sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

              Viver outras vidas...  

        Para mim, a vida sempre foi e será um mistério insondável. A morte então, nem se fala. Por mais que matute e analise, não acho uma explicação plausível tanto para a vida como para a morte.
      Por isso, acho que a vida é a coisa mais preciosa e misteriosa que existe. Não só a dos humanos, como também dos animais e dos vegetais. Também acho que a água é viva assim como a montanha, o vento, a brisa... todos eles têm uma presença que nós sentimos na pele... para mim não são abstratos.
      Entretanto, sempre tivemos a ideia que quando alguém falece, tudo acaba, o corpo se degrada e vira pó... “Memento homo, quia pulvis es et in pulvis reverteris” ou seja “Lembra-te homem, que és pó e ao pó voltarás!”
      Essa frase litúrgica, inscrita em portais de cemitérios, lembra com crueza a nossa condição de frágeis criaturas, que estão de passagem pela terra como uma carreira de formiguinhas...
      Mas, esta semana, ao perdermos um amigo querido tão jovem ainda, tivemos a grata surpresa de saber sobre a doação de partes de seu corpo, para outras pessoas que estão vivendo com dificuldade, devido à inoperância de certos órgãos. Córneas, fígado, rins e tecido ósseo para salvar vidas... Em meio à dor da perda, o respeito de toda a cidade por esse gesto da família.
      Com certeza, o jovem continuará vivendo em outros corpos, cumprindo uma nova e bela missão: ser o suporte para normalizar a vida dos beneficiados.
      Para mim, que nada entendo de procedimentos cirúrgicos, menos ainda de transplantes, é uma coisa espantosa poder recuperar ou normalizar vidas através da substituição de órgãos doentes por outros saudáveis.
      Acredito que a parte implantada, quando não rejeitada deva assumir as condições do novo ambiente físico, regenerando o organismo doente. Deve ser um milagre! Como um enxerto que se faz em plantas machucadas. E tudo se normaliza e a pessoa passa a viver tranquilamente, sem medo de mal estares súbitos.
      Pensando em tudo isso, é preciso pensar na necessidade de mais doações, de mais desprendimentos para ajudar outras pessoas a levar uma vida normal. Imagino a felicidade de alguém que, receba um coração sadio quando a sua vida está por um fio. Deve agradecer a Deus e ao doador todos os momentos de vida vivida a partir daí. E outros que recebem córneas e passam a enxergar melhor o mundo. Deve ser fantástico!
      Enxergar com olhos alheios, pulsar com um coração de outro, ter um novo fígado processando os alimentos direitinho... novos rins eliminando as impurezas do corpo... são simplesmente milagres, que nunca passaram pela ideia de nossos antepassados. Quantos deles foram embora porque tinham órgãos afetados e, não se cogitava em transplantes ainda.
      A história de transplantes é bem antiga, pois em 1933, um médico ucraniano, transplantou um rim para tratar um paciente que sofria de insuficiência renal. E em 1967, o médico sul africano Christiaan Barnard fez o transplante de um coração humano. É verdade, que o receptor não usufruiu muito da alegria de ter um novo coração batendo no peito, pois houve rejeição... Mas, foi o começo de uma nova era na Medicina, e na vida de milhões de pessoas, que hoje vivem com órgãos transplantados.
       No Brasil a história de transplantes começou em 1968 e, de lá para cá não parou mais. Hoje efetuar transplantes já é rotina.
      Na minha total ignorância, ficava imaginando como seria receber um coração alheio. Porque sempre achei que o coração pulsasse conforme os sentimentos da pessoa... Desânimo faria o coração devagar... Alegria faria com que se agitasse... E rancor o acelerasse... Mas um coração estranho entraria em sintonia com os sentimentos da pessoa que o hospedou?  Ou, o coração nada tem a ver com os sentimentos? Taí uma boa pergunta. Mas, por que meu coração dispara quando fico nervosa e tensa?
      Mistérios da vida...
      Será que os sentimentos de um palmeirense que recebeu um coração de corinthiano serão afetados? Será que sua paixão pelo time anterior se manterá no mesmo nível. Ou haverá mudanças? Já imaginou um crente bem radical de Alá receber um coração do mais puro cristão... Sua visão sobre o mundo sofrerá mudanças?  E uma criança pequenina receber o coração de um jovem já mais maduro. Passará a agir como um jovem ou continuará criança mesmo?
      Perguntas... perguntas... dúvidas... Dão um nó na cabeça de gente ignorante como eu. Mas, essas indagações continuarão martelando a minha cabeça, enquanto não houver respostas...
      A gente sabe de frutas cruzadas que acabam adquirindo características novas. Experiências com melancias, melões e outras frutas que criaram novos sabores, novas imagens...
      Só os humanos manterão as características anteriores?  Afinal, no sangue ou no coração transplantado não se transplantam novos genes???
      Vou parar por aqui, porque o nó na minha cabeça está apertando demais.
      Também vou pensar em como continuarei a viver outras vidas, quando parte de mim for enxertada em alguém, já que sou doadora...
      Mirandópolis, janeiro de 2017.
      kimie oku in


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