terça-feira, 1 de abril de 2014



                          Velhas Casas Velhas

    Há uns dias, postei as fotos do antigo Clube Nipo, que está desmoronando, e um amigo me pediu que escrevesse sobre ele.  Só que não conheço sua história e não tenho o direito de versar sobre esse clube. Mas, me chocou ao ver as condições atuais de uma construção, que serviu para realizar tantas festas e tantos treinos de judô. 
    Apenas postei as fotos porque bateu uma tristeza ao ver aquelas imagens, e quis compartilhar com os amigos. Acredito sinceramente que, deve haver uma razão muito forte para esse abandono, porque a Associação Nipo de Mirandópolis é muito ativa e não abandonaria o velho casarão, se não houvesse motivos fortes para tal.

    Os amigos do face book, comentaram que fizeram aulas de judô lá, e relembraram com saudades daqueles tempos em que vinha um Sensei, para ministrar tais aulas.  Comentaram sobre o baseball que era praticado no campo de terra, e das aulas de Educação Física ministradas pelos Professores do Ginásio Estadual, além dos treinos de basquete e vôlei. Outros citaram as festas de casamento celebradas lá no clube, alguém até se lembrou do casamento do saudoso Yoshiharu Ogasawara com a Glória.
    Certa vez, escrevi sobre uma casa que está há muito tempo fechada e desmoronando. O que me incomodava eram os pés de carrapicho que se multiplicavam na calçada, atrapalhando a circulação dos pedestres... Pois, alguém não gostou e, me disse os maiores impropérios que se possa imaginar... Deixar a calçada dos pedestres virar um carrapichal?  Ninguém merece!
    Sei que deve haver mil razões para se abandonar uma casa velha. Questões de herança, de partilha, de acordos desacordados, de Justiça, de recursos pendentes, de impostos não pagos...  Mas, um dia, tem que ser solucionado...
  Toda vez que, passo diante de uma velha casa abandonada, fico imaginando quem teria morado nela, se houve risos de crianças, mães cuidadosas estendendo roupas no varal, avós ninando netos, irmãos se digladiando, meninas brincando de bonecas, pais chegando cansados do trabalho... Se alguém ouvia músicas no pequeno radinho, se alguém cantava quando estava feliz, se houve choros, desavenças, reconciliações, abraços, alegria, festas...
  As casas abrigam além das famílias, seus sonhos, suas esperanças, seus conflitos, seus combates, suas pelejas de uma vida toda. E enquanto as pessoas lá moram, as paredes ficam firmes, os telhados se mantêm, os vidros não racham, os soalhos se conservam, o portão funciona.
   Mas, quando as famílias as deixam e ninguém vem ocupar seu lugar, as casas vão morrendo aos poucos, não sei por que razão. Toda casa desocupada pouco a pouco vai desmoronando. Parece que elas se mantêm com a força da vitalidade das pessoas, que ocupam o espaço.
   Eu e minha família moramos num sítio, lá perto de Tabajara por aproximadamente trinta e sete anos. Inicialmente, era uma casa de tábuas, que foi substituída por  outra de tijolos. Esse lugar, que tinha amoreiras, jabuticabeiras, mangueiras, abacateiros, cajueiros, laranjeiras, bananeiras e três imensos bambuzais era a minha pátria, meu refúgio, para onde ia mesmo depois de casada, porque ali eu sonhara os meus melhores sonhos de adolescente. Depois que o lugar deixou de ser da família, fiquei durante anos sem visitá-lo. Anos mais tarde, movidos pelas saudades, junto com alguns familiares fomos rever o lugar. Desolação total... O lugar se transformara em pastagem de gado nelore. O velho poço que nos fornecera água fresca e saborosa durante décadas, fora enterrado.
    Os barracões foram demolidos, e a casa se transformara em abrigo de animais. E morada de morcegos... Não era mais uma residência. Era um curral.
     Para doer menos, fomos ao quintal para ver as árvores frutíferas, que meus pais haviam plantado. Não havia mais limão galego, nem tangerina, nem mexerica, nem laranja baiana, nem bananeiras, nem abacateiros, e nem jabuticabeiras. Muito triste.  Restaram o velho pé de manga coração de boi, um bambuzal apenas, e o velhíssimo pé de guaivira, que fornecera tantos cabos de enxada e machado para as lidas da roça.
    Da tulha e do terreiro de café só havia alguns vestígios... Foi tão triste o retorno que, nos reunimos junto ao velho bambuzal e de mãos dadas, formando uma roda fizemos uma oração por todos, que lá moraram e já partiram... A última imagem que ficou em minha memória, foi de uma vaca com a cabeça pra fora da janela mugindo, chamando seu bezerro... “Estranhos no ninho, invasores” foi o que pensei ao ver os animais lá.
   Sempre achei que a casa que nos acolheu em nossa infância seria sagrada para todos. Mas, nem todos pensam assim. Desfazem-se de suas casas, como se trocassem de roupas... Outros tempos, outros sentimentos.
   As casas guardam lembranças, momentos vividos que nunca mais se repetirão, guardam os risos, os choros, as alegrias de festas de aniversários, os cheiros de comida gostosa que as mães fizeram no capricho.
   Guardam as lembranças de festas, de visitas interessantes, de momentos de paz vivenciados com a família comendo um bolo e, tomando um cafezinho.  Guardam as vozes de todos que por lá passaram, dos vizinhos, do leiteiro, do sorveteiro com seu apito, do guarda noturno, do carteiro... E acima de tudo, a voz dos pais...
     Como um lugar desses pode ser esquecido?

        Mirandópolis, fevereiro de 2014.
        kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


        

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