terça-feira, 4 de junho de 2013

             Se eu morresse amanhã

         Tenho uma amiga, que um dia leu uma crônica minha com esse título, e nunca mais esqueceu o conteúdo. Não sei por que, perdi o recorte do jornal e não consigo recuperar o texto.
         Daí, por falta de inspiração, resolvi retomar o tema e tentar resgatar as ideias que lá coloquei.
         Quando a gente chega aos anos que terminam em “enta”, é inevitável o pensamento de que a morte está nos espreitando. Setenta, oitenta, noventa é muito tempo de vida que Deus concede para alguns.
         Como eu estou nessa fase, percebo que hoje há alguns benefícios, que antes não existiam. Pode-se viajar de graça nos ônibus e metrôs das grandes cidades, mediante a apresentação de comprovante da idade. E assistir a peças teatrais e shows sem nenhum ônus. Há atendimentos preferenciais em lojas e Bancos, sem ter que esperar muito. E há também a cultura da gentileza por parte de muita gente jovem, que nos cede seus lugares em veículos lotados.
         E para falar a verdade, realmente, nessa fase dos “enta”, a gente precisa dessas pequenas atenções, porque as pernas cansam à toa, e é difícil ficar em pé por mais de cinco minutos em coletivos lotados. Então, uma gentileza de cessão de lugar é sempre uma bênção, que agradecemos de coração.
Mas, eu gostaria de abordar outro assunto.
Com tantos amigos, que todos os dias, estão partindo para o mundo da espiritualidade, comecei a pensar na possibilidade de eu morrer amanhã, o que não é improvável. Porque a morte não avisa, e ninguém pode prever o momento que ela chegará.
Daí, dei tratos à bola.
E pensei na herança que vou deixar e no seu destino.
Se eu morresse amanhã, quem iria cuidar das minhas plantinhas, que sempre retribuem aos cuidados com lindas floradas? Morreriam todas? Quem as herdaria?
Se eu morresse amanhã, quem leria os livros clássicos, que tanto li e reli e, não consigo me desfazer deles? Shakespeare, Tolstoi, Sartre, Hemingway, Fernando Pessoa, Josué Montello, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Neruda, Graciliano Ramos, Garcia Marquez, Cora Coralina, Marcel Proust e tantos outros.
Se eu morresse amanhã, quem tocaria as minhas partituras ao piano, para alegrar a rua, com Casinha pequenina, Adágio, Muié Rendeira, La Raspa, Berceuse, Jesus, alegria dos homens, Branca, Sonata ao luar, Serenata, Capricho italiano, Vieni sur mar, Sobre as ondas, La paloma?
Se eu morresse amanhã, quem curtiria as fotos antigas  da família e da cidade, que postei no meu arquivo pessoal?
Se eu morresse amanhã, quem assistiria aos filmes japoneses, coreanos e tantos outros que guardo como preciosidades?
Se eu morresse amanhã, quem ouviria os meus CDs de música clássica ou erudita de Mozart, Brahms, Albinoni, Vivaldi, Beethoven, Bach, Bizet, Giuseppe Verdi?
Se eu morresse amanhã, quem continuaria os estudos de japonês, copiando com pincel e tinta de carvão, os livros que importo do Japão? Quem leria esses livros, que me ensinaram tantos fatos da História verdadeira da terra de meus antepassados?
Se eu morresse amanhã, quem cuidaria da Ciranda, que faz a felicidade de tantos amigos meus? As reuniões seguiriam conforme o combinado? Para sempre?
Se eu morresse amanhã, quem faria o intercâmbio com os meus amigos no face book? Bom, eles também acabariam morrendo um dia e tudo acabaria mesmo.
Se eu morresse amanhã, quem escreveria essas crônicas para ocupar espaço no jornal da Alice?
Se eu morresse amanhã...
Há mais de vinte anos, ao organizar a Linha de tempo da Família Osaki, através de fotos, procurei uma tia velhinha (hoje já falecida), para pedir a sua colaboração. E ela me disse toda contente: “Que bom que você veio! Já estou no fim da vida, e quando eu partir, essas fotos serão todas queimadas! Leve tudo que lhe interessar.”
Assim é a vida. A gente acumula certos objetos, fotografias, livros, discos e às vezes, até joias, que nos cativaram um dia. Depois, a gente morre e deixa tudo pra trás. E geralmente, não interessa aos familiares que ficaram. Então, tudo é descartado, como chinelos velhos... Porque os gostos são outros, os tempos são outros, e ninguém gosta de museus de significados duvidosos.
Já me disseram pra parar de adquirir coisas, porque servem apenas para encher a casa, ocupar espaços e não têm serventia. Às vezes, porém, a gente bate os olhos em algo que, sem querer nos cativa de verdade, e o impulso é comprar, mesmo sabendo que dá para viver muito bem sem aquilo.
Mas, a vida é assim. Quando a gente amadurece e deixa de ter vaidades, começa a cultivar certas manias como floricultura, jardinagem, música, leitura, viagens, coleções de porcelanas, de cristais e também a mania de escrever, que desenvolvi nem sei como. Essas manias fazem parte de cada personalidade, e diferenciam uns dos outros.
É a faceta que distingue uns dos outros e torna a humanidade tão interessante.
Mas, quando a gente morre...
Uma vida se encerra e na urna funerária só vai o corpo com um único traje. Mesmo porque lá no outro mundo, os bens materiais não significam nada. Os famosos Faraós egípcios e os nobres Imperadores da China são testemunhas disso.
Então, tudo que se angariou, que se poupou, que se acumulou ficará numa casa vazia, e não interessa a ninguém. Porque a humanidade em geral só quer Money, dinheiro vivo ou propriedades valiosas. Ninguém quer uma coleção de discos, de livros, de porcelanas nem cristais.
Conheci uma senhora que, no final da vida, ao ser visitada por uma amiga querida, retribuía a gentileza dando-lhe de lembrança uma chávena de chá, uma taça de cristal E eram sempre peças de jogos preciosos, que havia ganho no decorrer de sua longa vida. Toda a ternura e o bem querer que sentia deviam encher essas taças, que ela doava com gratidão.
Acho então que, devo também desfazer de minhas preciosidades, pouco a pouco.

Mirandópolis, maio de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com



4 comentários:

  1. A Morte!!!
    Tem uma musica caipira que diz assim: "quando eu morrer vai chover no sertão", era uma velhinha que dizia isso, porque no sertão não chovia muito tempo, e seu filho ouvindo sempre essa frase foi "pirando" porque queria ver a chuva no seu sertão, para ter alimentos e salvar os animais. Um dia pegou sua mãe velhinha e a enforcou, mas, pensando na chuva. Realmente caiu na hora um temporal de relâmpagos e raios. Aí quando percebeu que tinha feito e o arrependimento veio na sua cabeça e saiu na chuva e gritava "matei mãe", "matei mãe", muitas vezes pronunciava essa frase. Nisso um raio o atingiu e matou-o também. Eu e meus irmãos éramos pequenos e se admirava com a letra da musica, parecia verdadeira a história e vibrava pelo fato de ter sido o filho da velha ser alvejado pelo poderoso raio que ceifou sua vida. Isso faz muito tempo, muito tempo, não tinha TV, Computador, somente o rádio de válvulas com muito chiado. Nunca pensamos na morte, a coitada da velha, planejou a sua. Digo para você Kimie, vida longa para o Rei!.
    nota:- não me lembro a dupla caipira e o nome da musica.

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  2. Muito lindo isso, Dinho. Eu não conheço essa música, mas já deu para perceber a vida trágica do nordestino, sonhando sempre com a bendita chuva. Gostaria de conhecer a letra inteira dela. Segundo o sr. Otacílio Dilleti, o título é Seca no Nordeste de José Fortuna e Pitangueira. Outra que aprecio muito é o Assum Preto, acho que o Luiz Gonzaga que cantava. De arrepiar também. Obrigada pela mensagem linda, amigo.

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    1. Teria que dizer, vida longa para a Rainha!!!! falei da morte da coitada, era "matei vó", lembrei depois quando estava na cama e pensando, aí caiu a ficha...acho que tenho que começar a limpar minhas coisa que guardo também. Nada não, muitas vezes vem coisas interessantes para falar, mas, as vezes estou empírico, nada sai. abraços e felicidades e gosto muito de ler suas cronicas.Sempre feliz.

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  3. Eu entendi tudo, Dinho. E achei lindo você ter se lembrado da canção, mesmo sendo tão triste. Naquela época não havia tevê e tudo era pelo rádio, novelas e canções, que a gente escutava com tanta emoção né? Lembro da novela O Direito de Nascer, que fazia todo mundo chorar muito. Eu era criança, mas até hoje lembro que o herói da história era um tal de Albertino Limonta. E tudo girava em torno do preconceito contra negros. Era uma novela mexicana e fez muito sucesso no Brasil. É bom saber que você gosta de minhas crônicas, obrigada, amigo.

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