, o jeito é aceitar a velhice, a decrepitude, a perda de memória e tentar viver com a ajuda dos mais jovens, até o limite que Deus determinar..
E isso é desolador.
E esta semana, mais conformada com todo esse drama, fui conferir a carta de motorista.
Ai de mim! Está vencida.

Mirandópolis, 15 de julho de 2012.
Kimie Oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”


11 comentários:

  1. Kimei, não fique triste isso acontece com todos os seres, mas temos nos alegrar que temos amigos para conversar, dialogar e jogar conversa fora e você está tecendo muitas virtudes que é escrever, e que sabe muito. Eu também ultimamente dou minhas lambadas da vida, eu acho ainda que sou novo, machuquei bringando de bola com meus filhos.Só Deus é eterno.

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  2. Verdade, Dinho, mas é doloroso constatar que o tempo não perdoa, né? Percebi que por mais que você se cuide, o tempo vai passando e fazendo seus estragos. E o difícil é aceitar. Fazer o que? Ainda bem que tenho muitos amigos, que me ajudam a levar a vida sem estresses. Imagine a tristeza que seria a vida sem um amigo a quem confidenciar esses traumas. E eu tenho um monte de amigos que me ligam e me confortam. Graças a Deus.

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  3. Kimie Oku, voce faz do cotidiano motivos para suas crônicas e as discorre da forma mais inteligível, humana em um compasso leve e gostoso de ler. Isso é escrever e justamente no dia do escritor quero parabenizá-la.
    Quanto à envelhecer nem me dei conta, voce falou sobre issona sua crônica?
    Abçs.

    Lupércio Ailton

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  4. Ó Lupércio, como você é gentil! Sabe que essas apreciações, os telefonemas que recebo volta e meia, e abraços na rua por conta dos meus escritos é que alimentam a minha inspiração sempre? Tem gente que nem conheço e nunca vi que me abraça num mercado, numa esquina porque se emocionou com as minhas palavras. E outras que me sugerem entrevistas para Gente de Fibra. Isso tudo me toca profundamente, porque percebo que a maioria das pessoas pensa como eu, e não tem oportunidade de se manifestar. Quanto ao Dia do Escritor "Parabéns a nós todos que gostamos de escrever, né?" Um abraço.

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  5. Oi Kimie,
    Você falou em 7 décadas no seu desabafo....fique tranquila, minha amiga, ainda não completei 6 décadas e passo por circunstâncias, senão iguais, bem parecidas com as que vc citou...acho que é bem isso que disse, muitas coisas não dependem de nós, de nossos cuidados...é a própria natureza que determina! Então, vamos nos defendendo...rsrs...fazendo a nossa parte, o resto....é com nosso AMIGO lá em cima! Parabéns sempre pelos seus escritos!
    Abraço
    Joana

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  6. Realmente, Joana, a gente tem mais é que agradecer as décadas de vida que o Senhor nos concedeu, né? Poder levantar-se sozinha da cama, ir ao banheiro e fazer o que é preciso sem a ajuda de ninguém, isso é o máximo, mas a gente não se dá conta, porque tudo ainda funciona mais ou menos. Só vamos perceber quanta graça o Senhor nos concedeu, quando a máquina travar, não é mesmo? E muito obrigada pelo incentivo de sempre. Bjs. kimie

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  7. Faz-me rir o que vocês andam dizendo...
    Esquecer senha...quiáquiáquiá! Isso não é coisa de velho e sim de pessoa que ainda gosta de usar seu talonário de cheques, que tem o prazer de mostrar sua caligrafia - aquela que aprendeu na escola, que dá valor ao seu autógrafo.
    Você, minha amiga, não é velha! Está, simplesmente, idosa. É uma criatura inteligente e que se preocupa muito mais com aquilo que primeiramente vem da alma. Quem tem mente e faz o bem a seus semelhantes de forma altruísta, podes crer, jamais sofrerá com problemas físicos, quiçá mental e ou espiritual.
    Fique com ELE, sempre.
    E viva a vovó!

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  8. Ulisses, suas palavras são um refrigério, são palavras de menino levado e galhofeiro, que brincando, brincando comenta as coisas sérias da vida, mostrando sempre o lado positivo das coisas. Como é bom ter o epírito tão jovem e tão alegre! Você é um poeta com alma de moleque, sabia? Deus te conserve assim!

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  9. Kimie: Com maestria, sensibilidade e fino humor, voce mostra um retrato da vida pelo qual passamos. Por mais que cuidemos da melhora da "melhor idade", ficamos reduzidos à aquela plantinha citada, que nasce, cresce e morre. Abraços do João e Mariinha.

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  10. João e Mariinha, Penso que sou uma pessoa feliz. Tenho amigos selecionados, que "sentem" o que eu escrevo e penso - isso é sintonia. A mim me encanta, quando os meus escritos encontram ressonância no coração dos amigos, e de amigos especiais, que são amigos só por quererem bem ao outro, sem nada em troca. É um privilégio contar com amizades assim, porque além do carinho, há a ligação das ideias, que nos torna iguais.

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  11. Galhofas à parte a realidade é que aqueles de 6, 7 décadas de vida conseguem se manifestar de forma eclética e com muita sensatez, diferente do que se encontra comparado à décadas menores de idade.
    Acho que é um sinal evidente que nada melhor que o tempo para amadurecer as pessoas a tentar provar que os tombos levados são muito mais importantes e significativos que as pingas bebidas.

    Abçs a todos que postaram comentários nesta página.

    Lupércio Ailton

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