Uma tarde em Lavínia
Nasci na Fazenda União no
começo da década de 40. Nessa época, a fazenda era uma colônia de japoneses
imigrantes que viviam comunitariamente. Todos cultivavam algodão, que era
utilizado na Indústria Têxtil. Lembro apenas que era uma comunidade forte, com
dezenas de famílias nipônicas, que nos fins de semana praticavam beisebol e
taikendô. Como saímos dessa fazenda quando eu era muito pequena,não tenho
muitas lembranças do local. Lembro apenas que a nossa tapera, feita de cascas
de árvores derrubadas no desmatamento local, ficava no meio de um pasto onde
pastavam vacas. Eu tinha muito medo delas. Quando tinha uns quatro anos saímos
dali e fomos morar num sítio distante uns quatro quilômetros, perto do Bairro
Tabajara. Esse sítio fora adquirido por meus pais à custa de muito sacrifício.
Era uma imensa mata, que seria derrubada para o plantio do café. Ali moraríamos
por quase quatro décadas.
Embora atualmente resida
em Mirandópolis, sempre amei Lavínia, onde estudei até concluir o Ginásio,
sendo que o primário fiz numa escolinha rural e numa escola de Tabajara.
Mesmo tendo me afastado
de Lavínia, nunca consegui me desligar dela, porque no pequeno cemitério local
repousam meus pais. Então, volta e meia lá estou orando por eles, pedindo
proteção e agradecendo a vida que me concederam.
E até hoje, consegui
manter uma relação com algumas amigas queridas de Lavínia, com quem estudei ou
travei amizade, por conta de escolas e reuniões pedagógicas. E mesmo aposentada
há mais de vinte anos, tenho contato com essas amigas. São pessoas simples de
coração aberto, que após o encerramento de suas atividades, passam seus dias
colaborando com a comunidade, com a Igreja, ajudando nas promoções em favor do
Asilo local, do Hospital de Barretos... Todas são mulheres sós e dispõem de
tempo para curtir a vida tranquilamente.
Então, de vez em quando
pego meu carrinho e, lá vou para uma tarde com essas pessoas queridas. Nos
reunimos na casa da Therezinha e, passamos a tarde trocando informações sobre o
andar de nossas carruagens, sobre as famílias, sobre nossos afazeres e
relembrando fatos interessantes de tempos atrás.Conversamos enquanto tomamos
um cafezinho ou refrigerante, com alguns petiscos e bolos.
Pois bem, hoje foi um dia
desses.
Lá fui ver a Therezinha.
E ela chamou a Hilda Zuin e a Maria Adelaide. Já fazia um bocado de tempo que
não via essas amigas. Mas, ao revê-las é como se nunca tivéssemos nos separado,
porque o respeito e o bem querer é sempre do mesmo tamanho. E ao nos abraçarmos,
é como se tivéssemos estado sempre juntas. Enquanto conversamos, comemos um pão
que levei, saboreando o café da The. E conversamos sobre tudo e todos. Tudo e
todos significa os amigos comuns, suas realizações, suas partidas, doenças,
histórias de parentes e agregados que fazem parte de nossas vidas.
Lá fora havia um
barulhão, por conta do Leilão de Gado em prol do Hospital de Câncer de
Barretos, que acontecia nas proximidades. Jovens circulavam em volta da Praça
Municipal, com seus carros e som altíssimo e suas motos barulhentas. Paz de
cidadezinha de interior, quebrada por conta de uma festa. E minhas amigas lá
estiveram e almoçaram o arroz a carreteiro, para colaborar na renda. E disseram
que havia muita coisa bonita no Bazar de Artesanato, porém pouca gente para
comprar. Em cidades pequenas é assim mesmo: as senhoras fazem as prendas, doam
e ainda acabam comprando...
Todas as pessoas gostam
da vida agitada dos grandes centros, dos shoppings, das compras nos
calçadões... eu também já tive essa paixão. Ver coisas novas, comprar peças
bonitas para decorar a casa... Mas, com a idade tudo isso passa, mesmo porque a
casa da gente vai se enchendo de inutilidades, sem as quais podemos viver
tranquilamente.
E hoje entendo porque o
famoso cineasta Akira Kurosawa colocou uma cena estranha no filme Rapsódia de
Agosto: uma senhora bem idosa visita uma
amiga e a anfitriã serve um chá. As duas ficam sentadas no tatami (tapete de
fibras) e passam horas sem se falar, apenas saboreando o chá e olhando uma para
a outra. Hoje sei que, amigas de verdade não precisam de palavras para se entenderem;
usufruir mutuamente a companhia é que importa. Num outro filme mais recente
também japonês, vi uma cena incrível. Duas amigas solitárias que moravam em lugares mais
ou menos retirados, estabeleciam o contato diário através de um telefonema. A
que despertava primeiro ligava para a outra perguntando: Está viva, minha
amiga? E a outra lhe respondia: Estou, mas não morra antes de mim! Eram ambas centenárias...
Então, o melhor para mim
atualmente é aproveitar os dias, meses e anos, que Deus nos reservou ainda para
viver sossegadamente, usufruindo a companhia de amigos.E assim faço, e passo tardes deliciosas
aqui em Mirandópolis ou em Lavínia, papeando com pessoas queridas.
E posso dizer que sou
privilegiada pois tenho duas cidades do coração, Lavínia e Mirandópolis.
Mirandópolis, julho de 2014.
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
ótimo relato, gosto muito ler histórias da colônia nos seus primórdios da imigração. Passei férias em Mirandopolis e conheci sua cidade, é pequeninha,mas aconchegante. Percebi que tinha uma colonia numerosa e atuante. Quando puder, quero mais nitícia de suas duas cidades. Sayonara
ResponderExcluirObrigada, Tasujyo Kagawa. Nesse blogger tem muitas crônicas referentes a Lavínia e Mirandópolis. Acesse e verá que escrevi muita coisa sobre a minha aldeia natal, e a de coração.
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