sábado, 8 de dezembro de 2018



            Solo Sagrado
        
       Estive hoje de manhã conversando com a minha irmãzinha Akemi, que partiu tão jovem... Sete meses já.
Como sempre levei uns kalanchoês de cor laranja, que era a sua cor predileta... E retirei as folhas e as flores secas dos vasos que lá estavam, mas cheios de botões prometendo novas flores. Enquanto fazia isso pedi a Deus que lhe dê paz e descanso, porque mesmo sendo uma mulher pequenina, batalhou muito para dar conta de sua missão. Viúva com 54 anos, teve que se desdobrar para encaminhar os filhos nos estudos, além de cuidar dos sogros idosos...
Hoje os meninos estão pelejando para dar conta de suas famílias, dos filhos e do trabalho tão necessário. Pelejando muito. Então, pedi a ela que não descuide deles e dos netinhos, que ela não conseguiu curtir quase nada, por ter ficado enferma.
E lá diante da armação escura onde está descansando, diante das flores e das chamas das velas que ameaçavam apagar-se,  sentindo o vento sul nos cabelos e no rosto, percebi que ela entendeu tudo que orei, que lhe pedi. Porque éramos tão ligadas e sentíamos na mesma medida, as emoções dessa vida.
Quem pode explicar a morte? Por mais que se reflita, é um mistério inexplicável, que só poderemos entender quando ela nos atingir. Até então, devemos seguir o caminho e cumprir a missão  a que fomos destinados.
Muita gente não cultua os mortos, porque dizem que lá só está a matéria a dissolver-se definitivamente. Mas, a imagem da pessoa amada, as palavras trocadas, o carinho, as confidências, as alegrias compartilhadas, as lágrimas derramadas não se dissolvem assim. Tudo isso fica guardado para sempre na alma, confortando todos que ficaram para trás... Lembranças, doces e tristes lembranças...
Então, sinto necessidade de visitá-la, de conversar com ela, de lhe contar coisas boas, que aconteceram para os seus e para os meus filhos... Mesmo que o mundo inteiro a esqueça, os familiares continuarão visitando-a, levando flores frescas, acendendo velas e incensos. É verdade que não passa de uma visita espiritual, mas como consola a alma! Volto sempre mais confortada das saudades. E não fico pensando em como seria bom vê-la e tocá-la, porque tudo isso é um sonho impossível. Após a partida definitiva, só podemos sentir e pensar nas lembranças que ficaram. E eu sou muito grata pelas lembranças maravilhosas que ficaram.

Conheço pessoas cuja religião renega o culto aos mortos, e não visitam cemitérios, porque dizem lá está apenas a matéria de alguém que um dia viveu. Tenho muito dó dessas pessoas, porque mesmo a matéria representava alguém muito querido, e preenchia um espaço na vida dessas mesmas pessoas, na casa dessas mesmas pessoas, no convívio dessas mesmas pessoas... Negar a matéria é como se renegasse a importância de todos os que partiram...
Em todas as Civilizações sempre houve o culto aos mortos, aos antepassados. Porque sem eles, nós não estaríamos aqui. Os ancestrais estabelecem a ligação do primeiro homem até a humanidade dos dias de hoje. Mesmo nas Civilizações antigas, sempre houve uma destinação respeitosa para os corpos dos que morriam. Entre os primeiros habitantes da América, os índios também reservavam espaço em seus territórios, onde depositavam os mortos das tribos. E para eles ali era um solo sagrado, inviolável.
E eu também considero sagrado o solo onde repousam meus antepassados. Certo ou errado, tenho uma reverência especial por todos os mortos que lá descansam.
É onde irei descansar meus ossos também.
Enquanto isso, vou orando e reverenciando os que já partiram...

Mirandópolis, dezembro de 2018.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



4 comentários:

  1. Olá, Kimie.
    Suas crônicas são excelentes, mas aquelas que surgem do coração, com amor e ou da alma, são as mais brilhantes.
    A alma da Akemi já ultrapassou o portal dos céus e DEUS já a iluminou para novas missões. Estas, certamente, creio eu, serão mais amenas, pois o nosso PAI é bondade.
    Beijão! Fique com DEUS, sempre!
    Canarinho.

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    1. Obrigada, Ulisses. Essas são as que brotam de repente quando estou vivendo o momento. Estava lá no cemitério e me deu vontade de escrever. Uma manhã, estava lá esperando o funeral do pai da Regina Rosado, e chovia mansamente... Era um dia triste e nublado e aí pus a me ouvir uma valsa de Strauss no carro. O cortejo não chegava. E aí peguei um papel e escrevi sobre o que estava acontecendo. Muitos anos depois, achei a crônica e pensei em jogar, mas por brincadeira ofereci para a Regina. Ela leu, ficou emocionada, chorou, até hoje guarda aquele papel como uma relíquia... Dá pra acreditar?

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  2. Oi, Kimie, Bom dia!
    Garanto que você a fez com muita inspiração e carinho. Por isso, aquilo que para você (escritora crítica)...depois...nada mais seria do que um pedaço de papel, para a filha de seu Mário Tosta ( que foi uma pessoa boa e batalhadora ) trouxe-lhe um sentimento ímpar.
    É isso aí...dá para acreditar sim...
    Beijão!

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