Gente de fibra –
Helena Floriano Barbosa
Um dia
desses, o professor Gabriel Tarcizzo Carbello, meu amigo de profissão e de
Ciranda, me sugeriu entrevistar uma velha senhora, que fará cem anos de
existência no próximo ano. E informou-me que ela tem memória extraordinária.
E lá fui eu,
para conhecer a senhora Helena Floriano Barbosa, mãe da dona Rosa, esposa de
seu Jesuíno Fagnani, o popular Zuim Gás.
Dona Helena
nasceu em Sales de Oliveira, perto de Orlândia em 25 de junho de 1914, isto é
há quase, quase um século. Filha de dona Rosa e
Jaco Floriano.
Seus pais
eram de origem italiana e tiveram 14 filhos. O pai, senhor Jaco Floriano foi
viajante, mediador de terras, vendendo extensões de fazendas, porque naqueles
idos havia muita gente querendo abrir as matas, para iniciar o cultivo de
roças. E quase todo o nosso Estado ainda era uma imensa floresta. Foi também
proprietário de Máquina de beneficiar arroz, teve Oficina Mecânica e ainda
trabalhou em engenho de cana.
Quando a
menina Helena tinha seus seis, sete anos de idade em 1920/21, a família
mudou-se para Araçatuba, que era um vilarejo de casas em meio à densa mata
virgem, que a cercava. Vieram se instalar na Fazenda do amigo Ângelo Pavão, que
era um rico fazendeiro de café. A sede era exatamente no local, onde está
instalada hoje a Santa Casa de Araçatuba.
Naquela
época, as famílias mais poderosas de
Araçatuba eram os Colaferro, os Varoni, os Baracat, os Caserta.
Dona Helena
lembra que havia uma Fábrica de Refrigerantes, entre as ruas Aguapei e
Marechal, perto da Praça Colaferro.
Em Araçatuba, seu Floriano abriu uma Oficina Mecânica e Ferraria, onde construíam jardineiras, que tinham as laterais abertas. Depois de montadas as partes de ferro eram enviadas para Presidente Prudente, para o acabamento final.
E ainda, ele servia de
intermediário para a venda de terras na região noroeste. Um dia, ele veio até a
nossa região e conheceu o Bairro Km 50, que era uma vila muito próspera, bem
ali na estrada de terra para as Alianças. Gostou daqui, e veio de mudança
instalar a sua oficina, esperando progredir, mas o seu filho não gostou do
local. E aí venderam todos os apetrechos da oficina para um senhor japonês do Km
50.
Com o
dinheiro que emprestou a juros, financiou os comerciantes que aqui vieram se
instalar antes dos anos 50.
Em
Mirandópolis, dona Helena aprendeu o Curso de Corte e Costura e passou parte da
vida costurando em sua máquina, que tem até hoje e considera uma preciosidade.

Ao lado da
loja havia uma Pensão, onde se instalavam todos os viajantes que aportavam na
cidade. Ela se lembra que o Doutor Edgar Raimundo da Costa morou uns tempos ali
na pensão.
Na época, não
existia a Igreja que hoje é o cartão postal da cidade, nem a Praça Manoel Alves
de Ataíde, só havia a Estação ferroviária. Era um amontoado de casas na rua que
hoje é a Rafael Pereira, na época chamada Avenida Internacional. As pessoas, as
jardineiras e as carroças transitavam em ruas de terra batida, que levantava
muita poeira. Tudo em torno era mata virgem e à noite, a escuridão dominava o
lugar.

Daqueles
tempos, ela se lembra que lavou muita roupa de fora. Lembra em especial de dona
Eunice do Dr. Afonso, para quem lavou e passou a roupa durante muitos anos.
Lembra que lavou também as roupas de professores, que vieram dar aulas no
Ginásio Estadual: Pedro Perotti e sua esposa dona Noêmia, que seriam seus padrinhos
de casamento, Dalva Colaferro, Helio Faria, Dirce Jodas Gardel, Dr. Neif e dona
Antiniska, e também para a família de seu José Galvani.

Quando
conseguiu comprar a máquina, passou a costurar para fora, e chegou até a fazer
vestidos de noivas. Mas, mesmo assim, ela continuou lavando roupa de fora,
passava ternos de noivos e engomava enxovais de noivas.
Seu esposo faleceu há uns trinta anos e hoje
dona Helena mora com a sua filha e seu genro, a quem quer muito. Logo que
ficou viúva, ela passou um tempo viajando, indo ver os irmãos e filhos. Diz que
aproveitou muito, conheceu lugares, foi às praias e se divertiu bastante.
A lembrança
mais inesquecível que tem é da presença de soldados mato-grossenses, que queriam
arrasar a cidade de Araçatuba com um canhão, mas foram repelidos pelos “Doze de Minas” na
Revolução Constitucionalista de 32. Isso ocorreu em Araçatuba, e ela se lembra
que toda a população saiu em debandada com suas malas, e outros pertences
no alto da cabeça, fugindo da guerra.

A Revolução Paulista
terminou em derrota, mas em 1934, Nova Constituição Brasileira foi promulgada,
e o Estado passou a ser governado por paulistas e não por Interventores do
Governo Federal. Então, o sacrifício dos que lutaram e morreram não foi em vão,
pois esses dois objetivos maiores dos rebeldes paulistas foram alcançados.
Ela se lembra
também da Campanha “Ouro para o Bem de São Paulo”, que os paulistas lançaram
para a população contribuir com a Revolução, doando ouro e prata, que seriam
utilizados para a compra de armamento bélico.
Também lembra
da aflição de seus pais porque justamente, quando estava para ocorrer o
confronto em Araçatuba, sua mãe deu à luz a um irmão seu. Como não havia
condições para a família fugir, seu pai resolveu ficar e entregou tudo nas mãos
de Deus. Esse menino, que nasceu em plena Revolução Constitucionalista, recebeu
o nome de Juarez, em homenagem ao General Juarez Távola, que era um dos
comandantes das Forças Legalistas de Getúlio. Por esse detalhe percebe-se que,
a família estava do lado contrário à Revolução Constitucionalista.
Hoje, dona Helena aos 99 anos de idade está aposentada, tem boa saúde, não toma remédios, ouve bem, tem excelente memória, sabe cuidar de si, não depende de outros para comer e nem para tomar banho. Só não enxerga muito bem. Gosta muito de conversar e de rememorar a longa vida que viveu, e diz que foi muito feliz.
Tem saudades
de tudo que vivenciou e só espera morrer em paz. Por tudo isso, dona Helena
Floriano Barbosa é gente de fibra!
Mirandópolis,
agosto de 2013.
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