sábado, 19 de maio de 2012


      Gente de fibra - Severina Alves dos Santos

         Recentemente, tive uma alegria imensa ao ver uma foto no facebook – era a foto de jovens que se casaram, e ladeavam a avó da noiva. Imediatamente a reconheci, era a foto de dona Severina, que trabalhou décadas no antigo Ginásio Estadual e depois no CENE Noêmia Dias Perotti.
         Quem postou a foto foi o seu genro Lupércio Ailton Nery Palhares, filho do saudoso Professor Durval Nery Palhares, que nos anos 60/70 ficou conhecido como o Professor do Curso de Admissão ao Ginásio, que era o sonho de toda  a moçada da época.
         Pois é, o Lupércio é casado com a nossa amiga Valdeíte Inêz, irmã de Wanderlei Luis dos Santos, ambos filhos de dona Severina e do senhor Benedito dos Santos, mais conhecido como o Ditão, o homem negro elegante em suas roupas de linho branco, que morou muitos anos em Mirandópolis.
         Ao postar a foto, Lupércio informou que a dona Severina está com 91 anos de idade, goza de boa saúde e sua memória está perfeita, lembrando de tudo e de todos que conheceu por aqui.
         Como ela foi uma pessoa conhecida de todos os jovens, que passaram pelo antigo Ginásio e pelo CENE, achei interessante contar a história dela em Gente de Fibra. E pedi ao senhor Lupércio que fizesse uma entrevista e a enviasse para ser publicada no Diário de Fato. Mais que isso, o amigo postou um interessante texto intitulado Tributo a Severina, em que ele conta a história da nossa querida amiga, aproveitando o viés de “Morte e Vida Severina” do poeta nordestino João Cabral de Mello Neto.
                        Mirandópolis, 15 de maio de 2012.
                         kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com


        TRIBUTO A SEVERINA

Como deixar de fazer um tributo à mulher Severina – a retirante nordestina - se deixar de lado o verso maior da significância Severina; como nos versos do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto em seu famoso ensaio poético/musical “Morte e Vida Severina”. Um verdadeiro hino de exaltação de um povo de amor à terra, que mesmo distante não deixa morrer as raízes que o prende vivo as suas origens.



“Severino, retirante deixe agora que lhe diga: 

eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia,

se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; 

nem conheço essa resposta se quer mesmo que lhe diga

é difícil defender só com palavras, a vida, 

ainda mais quando ela é esta que vê, Severina. 

Mas se responder não pude à pergunta que fazia, 
ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. 

E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: 
vê-la desfiar seu fio que também se chama vida, 
ver a fábrica que ela mesma teimosamente se fabrica, 
vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; 
mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; 
como a de há pouco franzina, mesmo quando é a explosão 
de uma vida severina.”

          Foi assim com essa Severina, da linhagem Leandro Alves do correto Mizael Leandro Alves, barbeiro de tantas e todas as horas e Barbosa Horas da não menos correta Ernestina Barbosa Horas, a Da. Pequena. 
        A vida de retirante é um sobe e desce constante, que as águas do Rio São Francisco registram como boletim diário de uma vida, e as carrancas que por suas águas navegam, captam entre olhares ora ferozes ao desafiar mitos e lendas das margens do rio, e ora doces e amenos ao avistar nessas mesmas margens vidas ribeirinhas de nordestinos, fugindo das secas do agreste na ânsia de uma vida melhor, que o curso dessas águas pudessem levá-los como promessa.
       Foi assim que essa retirante ainda em vida uterina se viu obrigada ao desafio, e quis o destino que ainda em terras nordestinas já no sul da Bahia, nascesse naquele 05 de fevereiro de 1921, no distrito de Campo Formoso, município de Jacobina. O nordestino é mesmo um forte e como tal apegado a terra. Novamente as águas do São Francisco a levaram a pisar o chão da terra de seus pais e em Bodocó, no sertão noroeste de Pernambuco quase divisa com o Ceará, ela ensaiou seus primeiros passos e viveu até quase a adolescência.
       A seca é uma verdade, bem como o São Francisco, e entre a certeza e a dúvida do ruim e supostamente bom, novamente as águas do São Francisco a trouxeram definitivamente para a região sul e por estas terras aportou no ano de 1933 então com 12 anos de idade.
       São João da Saudade era um povoado se formando como muitos outros povoados e depois municípios, pela investida da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em cujo percurso trazia um rastro de trabalhadores que pelo caminho iam se acomodando e fincando raízes.
       Severina viu este município nascer desde o povoado até os dias atuais e fez desta terra o mote da sua vida: ser forte e apegada ao chão da terra como forma de resistência e de vida.
        São 77 anos aqui por estas terras e como diz um dos versos do poema Morte e Vida Severina – “é difícil defender só com palavras a vida...”, e essa Severina defendeu esta terra com sua determinação, seu coração e braço forte, sua ousadia, seu suor, sua lágrima, seu patriotismo e honra, predicados mais que suficientes para que uma história seja escrita. 
        Severina, quando da inauguração do Ginásio Estadual de Mirandópolis ali na Av. Dr. Raul da Cunha Bueno, foi a primeira servente a trabalhar na instituição. As salas, as carteiras, os banheiros, os corredores e páteo do Ginásio e posteriormente Colégio Estadual e Escola Normal Da. Noêmia Dias Perotti foram varridas e limpas por Da. Severina, durante árduos 33 anos. Diversos diretores, centenas de professores e milhares de alunos por ali passaram nesses anos todos e os homens que ontem e hoje governaram e governam esta cidade, os homens que detém o poder econômico e financeiro desta cidade, bem como aqueles que daqui saíram e brilharam e brilham nesta e em outras cidades nas suas respectivas profissões, pisaram aquele chão, sentaram naquelas carteiras, usaram aqueles banheiros e freqüentaram aquelas salas. E Severina chama-os carinhosamente de alunos, como um tributo e recompensa por ter acompanhado os passos escolares e contribuído de algum modo e ao seu modo, na formação moral, intelectual, familiar e social deles.
        E Severina escreve por todo o sempre o seu nome na história desta cidade.
       A cidade da vida de Severina Alves dos Santos, misto de baaina(como sempre a chamei) e pernambucana, de físico franzino, olhinhos tímidos puxados, como se oriental fosse, riso alegre, sorriso sincero e amigo, divertida, educada, filha, mãe, avó, bisavó exemplar. 
      E que Vida... Severina!!!

LANP/  ( Lupércio Ailton Nery Palhares)

Escrito em 16.05.07 e atualizado em 09/07/09.

3 comentários:

  1. OLá Kimie! Esta foto foi tirada em 04/09/2010 por ocasião do casamento da minha filha Flávia. Na foto está o casal Flávia e João Pedro(meu genro). Obrigado por postar a crônica e pelo belo preâmbulo. Gratidão eterna Kimie!!! Abçs.

    Lupércio Ailton

    ResponderExcluir
  2. Magníficas:
    Dona Severina, a crônica e o tributo.
    Parabéns a todos!

    ResponderExcluir
  3. Muito obrigada, Lupércio e Lissinho, meus novos amigos via Internet. Descobrir gente fantástica como vocês foi uma festa para mim. Mesmo não conhecendo pessoalmente, quando comungamos as mesmas ideias, o papo flui facilmente. E graças ao face, pude prestar essa pequena homenagem à querida dona Severina. Se ela morasse aqui a levaria para as tardes de Ciranda, numa chácara para reencontrar velhos amigos.

    ResponderExcluir