sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

                 Imigração Japonesa em Mirandópolis
(Pronunciamento de Takeshi Kido no Rotary Clube em 17/06/2008)

       No mês de junho, precisamente no dia 18 estaremos comemorando 100 anos da Imigração Japonesa ao Brasil. Mirandópolis uma célula deste imenso Brasil, recebeu os Imigrantes em suas terras que tão bem souberam cultivar, produzindo riquezas, participando de todas as atividades culturais, sociais, políticas e econômicas.
       Quando falamos do município de Mirandópolis, não podemos deixar de enaltecer a saga das primeiras famílias de Imigrantes que pisaram nestas terras, provenientes de diversas Províncias japonesas.  A realidade do Japão no início do século XX (1900), era de muita gente principalmente jovens sem grandes perspectivas de um futuro promissor. O desenvolvimento do país        encontrava nos setores de serviços, indústria e comércio poucas chances de trabalho e isto causava preocupações, principalmente no Governo e seus membros. No início os primeiros imigrantes que vieram como colonos, para a lida do café sofreram muito por falta de conhecimento da língua, por moradias precárias e trabalho estafante de sol a sol, num país onde as estações do ano não eram distintas como no seu país de origem, além da baixa remuneração, o que frustrava aqueles que pensavam e sonhavam em enriquecer e retornar à pátria.
       Nessa ocasião, a nossa região hoje denominada Noroeste apenas começava a ser penetrada pelo homem branco. Por suas matas frondosas ainda corriam indômitos os índios Caingangues altivos, fazendo ecoar pelas grotas os seus brados de guerra, num tremendo desafio ao homem branco invasor, preferindo a morte a serem despojados de suas terras, que eram suas por direito de nascença, que lhes dava o sustento fácil da caça, pesca e dos frutos e de sua rudimentar agricultura. Somente anos depois (1912) é que foram totalmente batidos e quase dizimados. Os poucos remanescentes acabaram vivendo completamente abandonados nos seus postos, vítimas não mais de balas assassinas, mas das moléstias e dos vícios que os brancos transmitiram.
       Os primeiros moradores do nosso município vindos do Japão já vieram em condições melhores do que os primeiros imigrantes, pois em algumas províncias do Japão começaram a surgir Companhias de Colonização de Além Mar, que adquiriam glebas de terras no Brasil para revendê-las aos que se interessavam em transferir-se para este país, Brasil. Já na condição de proprietários de glebas para que pudessem cultivar seus sonhos...
       Assim, em 1922, na Província de Nagano, liderado pelo senhor Shigueshi Nagata surgiu a Nippon Rikko Kai (Associação Promotora de Expansão Japonesa Ultramarina), uma associação de pessoas interessadas no estudo de Além Mar, e para tanto convidou agricultores, capitalistas,  industriais e comerciantes a participar da Rikko Kai, tendo em vista a necessidade de muito capital para novos empreendimentos no exterior. O senhor Nagata, homem de cultura e visão futurista planejava toda a infraestrutura necessária, para implantação de um projeto de assentamento de seus compatriotas no exterior. E para isso visitou Hawaí, Estados Unidos, México, Peru, Argentina e Brasil.
       O Brasil estava aberto a todos os povos do mundo e no ano seguinte 1924, em outra viagem ao Brasil, o sr. Nagata decidiu investir num Projeto grandioso que era de assentar Imigrantes Japoneses em 10.000 alqueires de terras. Inicialmente, adquiriu uma gleba de 2.200 alqueires através do senhor Shyngoro Wako, localizada a mais ou menos 600 km da capital do Estado de São Paulo, no município de Araçatuba, do Coronel Francisco Schimith, grande fazendeiro de café na região de Ribeirão Preto. O Coronel Schimith era amigo da Família de Santos Dumont, que era representado por seu procurador Senador Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda, a quem mais tarde cederia as áreas contíguas à margem esquerda do Rio Tietê.
       Adquirida a área, o primeiro ato dos pioneiros no qual tomaram parte Shigueshi Nagata, Chikazo Kitahara, Shyngoro Wako e Taichiro Nishizawa, foi a escolha de um nome para o Projeto e então foi escolhido Aliança, cujo significado simbolizava “União, Harmonia e Cooperação”.
       Em 20 de novembro desse mesmo ano chegava ao Km 35 o senhor Chikazo Kitahara com sua comitiva composta de esposa, um agrimensor, um escriturário, um carpinteiro e mais alguns membros no hoje chamado Bairro da 1ª Aliança. O dito Km 35 refere-se medição que partia da Estação de Lussanvira, hoje Pereira Barreto, margem esquerda do Rio Tietê, como marco zero ou Km Zero, seguindo em direção ao atual município de Mirandópolis. A Fazenda Aliança estava localizada entre o Km 32 e km 43. Enquanto Kitahara trabalhava para instalar a Colônia, Wako procedia à venda de lotes para os imigrantes que já se encontravam no país. E os primeiros que aqui chegaram foram os Kitayama, Ito e Kitazawa e respectivas famílias, que vieram de Registro. Os primeiros que vieram diretamente do Japão com famílias foram os Ogawa, Suzuki, Kamijo e Shinohara em agosto de 1925. E começaram então, para não mais cessar as atividades dos japoneses nessas terras, que somente vinte anos depois vieram a integrar o município de Mirandópolis.
       A experiência da colonização do 1º núcleo foi coroada de êxito e tinha na Seção Central (sede) a realização dos serviços essenciais comunitários: cultural, comercial e médico/hospitalar (1º Hospital de Mirandópolis). Outras aquisições de terras foram feitas com o auxílio do Governo da Província de Tottori e posteriormente por Toyama, tendo sido nomeados para administrá-las os Senhores Massao Hashiura e Kenji Matsuzawa, o 1º na gleba que se tornou a 2ªAliança (1926) e o senhor Matsuzawa na gleba que se tornaria 3ª Aliança (1927).  O interesse de outras Províncias como Kumamamoto fizeram que outras glebas fossem adquiridas e formassem os núcleos da Nova Aliança, Vila Nova e Machado de Mello, onde muitas famílias que já haviam chegado antes, aqui se fixaram. O Distrito de Amandaba, antes chamado Espigão e Machado de Mello foi fundado pelo senhor Hiroko Sano na gleba que havia adquirido. O sonho do Sr. Nagata, o pioneiro, se concretizava atingindo a meta de assentar membros da colônia em 10.000 alqueires de terras do Brasil, que contou com a inestimável colaboração do sr. Chikazo Kitahara em todos os núcleos da colonização, com a sua experiência e liderança incontestável. Aproximadamente ao final de 1940, contabilizava-se a chegada de quase 900 famílias de japoneses, numa média de 6 pessoas por família, totalizando 5400 pessoas entre adultos e crianças.
       Contudo, imensas eram as dificuldades desses pioneiros desbravadores, que tiveram como primeiro obstáculo a densa floresta tropical, que não conheciam e precisava ser removida, para que as terras pudessem ser cultivadas. Esse trabalho era difícil e oneroso, sem perspectiva de compensação financeira imediata, pois o café, único produto agrícola exportável, que rendia bons lucros demorava em média de 4 a 5 anos para produzir. Outros produtos agrícolas obtidos em menor prazo apenas serviam para a subsistência da família, pois o transporte dos mesmos para os grandes centros consumidores absorvia todo o lucro eventual. Os obstáculos e dificuldades aos poucos foram superados graças à perseverança daqueles pioneiros, que seguindo o exemplo dos japoneses radicados na Grande São Paulo que haviam fundado a Cooperativa Agrícola de Cotia com sucesso, fundaram aqui a Cooperativa Agrícola da Fazenda Aliança, instituição quase que inteiramente desconhecida no Brasil.
       Auxiliando-se mutuamente, procurando se livrar de intermediários   que devoravam os lucros dos lavradores, entregavam os produtos para a comercialização direta pela Cooperativa e isto lhes trouxe grandes benefícios. Paralelamente a esta fundaram a Cooperativa Pecuária com finalidade de industrializar produtos suínos e bovinos, mas funcionou por pouco tempo e foi absorvido pela Cooperativa Agrícola da Fazenda Aliança.
       O senhor Rodolfo Miranda não satisfeito em apenas colonizar a gleba, quis salientar os feitos de maneira a perpetuar o seu nome e imaginou erguer uma cidade. O local da nova cidade foi cuidadosamente escolhido na área em torno do Km 50 da Rodovia Lussanvira - Vila São João da Saudade, hoje Mirandópolis. Tudo foi tratado com o máximo de cuidado e carinho e para tal destacou diversos assessores para projetar e lotear a futura cidade, cujo nome Mirandópolis perpetuaria o seu nome. Esse nome oficial no entanto não pegou e o local continuou a ser conhecido como Km 50, como é até hoje. Mesmo assim, o desenvolvimento foi muito rápido, tornando-se em breve uma cidade. Possuía hotéis, farmácia, restaurantes, bares, serrarias, máquinas de beneficiamento de arroz e café, casas comerciais diversas, chegando a rivalizar-se com Araçatuba. No entanto, com o traçado da variante da Estrada de Ferro passando pela Vila São João da Saudade (atual Mirandópolis), fez com que aos poucos o comércio estabelecido lá no Km 50 se transferisse para cá, e a Vila começou a se expandir a olhos vistos. E Km 50 foi abandonada.
       Os imigrantes japoneses deixaram o comércio do Km 50 e partiram para o Patrimônio São João da Saudade, que prosperava de maneira impressionante. E o nome do local mudou para Distrito de Paz de Comandante Árbues em 1937. O primeiro comerciante japonês que se estabeleceu nesta foi o senhor Yoshio Nakamura, que viera da cidade de Guararapes. Depois vieram as famílias Wada, Kawamoto, Kido, Mizukami, Anze, Miike, Yanagi, Hombo Kawata, Kawasaki, Nagata, Takayanagi, Sato, Fujino, Sugisaka, Motomiya, Tonossu, Amikura, Mochida, Sadano, Tanikawa, Tanaka, Ijichi, Kojima e muitas outras. A Avenida Internacional, hoje Rafael Pereira era o centro comercial da cidade. A maioria desses comerciantes eram japoneses.
       Além dos comerciantes, vieram residir na sede do município, muitos agro- pecuaristas preocupados com a educação dos filhos. Dentre estas, as famílias Ariki, Nakano, Miguita, Inoue, Sumita, Fujikawa, Miyamaru, Sasaki, Shiota e outras mais.
       Com a entrada do Brasil na Segunda Mundial contra o eixo formado pela Alemanha, Itália e Japão, a Cooperativa Agrícola da Fazenda Aliança por exigência do Governo Brasileiro, foi obrigada a nacionalizar a sua diretoria. Então, a Presidência foi entregue ao sr. Francisco Antonio de Toledo Piza e para Diretor Gerente foi indicado o sr. Manoel Flauzino Correa. Mesmo assim, o ritmo expansionista não diminuiu. Como o tecido de seda natural era utilizado para fins bélicos (paraquedas), e os preços eram bons os japoneses da região optaram pela Sericicultura, ou criação do bicho da seda, para retirar o fio de seda dos casulos para a industrialização. E logo, Mirandópolis se transformaria no maior produtor mundial de seda, a ponto de ser construído o Instituto de Sericicultura da 2ª Aliança, que dava suporte técnico aos produtores. Isso encorajou as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo a instalar uma Unidade de Fiação e Tecelagem de Seda em Mirandópolis, onde atualmente funciona a Empresa Nutribem. Também os japoneses foram os pioneiros no cultivo da soja em nosso município, e até foi realizada a Primeira Festa de Soja nas Alianças. Também, por iniciativa dos japoneses, Mirandópolis chegou a ser o 2º maior produtor de ovos do Estado de São Paulo.
       Desde o início da Imigração japonesa até os dias de hoje, os seus descendentes têm contribuído positivamente em todos os setores da vida brasileira. No entanto, não podemos deixar de registrar uma mancha negativa na história dos japoneses no Brasil...  Ao término da 2ª Guerra Mundial, que terminou com a derrota do Japão, com a bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, os japoneses aqui residentes não aceitaram a derrota de seu país de origem. Um país com 2600 anos de existência que nunca havia perdido uma guerra... Descrentes dos noticiários, formaram uma facção chamada Shindo Renmei, ou Liga do Caminho dos Súditos (Súditos do Imperador do Japão, que era venerado como um Ser Sagrado). Os membros fanáticos pelo Imperialismo japonês não admitiam a derrota e começaram a atentar contra os próprios patrícios que acreditavam na derrota. Esse fanatismo fez muitas vítimas em todo o Estado de São Paulo, nas regiões ocupadas pelas colônias de japoneses. Até aqui em Mirandópolis, no Bairro da Vila Nova houve destruição de barracões de bichos de seda... Muitos atentados foram registrados em Penápolis, Marília, Bastos... Houve no balanço geral, 23 mortes e mais de 150 feridos. 400 fanáticos presos e confinados na Ilha Anchieta. Houve necessidade de intervenção do Governo Federal para conter essa fúria de fanáticos. Após dez anos de cumprimento da pena, o Presidente Kubistchek comutou as penas e os libertou. Mas, ficou essa mancha na História dos Imigrantes Japoneses, infelizmente ...
       No campo cultural, a construção do 1º Grupo Escolar dentro dos padrões exigidos pelo Departamento de Educação em 1941 foi um marco importante, pois foi construído às custas da comunidade e posteriormente doado ao Estado. Os japoneses também colaboraram nessa empreitada. O Primeiro Grupo Escolar começou a funcionar em 1942, incialmente com o nome de Comanndante Árbues. E em 30/11/1944, com a Criação do Município, passou a se chamar Grupo Escolar de Mirandópolis. Sinto-me privilegiado por ter sido um dos primeiros nisseis graduados pelo Ginásio Estadual de Mirandópolis (1950/53 – 1ª turma) em companhia de Natsumeda, Kamada, Kazuo Kawamoto, Toshio Sugisaka, Keitaro Mizukami, Chinzo Amino, Kunitaka Shimoda, Aiko Morita, Akiko Kanzawa, Naoko Sugisaka e Miyuki Mochida. A Comunidade Yuba é um exemplo de arte e cultura, com o seu Balé conhecido no Brasil e internacionalmente. Também é preciso destacar que a Granja Yuba foi a maior Granja Avícola da América do Sul no pós guerra, quando ainda estavam instalados no Bairro Formosa em Guaraçaí.
       Os japoneses e seus descendentes hoje integram a classe laboriosa e bem educada que brilha nas várias áreas de Ciências Biológicas, Exatas e Letras, para orgulho dos pais e avós, que sempre tiveram na cultura a esperança de dias melhores. Apenas a título de ilustração, em 1977 conforme a Revista Veja, apenas 2,5 % da população do Estado era composta de japoneses e seus descendentes. No entanto, 13% dos jovens aprovados nos Vestibulares da USP, 16% no ITA e 12% na Fundação Getúlio Vargas eram nisseis.
       Os reflexos da crise econômica da década de 80, mais as consequências do Plano Collor e a demanda do Japão por mão de obra, fizeram que entre 1980 e 1990, cerca de 8500 japoneses e descendentes residentes no Brasil decidissem tentar a vida no outro lado do mundo, em busca de um futuro que não viam aqui, efetuando o caminho de volta dos antigos imigrantes que aqui vieram. Hoje esse contingente de dekassegis ultrapassa a casa dos 31.300 indivíduos. Todos em busca de sonhos a serem realizados.
       No campo político, os nisseis e sanseis tiveram em Mirandópolis uma atuação destacada, pois tivemos um Prefeito Dr. Mitsutoshi Ikejiri, dois Vice- Prefeitos Dr. Eduardo Sunada e Dr. Celso Minomi. E os seguintes Vereadores: Tomico Uemura e Kenji Hattori por Amandaba; Luís Oba, Tooru Kamijo, Mamoru Sueta, Tokuji Horie, Sussumu Yamakami, Issao Yoneyama Hajime Komatsu, Carlos Hiramatsu e Tiaki  Kamano pelas Alianças. E por Mirandópolis, Paulo Miike, Dr. Massayuki Otsuki, Dr. Yoshito Kanzawa, Dr. Takeshi Kido, Itio Nakano, Takaomi Ijichi, Dr. Takeshi Sasaki, Dr. Mitsutoshi Ikejiri, Haruo Nakano, Dr. Riyuichi Ijichi, Dr. Celso Minomi e Dr. Yukio Abe.
       Na área profissional, 50% são descendentes de japoneses nascidos aqui em sua maioria, e prestam serviços à comunidade. Temos que destacar o saudoso Dr. Yoshito Kanzawa que atuou no Rotary Clube de Mirandópolis, e nos legou ensinamentos e assistência médica à comunidade. Foi Presidente do Rotary Clube e líder de intercâmbio cultural nos Estados Unidos. Também merece destaque o Dr. Takeshi Sasaki, que foi atuante na comunidade e idealizou a construção da sede social do Rotary. 40% dos Rotarianos daqui são de origem nipônica e compartilham do ideal do Clube que é “Servir e como fim procurar a Paz Mundial”.
       Nosso país Brasil foi cenário dessa epopéia moderna, e não só comemoramos a chegada das primeiras 165 famílias a bordo do Kassato maru, que aportou em 18 de junho de 1908 em Santos, mas também louvamos o exemplo de sagacidade, tenacidade, perseverança e confiança das quatro gerações de Nikkeis que hoje vivem no país, com dedicação ao trabalho e respeito aos padrões da Ética.
       Obrigado!
Rotary Clube de Mirandópolis, 17 de junho de 2008.
Dr. Takeshi Kido

       

Um comentário:

  1. Como descendente de uma família que também participou dessa saga ,honro meus antepassados e hoje lendo esse relato da história das alianças e de Mirandópolis tenho quase certeza que as raízes de meus pais estão nessa região pois nasci em Valparaíso em 1959.

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