sábado, 31 de agosto de 2013



                                      Gente de fibra –
         Helena Floriano Barbosa


     Nunca imaginei entrevistar uma pessoa que vivenciou  episódios da Revolução de 32.
     Um dia desses, o professor Gabriel Tarcizzo Carbello, meu amigo de profissão e de Ciranda, me sugeriu entrevistar uma velha senhora, que fará cem anos de existência no próximo ano. E informou-me que ela tem memória extraordinária.
         E lá fui eu, para conhecer a senhora Helena Floriano Barbosa, mãe da dona Rosa, esposa de seu Jesuíno Fagnani, o popular Zuim Gás.
         Dona Helena nasceu em Sales de Oliveira, perto de Orlândia em 25 de junho de 1914, isto é há quase, quase um século. Filha de dona Rosa e  Jaco Floriano.
      Seus pais eram de origem italiana e tiveram 14 filhos. O pai, senhor Jaco Floriano foi viajante, mediador de terras, vendendo extensões de fazendas, porque naqueles idos havia muita gente querendo abrir as matas, para iniciar o cultivo de roças. E quase todo o nosso Estado ainda era uma imensa floresta. Foi também proprietário de Máquina de beneficiar arroz, teve Oficina Mecânica e ainda trabalhou em engenho de cana.
        Quando a menina Helena tinha seus seis, sete anos de idade em 1920/21, a família mudou-se para Araçatuba, que era um vilarejo de casas em meio à densa mata virgem, que a cercava. Vieram se instalar na Fazenda do amigo Ângelo Pavão, que era um rico fazendeiro de café. A sede era exatamente no local, onde está instalada hoje a Santa Casa de Araçatuba.    
    Naquela época, as famílias mais poderosas  de Araçatuba eram os Colaferro, os Varoni, os Baracat, os Caserta.
       Dona Helena lembra que havia uma Fábrica de Refrigerantes, entre as ruas Aguapei e Marechal, perto da Praça Colaferro.    
     
   Em Araçatuba, seu Floriano abriu uma Oficina Mecânica e Ferraria, onde construíam jardineiras, que tinham as laterais abertas. Depois de montadas as partes de ferro eram enviadas para Presidente Prudente, para o acabamento final.
    E ainda, ele servia de intermediário para a venda de terras na região noroeste. Um dia, ele veio até a nossa região e conheceu o Bairro Km 50, que era uma vila muito próspera, bem ali na estrada de terra para as Alianças. Gostou daqui, e veio de mudança instalar a sua oficina, esperando progredir, mas o seu filho não gostou do local. E aí venderam todos os apetrechos da oficina para um senhor japonês do Km 50.
       Com o dinheiro que emprestou a juros, financiou os comerciantes que aqui vieram se instalar antes dos anos 50.
         Em Mirandópolis, dona Helena aprendeu o Curso de Corte e Costura e passou parte da vida costurando em sua máquina, que tem até hoje e considera uma preciosidade.
     Aqui, instalaram-se numa casa que ficava nos fundos do Bazar Guarany. Na frente, onde hoje está instalado o Bazar da Noriko, era a loja de armarinhos de um turco, para quem dona Helena costurou muitas camisas e cuecas para vender. Ali perto era o Bar do Ponto, onde paravam os ônibus e jardineiras e, como chegavam muitas mulheres aventureiras, havia sempre bastante confusão. Várias vezes, sua mãe foi obrigada a chamar a polícia para por ordem no local.
      Ao lado da loja havia uma Pensão, onde se instalavam todos os viajantes que aportavam na cidade. Ela se lembra que o Doutor Edgar Raimundo da Costa morou uns tempos ali na pensão.
        Na época, não existia a Igreja que hoje é o cartão postal da cidade, nem a Praça Manoel Alves de Ataíde, só havia a Estação ferroviária. Era um amontoado de casas na rua que hoje é a Rafael Pereira, na época chamada Avenida Internacional. As pessoas, as jardineiras e as carroças transitavam em ruas de terra batida, que levantava muita poeira. Tudo em torno era mata virgem e à noite, a escuridão dominava o lugar.

         Por essa época foi construída a capela de madeira, e seu pai  e seu futuro marido contribuíram nessa obra. Foi nessa capela que hoje não existe mais que, ela se casaria com o senhor Elpídio Barbosa, que viera de Valparaíso. Elpídio trabalhava na Serraria de seu Belmiro Jesus. Mais tarde, ele ajudaria na construção da Matriz, assim como o seu Jaco. Com ele dona Helena teve três filhos, sendo dois homens e uma mulher.
       Daqueles tempos, ela se lembra que lavou muita roupa de fora. Lembra em especial de dona Eunice do Dr. Afonso, para quem lavou e passou a roupa durante muitos anos. Lembra que lavou também as roupas de professores, que vieram dar aulas no Ginásio Estadual: Pedro Perotti e sua esposa dona Noêmia, que seriam seus padrinhos de casamento, Dalva Colaferro, Helio Faria, Dirce Jodas Gardel, Dr. Neif e dona Antiniska, e também para a família de seu José Galvani.
      Ela lavava as roupas manualmente, porque ainda não existiam as lavadoras. E passava tudo com ferro de brasa, porque também não existia o ferro elétrico. E a água era tirada do poço. Tudo isso era muito trabalhoso, mas a jovem Helena fazia esse trabalho com gosto, porque estava juntando dinheiro numa conta poupança, para comprar uma máquina de costura.
      Quando conseguiu comprar a máquina, passou a costurar para fora, e chegou até a fazer vestidos de noivas. Mas, mesmo assim, ela continuou lavando roupa de fora, passava ternos de noivos e engomava enxovais de noivas.
        Seu esposo faleceu há uns trinta anos e hoje dona Helena mora com a sua filha e seu genro, a quem quer muito. Logo que ficou viúva, ela passou um tempo viajando, indo ver os irmãos e filhos. Diz que aproveitou muito, conheceu lugares, foi às praias e se divertiu bastante.
     A lembrança mais inesquecível que tem é da presença de soldados mato-grossenses, que queriam arrasar a cidade de Araçatuba com um canhão, mas foram repelidos pelos “Doze de Minas” na Revolução Constitucionalista de 32. Isso ocorreu em Araçatuba, e ela se lembra que toda a população saiu em debandada com suas malas, e outros pertences no alto da cabeça, fugindo da guerra.
     
       Na verdade, como ela era criança, tem a lembrança deturpada de tudo que presenciou. O que deve ter ocorrido de fato é que os soldados de Mato Grosso, que eram aliados dos constitucionalistas de São Paulo, vieram para proteger a cidade dos legalistas, que eram os soldados de Getúlio Vargas. Porque os mineiros eram soldados do Ditador Getúlio e pelejaram contra os paulistas, conforme os registros da História.

     A chegada dos mineiros espantou os mato-grossenses.  E em todo o Estado, os revolucionários foram arrasados pelas Forças Armadas de Getúlio. Os rebeldes paulistas perderam, porque eram apenas 40 mil soldados e voluntários contra os cem mil soldados legalistas bem armados do Governo Federal. A rendição se deu em 04 de outubro de 32, após 87 dias de peleja, e custou a vida de 934 soldados paulistas.                             
    A Revolução Paulista terminou em derrota, mas em 1934, Nova Constituição Brasileira foi promulgada, e o Estado passou a ser governado por paulistas e não por Interventores do Governo Federal. Então, o sacrifício dos que lutaram e morreram não foi em vão, pois esses dois objetivos maiores dos rebeldes paulistas foram alcançados.
       Ela se lembra também da Campanha “Ouro para o Bem de São Paulo”, que os paulistas lançaram para a população contribuir com a Revolução, doando ouro e prata, que seriam utilizados para a compra de armamento bélico.
     Também lembra da aflição de seus pais porque justamente, quando estava para ocorrer o confronto em Araçatuba, sua mãe deu à luz a um irmão seu. Como não havia condições para a família fugir, seu pai resolveu ficar e entregou tudo nas mãos de Deus. Esse menino, que nasceu em plena Revolução Constitucionalista, recebeu o nome de Juarez, em homenagem ao General Juarez Távola, que era um dos comandantes das Forças Legalistas de Getúlio. Por esse detalhe percebe-se que, a família estava do lado contrário à Revolução Constitucionalista.
    Outra lembrança dolorosa que tem é da falta de gêneros nessa época. Faltou açúcar, que foi substituído por rapadura, faltou sal, querosene e outros gêneros necessários para o consumo do dia a dia. Foram dias muito difíceis para toda a população.  
   Hoje, dona Helena aos 99 anos de idade está aposentada, tem boa saúde, não toma remédios, ouve bem, tem excelente memória, sabe cuidar de si, não depende de outros para comer e nem para tomar banho. Só não enxerga muito bem. Gosta muito de conversar e de rememorar a longa vida que viveu, e diz que foi muito feliz.
      Tem saudades de tudo que vivenciou e só espera morrer em paz. Por tudo isso, dona Helena Floriano Barbosa é gente de fibra!

         Mirandópolis, agosto de 2013.
         Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com



5 comentários:

  1. Que Deus a conserve assim por mais um bom tempo.
    Essa é mesmo gente de fibra.
    Parabéns Kimie à vc que a entrevistou.

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  2. Você viu, minha amiga? Cada ser humano carrega uma história fantástica, que ninguém imagina, né? Cada dia, descubro pessoas fabulosas, cujas histórias de vida merecem ser divulgadas. Mas, a gente não presta muita atenção às pessoas que nos rodeiam, e já viveram tanto e têm tanto pra nos contar. devagarinho, estou aprendendo com elas.

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  3. Parabéns D. Kimie pela matéria. D. Helena é avó da minha esposa, e ela realmente tem muitos "causos" para contar. (Sérgio A. Camatta).

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  4. É muito agradável conversar com ela, Sérgio Camata. A memória dela é fabulosa. Gostaria que você lhe mostrasse esse texto em cores para ela. Acho que ficaria feliz. Talvez o marido dela esteja também na foto com o padre Epifânio. Um abraço.

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  5. Belo texto!
    É tia da minhã mãe e a chamava de Tia Helena!
    Adorava passar tempo conversando com ela.
    Parabéns.

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