Bete e Varela
Veio das fazendas, era
lavradora, catadora de algodão, colhedora de cebolas, que aprendeu a restar... Acostumada
na labuta diária na roça de sol a sol. Morena, filha de baianos, dura na queda,
queria trabalhar para ajudar no orçamento da família, porque tinha uma filhinha
de uns três anos...
Olhei pra ela, pensei: “Essa
menina xucra não vai saber cuidar de minha casa... Preciso lhe ensinar muita
coisa...”
Mas a moça era inteligente e
muito esperta, logo aprendeu e fazia
tudo com capricho. Surpreendeu-me, de fato. Mais ainda pela honestidade e
retidão de caráter.
Um dia, me perguntou se não havia
toalhinhas de crochê rendado para trocar dos móveis. Respondi que tinha, mas
que eram peças tão preciosas que estavam guardadas. E ela me perguntou: “Tá
guardando para a outra usar?” A outra seria a minha substituta quando eu
morresse... Levei um choque pela crueza de sua fala, mas lhe dei razão, e a
partir daí aprendi a usufruir de tudo que tenho, para “não deixar para a
outra...” Ao longo da vida, vi muitas “outras” usufruindo de tesouros
acumulados com grande sacrifício pela primeira esposa... Essa era a Bete que
veio trabalhar comigo em 2000 e permaneceu até agora. Honesta, direta e
sincera. Ficaria dezenove anos aqui em casa...
Ele apareceu um dia em minha
casa, dizendo que queria comprar a minha ideia. Era um senhor distinto, mas
muito agitado que parecia um sargentão. Ele não pedia, exigia. Fiquei assustada
e não soube como lidar com ele. Ele queria comprar a “ideia da Ciranda” que eu
havia publicado no Jornal Hoje de Mirandópolis. Conversa vai, conversa vem,
acabamos junto com outros amigos que ele recrutou, fundando o Grupo Ciranda.
Era outubro de 2009. Mário Dias Varela, nascido em Condeixa-A-Nova ao sul de
Coimbra, Portugal. Naturalizado brasileiro, homem culto, empresário,
pecuarista, e acima de tudo um grande empreendedor.
Essas duas pessoas entraram em minha vida de
repente e vieram para ficar. Elizabete Soares Malta e Mário Dias Varela. Um não
conheceu o outro.
Elizabete, a nossa Bete era pobre,
batalhadora, trabalhava para proporcionar conforto para sua família. Nunca
desperdiçou seu pagamento mensal em quinquilharias... Acima de tudo, vinha o
bem estar e o conforto da filhinha e do esposo. E cuidava de seus pais e irmãos com desvelo,
que nunca vi igual. Tinha um carinho especial pelas irmãs, com quem mantinha
contato direto todos os dias. Bete contava seu dinheirinho minguado e todos os
meses tinha prestações para pagar. Não tirava férias, queria sempre em money
para ajudar no orçamento. Ao longo dos anos foi adquirindo bens indispensáveis
para a família. Era controlada e super organizada. Muito aprendi com ela em
termos de economia. Comprar material de limpeza só em promoções... Enquanto
pelejava, ficava de olho nos irmãos, acudindo–os em suas dificuldades, fazia
compras para as irmãs... Socorria a todos os familiares doentes, envelhecidos,
acamados, em suas horas de folga do trabalho. Ministrava-lhes remédio e lhes
dava banho...
Varela
nasceu em Portugal, teve uma infância privilegiada, com babás e mais babás,
mimado ao extremo pela mãe, e depois pela esposa dona Zilda. O homem era
precocemente dotado e desde criança se revelou um negociante. Ao imigrar para o
Brasil provou ser um grande empreendedor. Foi comerciante, construtor de casas,
fazendeiro e terminou sua vida como pecuarista.
Adotou Mirandópolis como sua pátria e muito fez pelo Município. Ajudou a
fundar a Alumínio Nitinam, fábrica de panelas, que deu emprego a centenas de
jovens. As panelas produzidas pela tecnologia japonesa ficaram famosas no
Brasil inteiro. Participou ativamente da instalação da Usina de Açúcar e
Álcool, a Alcomira, que agora leva o nome de Raízen, empresa internacional, que
continua até hoje a empregar dezenas de funcionários. Seu Varela era um membro
ativo do Lions e ajudou a fundar vários clubes, como o das Perdizes em São
Paulo e o Lions Clube Fraternidade e Labor de Mirandópolis. Além disso, o
senhor Varela participou de várias comissões intermediando junto ao Governo do
Estado, para solucionar problemas administrativos, colaborando assim com a nossa
Prefeitura.
Acredito que os amigos devem estar se
perguntando: “O que tem a minha Bete com o poderoso seu Varela?”
Pois bem, os dois cruzaram o meu caminho e me
marcaram para sempre... Seu Varela me ajudou a fundar o grupo Ciranda, que cuida
de idosos solitários, lhes proporcionando tardes de lazer. O grupo já vai completar
dez anos de existência e, tem proporcionado alegria a muitos idosos que vivem
sós. É a minha maior realização social.
A Bete foi minha auxiliar de cozinha, de
faxina, de organização e manutenção da casa por dezenove anos, era já uma
pessoa de casa.
Muita gente pode estar pensando: “Que
injustiça, ele tão rico e poderoso e ela tão pobre e limitada!”
Só que eu não penso assim! Ela foi sempre
pobre, mas pelejou bastante para ter uma vida mais confortável, e sua peleja
era cheia de esperança e satisfação. Viveu a vida com alegria e sem revolta.
Ele foi rico, sim! Mas, sempre batalhou para
criar empresas que trouxessem empregos aos jovens locais. Tanto é que o esposo
da Bete trabalha numa empresa criada por ele.
Se operários são necessários, necessário é
também um empresário que tenha coragem e determinação para abrir campos de
trabalho para a moçada sobreviver. E o mérito maior do seu Varela foi esse, que
ajudou bastante no progresso de Mirandópolis.
E esses dois amigos meus resolveram partir no
mesmo dia. Nunca se conheceram, mas eram meus amigos queridos. E a senhora dona
Zilda Varela me disse que os dois se encontrariam no céu... O seu Varela daria
um jeito de encontrá-la...
Devem estar agora cirandando no céu e rindo
muito das minhas trapalhadas aqui na terra.
Elizabete Soares Malta, minha gratidão
eterna.
Mário Dias Varela, minha gratidão eterna.
Até um dia!
Mirandópolis, 22 de setembro de 2019.
kimie oku in
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