domingo, 22 de setembro de 2019


            Bete e Varela
      Veio das fazendas, era lavradora, catadora de algodão, colhedora de cebolas, que aprendeu a restar... Acostumada na labuta diária na roça de sol a sol. Morena, filha de baianos, dura na queda, queria trabalhar para ajudar no orçamento da família, porque tinha uma filhinha de uns três anos...
      Olhei pra ela, pensei: “Essa menina xucra não vai saber cuidar de minha casa... Preciso lhe ensinar muita coisa...”
      Mas a moça era inteligente e muito esperta, logo aprendeu e  fazia tudo com capricho. Surpreendeu-me, de fato. Mais ainda pela honestidade e retidão de caráter.
      Um dia, me perguntou se não havia toalhinhas de crochê rendado para trocar dos móveis. Respondi que tinha, mas que eram peças tão preciosas que estavam guardadas. E ela me perguntou: “Tá guardando para a outra usar?” A outra seria a minha substituta quando eu morresse... Levei um choque pela crueza de sua fala, mas lhe dei razão, e a partir daí aprendi a usufruir de tudo que tenho, para “não deixar para a outra...” Ao longo da vida, vi muitas “outras” usufruindo de tesouros acumulados com grande sacrifício pela primeira esposa... Essa era a Bete que veio trabalhar comigo em 2000 e permaneceu até agora. Honesta, direta e sincera. Ficaria dezenove anos aqui em casa...
      Ele apareceu um dia em minha casa, dizendo que queria comprar a minha ideia. Era um senhor distinto, mas muito agitado que parecia um sargentão. Ele não pedia, exigia. Fiquei assustada e não soube como lidar com ele. Ele queria comprar a “ideia da Ciranda” que eu havia publicado no Jornal Hoje de Mirandópolis. Conversa vai, conversa vem, acabamos junto com outros amigos que ele recrutou, fundando o Grupo Ciranda. Era outubro de 2009. Mário Dias Varela, nascido em Condeixa-A-Nova ao sul de Coimbra, Portugal. Naturalizado brasileiro, homem culto, empresário, pecuarista, e acima de tudo um grande empreendedor.
       Essas duas pessoas entraram em minha vida de repente e vieram para ficar. Elizabete Soares Malta e Mário Dias Varela. Um não conheceu o outro.
Elizabete, a nossa Bete era pobre, batalhadora, trabalhava para proporcionar conforto para sua família. Nunca desperdiçou seu pagamento mensal em quinquilharias... Acima de tudo, vinha o bem estar e o conforto da filhinha e do esposo.  E cuidava de seus pais e irmãos com desvelo, que nunca vi igual. Tinha um carinho especial pelas irmãs, com quem mantinha contato direto todos os dias. Bete contava seu dinheirinho minguado e todos os meses tinha prestações para pagar. Não tirava férias, queria sempre em money para ajudar no orçamento. Ao longo dos anos foi adquirindo bens indispensáveis para a família. Era controlada e super organizada. Muito aprendi com ela em termos de economia. Comprar material de limpeza só em promoções... Enquanto pelejava, ficava de olho nos irmãos, acudindo–os em suas dificuldades, fazia compras para as irmãs... Socorria a todos os familiares doentes, envelhecidos, acamados, em suas horas de folga do trabalho. Ministrava-lhes remédio e lhes dava banho...
 Varela nasceu em Portugal, teve uma infância privilegiada, com babás e mais babás, mimado ao extremo pela mãe, e depois pela esposa dona Zilda. O homem era precocemente dotado e desde criança se revelou um negociante. Ao imigrar para o Brasil provou ser um grande empreendedor. Foi comerciante, construtor de casas, fazendeiro e terminou sua vida como pecuarista.  Adotou Mirandópolis como sua pátria e muito fez pelo Município. Ajudou a fundar a Alumínio Nitinam, fábrica de panelas, que deu emprego a centenas de jovens. As panelas produzidas pela tecnologia japonesa ficaram famosas no Brasil inteiro. Participou ativamente da instalação da Usina de Açúcar e Álcool, a Alcomira, que agora leva o nome de Raízen, empresa internacional, que continua até hoje a empregar dezenas de funcionários. Seu Varela era um membro ativo do Lions e ajudou a fundar vários clubes, como o das Perdizes em São Paulo e o Lions Clube Fraternidade e Labor de Mirandópolis. Além disso, o senhor Varela participou de várias comissões intermediando junto ao Governo do Estado, para solucionar problemas administrativos, colaborando assim com a nossa Prefeitura.
Acredito que os amigos devem estar se perguntando: “O que tem a minha Bete com o poderoso seu Varela?”
Pois bem, os dois cruzaram o meu caminho e me marcaram para sempre... Seu Varela me ajudou a fundar o grupo Ciranda, que cuida de idosos solitários, lhes proporcionando tardes de lazer. O grupo já vai completar dez anos de existência e, tem proporcionado alegria a muitos idosos que vivem sós. É a minha maior realização social.
A Bete foi minha auxiliar de cozinha, de faxina, de organização e manutenção da casa por dezenove anos, era já uma pessoa de casa.
Muita gente pode estar pensando: “Que injustiça, ele tão rico e poderoso e ela tão pobre e limitada!”
Só que eu não penso assim! Ela foi sempre pobre, mas pelejou bastante para ter uma vida mais confortável, e sua peleja era cheia de esperança e satisfação. Viveu a vida com alegria e sem revolta.
Ele foi rico, sim! Mas, sempre batalhou para criar empresas que trouxessem empregos aos jovens locais. Tanto é que o esposo da Bete trabalha numa empresa criada por ele.
Se operários são necessários, necessário é também um empresário que tenha coragem e determinação para abrir campos de trabalho para a moçada sobreviver. E o mérito maior do seu Varela foi esse, que ajudou bastante no progresso de Mirandópolis.
E esses dois amigos meus resolveram partir no mesmo dia. Nunca se conheceram, mas eram meus amigos queridos. E a senhora dona Zilda Varela me disse que os dois se encontrariam no céu... O seu Varela daria um jeito de encontrá-la...
Devem estar agora cirandando no céu e rindo muito das minhas trapalhadas aqui na terra.
Elizabete Soares Malta, minha gratidão eterna.
Mário Dias Varela, minha gratidão eterna.
Até um dia!
Mirandópolis, 22 de setembro de 2019.
kimie oku in



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