quarta-feira, 23 de abril de 2014



                                               72 anos
      Completei 72 anos!
       De repente, percebi que envelheci de fato. Antes fingia que estava envelhecendo. Mas, agora, finquei o pé na descida dos idosos. E não tem mais volta.
       O máximo que posso fazer é olhar para trás e relembrar fatos e momentos que vivi, quando ainda podia correr, pular e gargalhar. Na fase atual, tudo acontece devagarinho.
    Andar devagarinho, falar devagar para melhor articular as palavras e me fazer entender. Ouvir de novo, e de novo... Ler de novo, de novo, de novo... Para entender... Estou bem lerda...
      Nosso corpo é tal qual uma máquina. Quando novinha em folha tem muita potência, e funciona a todo vapor. Com o uso constante, as engrenagens ficam gastas, e começam a caquear, enroscar e acabam travando o motor. E é preciso fazer revisões periódicas (no médico), para dar uma engraxada aqui, minimizar uma dor ali, encaixar melhor as juntas... E isso vai num crescendo até que, o motor comece a falhar dando umas patinadas, até parar de vez. De vez em quando, os médicos fazem o coração pegar no tranco, mas como máquina velha e sem potência, uma hora não responderá mais.
    Por tudo isso, a gente tem que se preparar para o momento supremo, que é o da abdicação à vida. O corpo físico começa a avisar que, está chegando a hora. Mas, a gente ama viver e vai insistindo, ignorando um sinal hoje, outro amanhã, até que tudo acabe parando.
     Deixar esse mundo!  Ninguém pensa nisso!  Porque viver é muito bom!  A vida é uma grande aventura. Cada dia, uma surpresa! Cada dia, uma emoção!  Mesmo os dias tristes de Inverno trazem surpresas inesperadas. Um canto de passarinho, uma borboleta amarela procurando mel, um grito de criança feliz, um telefonema de alguém querido... É assim que a gente tem que pensar. Porque, mesmo que nada aconteça, só de estar vivo já é uma graça de Deus. Tem uma canção japonesa que diz que “Se souber que  morrerá amanhã, verá que os problemas de hoje não são nada”
      E se a gente consegue locomover-se, indo pra lá, pra cá mesmo com certa dificuldade, é preciso agradecer, porque ainda se é livre, e não depende de ninguém.
    E se a gente ainda enxerga, (mesmo usando potentes óculos), ainda é uma bênção, porque dá para mirar as faces queridas... De familiares e de amigos.
      E se a gente ainda ouve, (mesmo com algumas falhas), também é uma felicidade, porque dá para se comunicar com os próximos e ainda ouvir uma boa música.
      E se a gente consegue concatenar as ideias e se fazer entender, é que o Alzheimer ainda não se instalou em nossa cabeça. E dá para conviver com muita gente ainda. Até com os jovens.
    Percebi com pesar que, mesmo que a gente se empenhe em participar ativamente da vida, o corpo físico vai ficando cansado, a ponto de não aguentar ficar muito tempo de pé.  É por isso que, inventaram o atendimento preferencial para os idosos e aposentados...      Até um tempo atrás, não me incomodava de esperar, de ficar em filas, mas agora sinto que realmente preciso de atendimento especial. Eu me canso à toa... Peso dos anos... E também não tenho aquele fôlego de andar rapidinho e nem vencer longas distâncias a pé...
  Ultimamente tenho pensado muito nas pessoas idosas, que circulavam pelas ruas da cidade todas as manhãs, e que sumiram de vista. Com certeza, estão com problemas de locomoção, com dores nos joelhos, nas juntas, ou dificuldades de localização. Sei que a minha vez não está tão longe assim. Então, ando quase todos os dias, enquanto minhas pernas permitirem, para ir de encontro à vida, fazendo uma comprinha aqui, olhando uma vitrine ali e, principalmente encontrando os conhecidos e amigos. Não há nada mais gratificante que reencontrar amigos de repente e, receber um carinhoso abraço.
      Por tudo isso, tenho muito dó das pessoas que ficam confinadas em suas casas, por impossibilidade de ir e vir. É muito triste ficar só com os pensamentos, sem ver os amigos, sem ouvir uma voz diferente para alegrar seus dias.
    A solidão é uma triste companheira e não faz bem a ninguém, principalmente a pessoas idosas...E com o advento da tecnologia, a comunicação hoje está sem voz. Nós nos comunicamos por e-mails, pelas redes sociais, através de mensagens escritas. Pouco se usa o telefone. E os que mais precisam de contato para sair da solidão, não têm acesso a esses meios de comunicação. Telefone calado. Nenhuma voz amiga, para dar um alô ao solitário esquecido... É muito desolador.
     Mas, não falemos só de tristezas. Ter vivido sete décadas é uma bênção, que muitos não conseguiram. Até aqui, vim caminhando normalmente, cuidando de mim e me comunicando bem ou mal com as pessoas. Até aqui li os livros que quis, vi os filmes preferidos, apreciei obras de artes, ouvi dezenas de lindas canções e conheci pessoas maravilhosas.
      É certo que, conheci gente muito chata, arrogante, que  age como se fosse a dona do mundo, mas essas pessoas não contam. São as desventuradas da vida, que terão que tropeçar muitas e muitas vezes, para aprender a respeitar os outros.
      Além do mais, ainda devo agradecer a Deus por ter vivido uma época de transformações, onde tudo que era feito manualmente passou a ser automático. E tudo ficou mais fácil de executar. Tive a oportunidade de experimentar o trabalho duro feito no muque, como lavar roupas manualmente e, conhecer as facilidades proporcionadas pela tecnologia.
      E mais que tudo o ter vivido uma época em que mulheres estudam, trabalham e dão conta de suas vidas, sem depender do sexo forte.               Tudo isso foi um privilégio.Sou muito grata a Deus.
       
    Mirandópolis, abril de 2014.






        

Um comentário:

  1. Idade que a gente só olha para trás, só lembranças do que deixou de fazer coisas bem e mal feitas. Isso é normal, mas a idade é implacável para todos sem exceção. Importante é viver bem e ter amigos, muitos amigos. Lindo o texto, parabéns e sempre admiro você Kimie pelo que escreve e que passa aos seus leitores. Continue sempre com essa galhardia!. Do amigo Dinho.

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