quinta-feira, 24 de julho de 2014


  A chuva choveu de novo

Depois de uns três meses de estiagem braba, de ar poluído, de calor misturado com friagens repentinas, a chuva deu o ar da graça.
Já fazia um bom tempo que todo mundo reclamava da seca, que acabou com as pastagens, com a lavouras, com os pomares... E havia uma tristeza no ar, como se todos tivessem sido abandonados por Deus...
Com a ausência das chuvas, os reservatórios de água que servem a cidade começaram a baixar de nível, e a Prefeitura solicitou a colaboração dos munícipes para pouparem água. A maioria da população entendeu, mas os ignorantes continuaram a lavar suas calçadas e seus carros. Foi necessário a Prefeitura começar a multar alguns cidadãos, para que a lei fosse cumprida. Boa medida!
        Eu realmente não entendo como um cidadão normal, que sabe da utilidade e da necessidade da água para viver, não possa entender e colaborar em campanhas assim. E também não entendo como ainda tem gente que, não atentou para a urgência de proteger a Terra, para a humanidade continuar existindo. Algumas pessoas não se preocupam com o mundo que vão deixar para seus filhos e netos. E derrubam árvores, e poluem os rios, e sujam as estradas e os caminhos, como se o mundo fosse um imenso lixão a céu aberto. Então, as pessoas conscientes desses problemas têm que ficar cobrando o tempo todo, para que gente inconsciente não acabe destruindo o Planeta, que é a nossa verdadeira morada.
         Ensinamos durante toda a nossa missão de professora aos alunos que, as árvores são necessárias para fazer o ciclo da água. As árvores absorvem a água do solo e a eliminam em forma de vapor para formar nuvens, que se transformam em chuva para molhar a terra, A chuva enche os regatos e rios, que com a ajuda do calor do sol se evapora e forma nuvens, que novamente se transformam em chuva... e assim num continuum, que é o ciclo da água. Ora, se derrubarmos todas as árvores, a formação de nuvens será menor, e no locais vazios a chuva não cairá. E se não chover, o solo ficará seco, árido e se transformará em imenso deserto.
      Toda vez que penso em chuva, lembro-me de um senhor que arrendou terras para plantar algodão. Esse senhor de origem japonesa tinha esposa e, uma penca de filhos menores. Por motivo de trabalho, eu me hospedava em sua humilde casa, que era bem retirada da cidade.
         Havia uma colônia de treze famílias de peões, para ajudar no plantio e colheita do algodão. Os homens aravam diariamente a terra, preparando o solo para a semeadura. Todos os dias, a mesma lida. E a terra foi ficando seca e cada vez mais solta, que levantava espirais nos redemoinhos, quando ventava muito.
       E diariamente, quando amanhecia, os homens olhavam o céu em busca de nuvens que viessem molhar a terra para o plantio. E nada... E coçavam a cabeça preocupados, pensando nos dias difíceis que viriam.
       E os meses foram passando: maio, junho, julho, agosto, setembro... Já era um desespero só. O patrão que, tinha um coração recheado de bondade, fazia o que podia para animar os pequenos agricultores. Aos sábados, levava todos os chefes de família para a cidade, para comprar os mantimentos. Querosene, arroz, feijão, óleo, café, açúcar... Pra mais de quarenta bocas... E tudo patrocinado por ele, que tinha uma dívida enorme no Banco, que seria paga com a safra do algodão.
         Todos os sábados, ao voltar de tardezinha da cidade, ele chamava o pessoal da colônia toda para saborear melancia. Talhadas de melancia eram distribuídas a todos e era uma festa, uma alegria geral. Mais tarde, ele distribuía uns golinhos de pinga, para animar os homens.

       E assim, o tempo foi passando. O sofrimento aumentando. E todos sonhando com a chuva. E  arando a terra diariamente. E o patrão espiando o céu todos os dias.
        E chegou o dia 19 de outubro. Todo mundo foi dormir triste, sem esperanças... Sol quente e vermelho, firme e forte como sempre...
      Mas, lá pelas vinte e três horas, começou uma ventania, que parecia querer arrancar a casa do chão. Era um ribombar de trovão contínuo, emendando um som no outro, e relâmpagos clareavam o interior da pobre casa, como se fosse dia.  E a chuva desceu que dava gosto. E choveu chuva pesada, como se Deus estivesse despejando toda a água, represada durante aqueles longos meses de espera. Era a bendita chuva, tão esperada. Tão abençoada!
       E no meio daquela barulheira toda, ouvi claramente o dono da casa gritando: “Mulher, levanta, levanta molecada! Deus se lembrou de nós! Vamos agradecer a Ele!”
            Eu me levantei e fui ver o que estava acontecendo e, vi uma cena que nunca mais esqueci. À luz dos riscos de relâmpagos, vi a família toda ajoelhada no chão batido, orando para Deus. Não era nem oração, era um choro contínuo do chefe gritando: “Obrigado meu Deus! Obrigado, meu Deus!” reprisado pela esposa e pelos filhos pequenos. E assim ficaram uns bons momentos, emocionados e prostrados, só agradecendo e chorando.
    Quando a chuva se acalmou, o homem pegou uma lanterna, vestiu uma capa e saiu. A mulher preocupada, perguntou: “Onde vai?” E ele: “Vou ver a terra beber água, mulher!”
    Só voltou quando o dia amanhecia, feliz como uma criança que houvesse ganho um belo brinquedo.
     E a chuva durou uma semana, chovendo todos os dias e saciando a sede da terra, dos campos e regatos.
     E um belo dia, as crianças não vieram à escola. A colônia estava vazia. Intrigada, olhei para os campos onde havia um barulho de bater de latas. E lá estavam. Todos os homens, as mulheres e as crianças. Semeando as sementes de algodão, que todo mundo tinha pressa. Os homens e mulheres iam à frente batendo as latas de semeadeiras, e as crianças atrás, tampando as covas com os pés. Parecia uma grande baile, uma grande festa! E todos rindo, falando alto e cantando.
   Mais tarde, fiquei sabendo que a colheita fora maravilhosa.
     Bendita chuva!

    Mirandópolis, julho de 2014.
    kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


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