quarta-feira, 17 de julho de 2013

O pagador de promessas



          O Pagador de promessas
        
         Dentre os filmes brasileiros que ficaram famosos no mundo da arte, sem dúvida nenhuma, podemos eleger o Pagador de Promessas.
         Foi escrito por Dias Gomes e dirigido por Anselmo Duarte em 1962, isto é há exatamente 51 anos.

         O tema central é o Sincretismo Religioso, que é comum entre os brasileiros. Os nossos crentes seguem duas a três crenças religiosas, sem nenhum conflito. É estranho, mas há lógica para isso.
         Isso remonta à época do descobrimento com a população nativa adorando os deuses da Natureza: Tupã, deus do Trovão a quem temiam mais que tudo, Coaraci, o deus Sol, Jaci, a deusa Lua, Amanaci, a deusa da Chuva.  
         Os colonizadores europeus trouxeram suas crenças, seus temores num Deus único, representado por Cristo da Igreja de Roma.
          E vieram os africanos, com seu Candomblé, seus orixás, babalaôs, Iansã, Exu, Oxalá...
         E os orientais com a filosofia budista e alguns ensinamentos zens.
         Tudo isso virou uma cultura confusa, cheia de nós, que cada qual passou a adotar livremente. Mas, o mais comum entre a gente simples é a veneração a Nossa Senhora da Aparecida, Padroeira do Brasil, enquanto seguem outras seitas. Há quem cultive a Religião católica, frequentando missa e outras cerimônias e também participando de sessões de Centros Espíritas. Outros são católicos de carteirinha e frequentam terreiros de Candomblé.
         Mesmo os japoneses, que vieram do Japão, trouxeram já como tradição venerar o Deus do Xintoísmo, voltado mais para a Natureza, e o próprio Buda, Deus da Benevolência. E era costume possuir dois altares para esses deuses, que ainda são cultuados entre alguns remanescentes de imigrantes. Isto é sincretismo religioso oficializado e comumente aceito.
         Então, não é de se estranhar que, com tantas variações religiosas, o povo brasileiro acabasse misturando tudo e aceitando o sincretismo, absorvendo apenas as partes ou crenças que o deixassem confortável, em paz.
         Tenho amigas que veneram os santos orientais, e ao mesmo tempo acendem velas para a Senhora Aparecida, a quem dirigem suas preces e seus pedidos mais urgentes.
         Mas, voltando ao filme que ganhou Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1962, o enredo gira em torno de uma promessa. Zé do Burro prometeu a Santa Bárbara/Iansã, que carregaria uma cruz de madeira até a Igreja de Santa Bárbara, se curasse seu burro doente.
         Burro curado, Zé fez a cruz pesada de madeira e junto com Rosinha sua mulher andou sete léguas para pagar a promessa.
         Ao chegar a Salvador, diante da Igreja, ele se confronta com o padre da Igreja que não lhe permite pagar uma promessa feita em terreiro de Candomblé. E a peleja dura dias, com o Zé querendo entrar na igreja com a cruz e o padre obstinado, ameaçando de excomunhão o pobre diabo, que na sua simplicidade, não entende a intransigência do religioso.

         Os dias passam, a multidão curiosa começa a se avolumar nos arredores, chegam jornalistas, a polícia, os Superiores da Igreja para resolver a questão. E chega o dia da Lavagem da Escadaria da Igreja, que após a procissão de Santa Bárbara é feita à moda dos rituais africanos, com as mães de santos vestidas de branco, e jogando água perfumada nos degraus. (Por que então a Igreja/Padre permite isso, que não é um ritual cristão?)
         Se o padre tivesse um tico de tolerância, teria deixado o herói da história cumprir a promessa e tudo teria terminado sem incidentes. Mas... O padre era duro na queda e intransigente, convicto de estar defendendo a “sua” igreja.  E o Zé não queria faltar à promessa, então a peleja parece não ter fim.
         Após a procissão, com a Santa já dentro da Igreja, o Zé tenta acompanhar a multidão, mas é barrado e leva um tiro fatal. Então, os capoeiristas colocam o Zé morto sobre a cruz e ao som dos berimbaus, rompem as grossas portas da igreja e o levam para o interior dela.
         O filme foi muito bem elaborado, com o ator Leonardo Villar e a atriz Glória Menezes nos papéis de Zé e de Rosinha. Dionísio de Azevedo fez o padre. Era em preto e branco, mas o tema é tão atual, apesar de ser uma história contada há meio século. Há muita gente hoje que ainda age como o padre do filme.
         Às vezes, vislumbro alguns meninos no face book colocando mensagens discriminatórias contra outras religiões, contra homossexuais, contra os diferentes. Não entendo como essa gente moderna, que já leu de tudo, que conhece tantas filosofias e tantas teorias, consegue ficar confinado em suas crenças, sem nenhuma abertura para outras. Se Deus não aceitasse os homos, não os criaria. É como renegar um deficiente. Quem tem direito de fazê-lo?  Eles têm culpa de serem assim?

         Acredito de todo o coração que Deus é um só. Que todas as crenças voltadas para algo superior chegam até ele. E nenhuma religião é maior nem mais verdadeira que outras. Quem estabeleceu que esta é a mais verdadeira, que aquela não é de Deus foram os homens, pobres criaturas ignorantes, completamente falíveis.
         Assim como Deus povoou a Terra com criaturas diferentes, humanos de cores diversas, é natural que cada povo tenha descoberto seus caminhos de fé, de esperança, de libertação.
         E se todos aprendessem a respeitar as opções alheias, não haveria conflitos, brigas, discriminações e nem guerras.
         José Saramago me escreveu certa vez que, não acreditava na existência de Deus, mas que respeitava os que assim acreditavam.
        
         Mirandópolis, julho de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com



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