Decidi não sofrer mais
Como muitos amigos
que conheço, carrego umas dores no coração, que ninguém pode resolver. Às
vezes, pensava que só eu é que sofria e morria de compaixão de mim mesma.
Agora mudei.
Decidi não sofrer mais.
Não é por ter cansado de sofrer, mas
porque percebi que a humanidade toda carrega dores e mais dores. E dores
terríveis.
Não são dores físicas, que muitas
vezes um analgésico pode resolver. São dores da alma, do coração. São dores sem
consolo, que nada, nada pode amenizar.
Dor de mãe, dor de pai. Dor de ter
um filho excepcional, dependente total de ajuda alheia, porque não enxerga, ou
não anda, ou não fala nem escuta, que não consegue realizar um movimento para
se alimentar, para se locomover, para cuidar de si próprio.
Os genitores nessas condições têm
medo de morrer, e deixar esses filhos desamparados no mundo. Sofrem pelo
momento presente, porque o filho é dependente, e sofrem pelo futuro dele, que é
uma incógnita.
A maior alegria de um pai e de uma
mãe é ver o filho se realizar, sendo independente, e dando conta de sua vida,
de sua sobrevivência. Mas quando esse filho não tem condições para caminhar
sozinho pela vida, a incerteza de seu futuro torna-se um sofrimento para os
pais. Mesmo que tenha fé absoluta em Deus, no íntimo de seu coração eles sofrem
porque amam seus filhos, e mais aqueles que mais dependem deles.
Quase todos nós tivemos a felicidade
de ver os filhos se engatinharem no chão, para ir e vir pela casa. Vimos esses
pequeninos se apoiarem em mesas e cadeiras, para ensaiarem os primeiros passos.
E foram momentos inesquecíveis, porque estavam se tornando livres,
independentes.
Depois, já mais confiantes, correndo
pelo quintal, atrás de bolas, de brinquedos, de bichinhos de estimação. E
então, se libertaram de vez, aprendendo a cuidar de si, a fazer suas
necessidades sem auxílio alheio (que bênção!), indo e vindo pela casa, pela
rua, pelo bairro, para a escola, para as casas dos coleguinhas... atrás de
namoradas...
Assim se cumpriu o processo de
desenvolvimento natural, e nossos filhos se tornaram seres livres, donos de
seus narizes e de suas personalidades.
O mesmo, porém,
não ocorre com crianças que não enxergam, que nasceram limitadas e não podem se
locomover. Elas precisam sempre da assistência de alguém, para seus mínimos
movimentos. E não estou falando de crianças e adultos que frequentam escolas
como a APAE e outras especializadas. Falo de pessoas sem as condições mínimas
para frequentar instituições, para desenvolver habilidades.
E há tantas
nessas condições, que só os familiares sabem como a vida delas é difícil. E
especialmente, como a vida da mãe fica limitada, porque se esquece de viver a
própria vida para cuidar do filho, que exige cuidados permanentes dia e noite.
Sei também de mães revoltadas com tudo isso.
Não as condeno, porque não é fácil encarar isso a vida toda, principalmente se
não se tem apoio de alguém que lhes sirva de fortaleza. Religião? Orações? Fé?
É muito fácil falar sobre isso para quem vê tudo de fora e, não vive o drama
todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os instantes da vida.
Tive uma amiga,
que já com seus quarenta e tantos anos resolveu adotar uma criança, porque só
possuía uma menina de quinze anos. Recebeu uma recém-nascida e, cuidou dela com
o maior carinho e dedicação. Até os dois aninhos, a garota se desenvolveu bem e
foi uma menina feliz. Mas, de repente, começou a paralisar-se e foi travando
tudo, até ir se atrofiando, e acabou falecendo. A mãe sofreu muito, muito,
porque a amava de coração, e fez de tudo para lhe aliviar o sofrimento. E
passado um tempo, a sua alegria se resumia em contar a história da pequena, que
um dia Deus colocara em suas mãos. A menininha fora abençoada pelo destino que
lhe concedera tal mãe. Sempre me lembro dessa amiga com emoção.
Sei também que
se essa menina estivesse viva, hoje teria seus vinte e poucos anos, e levaria
uma existência vegetativa. Seria um sofrimento atroz para a criança e toda a
família. Assim como sei de outros amigos que cuidam de filhos em condições semelhantes.
E aí eu me pergunto: Por que, Deus?
Dizem que é um
resgate, de algo que algum antepassado ficou devendo... Mas, por que essa
cobrança se Deus é Amor?
Bem, a vida é um
grande mistério. Mistérios maiores ainda são os desígnios de Deus. Que a gente
não compreende, por mais que fique matutando, refletindo e buscando
explicações.
E por tudo isso,
parei de sofrer. Não lastimo mais nada, não reclamo, não choro, não lamento. Ao
invés disso, estou procurando meios para ajudar as pessoas, que foram
contempladas com destinos difíceis, oferecendo-lhes uma pequenina ajuda, para
amenizar um pouquinho a sua dor.
Só tenho que
agradecer muito a Deus.
Obrigada Deus, outrossim,
por ter me feito enxergar tudo isso!
Mirandópolis,
junho de 2013.
kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com
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