terça-feira, 15 de julho de 2014




                  Uma tarde em Lavínia
    
     Minha terra natal é Lavínia. 
 
   Nasci na Fazenda União no começo da década de 40. Nessa época, a fazenda era uma colônia de japoneses imigrantes que viviam comunitariamente. Todos cultivavam algodão, que era utilizado na Indústria Têxtil. Lembro apenas que era uma comunidade forte, com dezenas de famílias nipônicas, que nos fins de semana praticavam beisebol e taikendô. Como saímos dessa fazenda quando eu era muito pequena,não tenho muitas lembranças do local. Lembro apenas que a nossa tapera, feita de cascas de árvores derrubadas no desmatamento local, ficava no meio de um pasto onde pastavam vacas. Eu tinha muito medo delas. Quando tinha uns quatro anos saímos dali e fomos morar num sítio distante uns quatro quilômetros, perto do Bairro Tabajara. Esse sítio fora adquirido por meus pais à custa de muito sacrifício. Era uma imensa mata, que seria derrubada para o plantio do café. Ali moraríamos por quase quatro décadas.
   Embora atualmente resida em Mirandópolis, sempre amei Lavínia, onde estudei até concluir o Ginásio, sendo que o primário fiz numa escolinha rural e numa escola de Tabajara.
   Mesmo tendo me afastado de Lavínia, nunca consegui me desligar dela, porque no pequeno cemitério local repousam meus pais. Então, volta e meia lá estou orando por eles, pedindo proteção e agradecendo a vida que me concederam.
    E até hoje, consegui manter uma relação com algumas amigas queridas de Lavínia, com quem estudei ou travei amizade, por conta de escolas e reuniões pedagógicas. E mesmo aposentada há mais de vinte anos, tenho contato com essas amigas. São pessoas simples de coração aberto, que após o encerramento de suas atividades, passam seus dias colaborando com a comunidade, com a Igreja, ajudando nas promoções em favor do Asilo local, do Hospital de Barretos... Todas são mulheres sós e dispõem de tempo para curtir a vida tranquilamente.
   Então, de vez em quando pego meu carrinho e, lá vou para uma tarde com essas pessoas queridas. Nos reunimos na casa da Therezinha e, passamos a tarde trocando informações sobre o andar de nossas carruagens, sobre as famílias, sobre nossos afazeres e relembrando fatos interessantes de tempos atrás.Conversamos enquanto tomamos um cafezinho ou refrigerante, com alguns petiscos e bolos.
      Pois bem, hoje foi um dia desses.
     Lá fui ver a Therezinha. E ela chamou a Hilda Zuin e a Maria Adelaide. Já fazia um bocado de tempo que não via essas amigas. Mas, ao revê-las é como se nunca tivéssemos nos separado, porque o respeito e o bem querer é sempre do mesmo tamanho. E ao nos abraçarmos, é como se tivéssemos estado sempre juntas. Enquanto conversamos, comemos um pão que levei, saboreando o café da The. E conversamos sobre tudo e todos. Tudo e todos significa os amigos comuns, suas realizações, suas partidas, doenças, histórias de parentes e agregados que fazem parte de nossas vidas.
     Lá fora havia um barulhão, por conta do Leilão de Gado em prol do Hospital de Câncer de Barretos, que acontecia nas proximidades. Jovens circulavam em volta da Praça Municipal, com seus carros e som altíssimo e suas motos barulhentas. Paz de cidadezinha de interior, quebrada por conta de uma festa. E minhas amigas lá estiveram e almoçaram o arroz a carreteiro, para colaborar na renda. E disseram que havia muita coisa bonita no Bazar de Artesanato, porém pouca gente para comprar. Em cidades pequenas é assim mesmo: as senhoras fazem as prendas, doam e ainda acabam comprando...
  Todas as pessoas gostam da vida agitada dos grandes centros, dos shoppings, das compras nos calçadões... eu também já tive essa paixão. Ver coisas novas, comprar peças bonitas para decorar a casa... Mas, com a idade tudo isso passa, mesmo porque a casa da gente vai se enchendo de inutilidades, sem as quais podemos viver tranquilamente.
   E hoje entendo porque o famoso cineasta Akira Kurosawa colocou uma cena estranha no filme Rapsódia de Agosto:  uma senhora bem idosa visita uma amiga e a anfitriã serve um chá. As duas ficam sentadas no tatami (tapete de fibras) e passam horas sem se falar, apenas saboreando o chá e olhando uma para a outra. Hoje sei que, amigas de verdade não precisam de palavras para se entenderem; usufruir mutuamente a companhia é que importa. Num outro filme mais recente também japonês, vi uma cena incrível. Duas amigas solitárias que moravam em lugares mais ou menos retirados, estabeleciam o contato diário através de um telefonema. A que despertava primeiro ligava para a outra perguntando: Está viva, minha amiga? E a outra lhe respondia: Estou, mas não morra antes de mim!         Eram ambas centenárias...
   Então, o melhor para mim atualmente é aproveitar os dias, meses e anos, que Deus nos reservou ainda para viver sossegadamente, usufruindo a companhia de amigos.E assim faço, e passo tardes deliciosas aqui em Mirandópolis ou em Lavínia, papeando com pessoas queridas.
 E posso dizer que sou privilegiada pois tenho duas cidades do coração, Lavínia e Mirandópolis.

       
        Mirandópolis, julho de 2014.
        http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



2 comentários:

  1. ótimo relato, gosto muito ler histórias da colônia nos seus primórdios da imigração. Passei férias em Mirandopolis e conheci sua cidade, é pequeninha,mas aconchegante. Percebi que tinha uma colonia numerosa e atuante. Quando puder, quero mais nitícia de suas duas cidades. Sayonara

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Tasujyo Kagawa. Nesse blogger tem muitas crônicas referentes a Lavínia e Mirandópolis. Acesse e verá que escrevi muita coisa sobre a minha aldeia natal, e a de coração.

    ResponderExcluir