72 anos
Completei 72 anos!
De repente, percebi que envelheci de
fato. Antes fingia que estava envelhecendo. Mas, agora, finquei o pé na descida
dos idosos. E não tem mais volta.
O máximo que posso fazer é olhar para
trás e relembrar fatos e momentos que vivi, quando ainda podia correr, pular e
gargalhar. Na fase atual, tudo acontece devagarinho.
Andar devagarinho, falar devagar para
melhor articular as palavras e me fazer entender. Ouvir de novo, e de novo...
Ler de novo, de novo, de novo... Para entender... Estou bem lerda...
Nosso corpo é tal qual uma máquina.
Quando novinha em folha tem muita potência, e funciona a todo vapor. Com o uso
constante, as engrenagens ficam gastas, e começam a caquear, enroscar e acabam
travando o motor. E é preciso fazer revisões periódicas (no médico), para dar
uma engraxada aqui, minimizar uma dor ali, encaixar melhor as juntas... E isso
vai num crescendo até que, o motor comece a falhar dando umas patinadas, até
parar de vez. De vez em quando, os médicos fazem o coração pegar no tranco, mas
como máquina velha e sem potência, uma hora não responderá mais.
Por tudo isso, a gente tem que se
preparar para o momento supremo, que é o da abdicação à vida. O corpo físico
começa a avisar que, está chegando a hora. Mas, a gente ama viver e vai
insistindo, ignorando um sinal hoje, outro amanhã, até que tudo acabe parando.
Deixar esse mundo! Ninguém pensa nisso! Porque viver é muito bom! A vida é uma grande aventura. Cada dia, uma
surpresa! Cada dia, uma emoção! Mesmo os
dias tristes de Inverno trazem surpresas inesperadas. Um canto de passarinho,
uma borboleta amarela procurando mel, um grito de criança feliz, um telefonema
de alguém querido... É assim que a gente tem que pensar. Porque, mesmo que nada
aconteça, só de estar vivo já é uma graça de Deus. Tem uma canção japonesa que
diz que “Se souber que morrerá amanhã, verá
que os problemas de hoje não são nada”
E se a gente consegue locomover-se, indo
pra lá, pra cá mesmo com certa dificuldade, é preciso agradecer, porque ainda
se é livre, e não depende de ninguém.
E se a gente ainda enxerga, (mesmo
usando potentes óculos), ainda é uma bênção, porque dá para mirar as faces
queridas... De familiares e de amigos.
E se a gente ainda ouve, (mesmo com
algumas falhas), também é uma felicidade, porque dá para se comunicar com os
próximos e ainda ouvir uma boa música.
E se a gente consegue concatenar as
ideias e se fazer entender, é que o Alzheimer ainda não se instalou em nossa
cabeça. E dá para conviver com muita gente ainda. Até com os jovens.
Percebi com pesar que, mesmo que a gente
se empenhe em participar ativamente da vida, o corpo físico vai ficando
cansado, a ponto de não aguentar ficar muito tempo de pé. É por isso que, inventaram o atendimento
preferencial para os idosos e aposentados... Até um tempo atrás, não me
incomodava de esperar, de ficar em filas, mas agora sinto que realmente preciso
de atendimento especial. Eu me canso à toa... Peso dos anos... E também não
tenho aquele fôlego de andar rapidinho e nem vencer longas distâncias a pé...
Ultimamente tenho pensado muito nas
pessoas idosas, que circulavam pelas ruas da cidade todas as manhãs, e que
sumiram de vista. Com certeza, estão com problemas de locomoção, com dores nos
joelhos, nas juntas, ou dificuldades de localização. Sei que a minha vez não
está tão longe assim. Então, ando quase todos os dias, enquanto minhas pernas permitirem,
para ir de encontro à vida, fazendo uma comprinha aqui, olhando uma vitrine ali
e, principalmente encontrando os conhecidos e amigos. Não há nada mais
gratificante que reencontrar amigos de repente e, receber um carinhoso abraço.
Por tudo isso, tenho muito dó das
pessoas que ficam confinadas em suas casas, por impossibilidade de ir e vir. É
muito triste ficar só com os pensamentos, sem ver os amigos, sem ouvir uma voz
diferente para alegrar seus dias.
A solidão é uma triste companheira e não
faz bem a ninguém, principalmente a pessoas idosas...E com o advento da
tecnologia, a comunicação hoje está sem voz. Nós nos comunicamos por e-mails,
pelas redes sociais, através de mensagens escritas. Pouco se usa o telefone. E
os que mais precisam de contato para sair da solidão, não têm acesso a esses
meios de comunicação. Telefone calado. Nenhuma voz amiga, para dar um alô ao
solitário esquecido... É muito desolador.
Mas, não falemos só de tristezas. Ter
vivido sete décadas é uma bênção, que muitos não conseguiram. Até aqui, vim
caminhando normalmente, cuidando de mim e me comunicando bem ou mal com as
pessoas. Até aqui li os livros que quis, vi os filmes preferidos, apreciei
obras de artes, ouvi dezenas de lindas canções e conheci pessoas maravilhosas.
É certo que, conheci gente muito chata,
arrogante, que age como se fosse a dona
do mundo, mas essas pessoas não contam. São as desventuradas da vida, que terão
que tropeçar muitas e muitas vezes, para aprender a respeitar os outros.
Além do mais, ainda devo agradecer a
Deus por ter vivido uma época de transformações, onde tudo que era feito
manualmente passou a ser automático. E tudo ficou mais fácil de executar. Tive a
oportunidade de experimentar o trabalho duro feito no muque, como lavar roupas
manualmente e, conhecer as facilidades proporcionadas pela tecnologia.
E mais que tudo o ter vivido uma época
em que mulheres estudam, trabalham e dão conta de suas vidas, sem depender do
sexo forte. Tudo isso foi um privilégio.Sou muito
grata a Deus.
Mirandópolis,
abril de 2014.
kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Idade que a gente só olha para trás, só lembranças do que deixou de fazer coisas bem e mal feitas. Isso é normal, mas a idade é implacável para todos sem exceção. Importante é viver bem e ter amigos, muitos amigos. Lindo o texto, parabéns e sempre admiro você Kimie pelo que escreve e que passa aos seus leitores. Continue sempre com essa galhardia!. Do amigo Dinho.
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