quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Canções de ninar

  



        "Boi, boi, boi ,

          boi da cara preta,
  Pega esta menina
   que tem medo de careta!”


Essa canção tão prosaica tinha o poder de fazer a minha filha de 2, 3 aninhos chorar muito... Mesmo chorando, gostava de ouvi-la... E nunca soube porque essas palavras tocavam o seu coração, a ponto de fazê-la chorar. Acho que nem ela saberia explicar... Os outros filhos e a neta não tiveram essa estranha reação.
Sempre cantei canções de ninar pra fazer minhas crianças dormir.  Cantei centenas de vezes
“Nana nenê,
Que a Cuca vem pegar!
Papai foi na roça
E mamãe no cafezal!”
Já nem havia cafezal, mas a canção é herança dos tempos duros da época das colheitas de café, em que todas as mulheres tinham que participar. Retrato de uma época.
E cantei:  Fui no Itororó, beber água e não achei, achei bela morena que no Itororó deixei... Cachorrinho está latindo lá no fundo do quintal. Cala a boca, cachorrinho! Deixa o meu amor entrar!  Atirei um pau no gato to to. Mas o gato to não morreu rreu, rreu. Dona Chica ca admirou se se... do berro do berro que o gato deu Miau! À mão direita tem uma roseira que dá flor na Primavera. Que dá flor na Primavera. Entrai na roda, linda menina e escolhei a mais bela flor, a mais bela flor...  Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão. Acudiram três cavalheiros, todos três de chapéu na mão... O primeiro foi seu pai, o segundo seu irmão, o terceiro foi aquele que a Teresa deu a mão...
Muitas vezes, acalentando a criança sonolenta, eu acabava acalentando meu coração também. Atormentada pelos afazeres mil que, tornavam meus dias muito turbulentos.  E cansativos entre a escola, os deveres domésticos, cuidando das crianças, do marido e da alimentação de todos.
Mas, ao longo da vida conheci maravilhosas canções de ninar. Algumas aprendi a tirar ao piano como a Berceuse de Brahms, e  o Dorme, filhinho de Mozart.  São lindíssimas e só de ouvi-las, percebe-se que são doces canções de ninar, mesmo não conhecendo a língua em que são entoadas.
Acredito que todas as mães entoaram alguma canção de ninar quando tinham crianças pequenas. As canções de ninar têm o poder de acalmar e adormecer. Elas funcionam até para adultos tristes e desconsolados... E muitas vezes, essa entoação serve também para consolar e confortar a pessoa que canta.
Há um encanto, uma nostalgia e uma doçura inexplicável nessas canções. Talvez por carregarem histórias de outras mulheres e outras crianças, que precisaram delas ao longo dos séculos, para acalmar seus corações... São canções que se perpetuaram através de tempos mais remotos, passando de ouvido a ouvido e de boca a boca.
Folclore?  Tradição?  Cultura?
É tudo isso e muito mais. Carregadas de emoções, de choros que devagarinho se acalmaram, de carinho da pessoa que canta, de silêncio que enfim acaba reinando no aconchego do lar...
Canções de ninar, remédio da alma.
Gosto muito de cantar a Berceuse de Brahms:
“Boa noite, meu bem!
Dorme um sono tranquilo!
Boa noite, meu amor,
 Meu filhinho encantador!
Que uma santa visão
Venha a mente extasiar!
E uma doce canção
Venha o sono embalar!”

E ao piano, se torna uma canção terna, que alenta e consola.
        Existem lindas canções japonesas, que ouvi quando criança e nunca esqueci, como Nanatsu no ko ouKarasu, naze naku no? e Yuyake Koyake , que cantei muitas vezes.
         “Yuyake, koyake de hi ga kurete.
Yama no oterá no kane ga naru.
Ootete tsunaide minna kaero!
Karasu to ishioni kaerimasho!
Kodomo ga kaeta ato kara wa,
Sora ni wa ookina otsukisama!
Kdomo ga yume o miru  koro wa,
 Sora ni guin guira, guin no hoshi!”
Traduzindo:
“Ao pôr do sol,
Toca o sino da capela!
De mãos dadas, vamos voltar pra casa.
Voltemos, assim como os corvos...
Depois que as crianças se vão.
Imensa lua surge no céu!
E enquanto elas sonham
 No céu brilham estrelas de ouro!”
Canção de ninar me lembra meu pai que ninava as crianças pequenas de casa, carregando-as nas costas, ao anoitecer. Ele andava devagarinho cantando Kojo no tsuki ou
Luar da Fábrica. É uma antiga e triste canção, que fala de saudades ao ver o luar na fábrica. Acredito que ele a cantava para matar as saudades de sua terra natal, de onde viera embora com apenas treze anos de idade, sem a família. Quando ouço essa canção chega a doer a alma...
Mas a canção mais bela se chama Jinsei no namiki michi. Composição de Koga Massao, um dos mais venerados compositores do Japão. É a história de duas crianças, que perderam os pais e estão fugindo da vila, durante a guerra. A menina chorando e o menino consolando-a... Dizendo pra não chorar, porque mesmo depois da neve, a Primavera virá. E que é preciso caminhar sempre para frente.  E viver com coragem e esperança nessa estrada da vida.
Quando essa canção foi lançada no pós guerra, comoveu a todos os japoneses, porque era a história verídica de milhões de crianças órfãs, perdidas no mundo... Até o cantor Ookawa Eisaku confessou que, se desmanchou em lágrimas, quando a cantou pela primeira vez. Na época também tinha uma irmãzinha...
Aprecio demais canções de ninar.
A voz da mãe, o colo quentinho, os braços aconchegantes, a interação total fazem dessa cena, uma das mais belas da humanidade.
E tenho certeza que em algum lugar remoto da África, da Índia, da Alemanha, haja nesse instante uma mãe ninando seu bebê com uma doce canção de amor.
Boa noite, meu amor, dorme um sono tranquilo...

Mirandópolis, janeiro de 2017
kimie oku in





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