terça-feira, 8 de abril de 2014

           Cultivar Flores e polir a alma
    
      Uma das paixões de minha vida é cultivar flores.
    Não importa se é uma flor nobre, cultivada em jardins famosos, ou se é uma flor caipira sem nome, que nasce em qualquer greta do chão ou da calçada, onde caiu a semente.    
    Gosto e aprecio muito enterrar os grãozinhos, e ver os brotinhos erguendo o topete, para se transformarem em novas plantinhas. E isso ocorre devagarinho, conforme vão recebendo luz do sol e água...
      E diariamente, como se fosse um ritual, espio as novatas, para ver seu crescimento. E retiro os inimigos que estão sempre à espreita, para devorá-las. E as replanto em vasos, e as adubo com carinho, para que cresçam fortes, e deem belas flores. E é uma alegria, quando começam a despontar os primeiros botões.
      A essa altura, a minha felicidade é tanta que, gosto de expor as plantas floridas, junto da grade de minha casa, para os passantes também as apreciarem.  Então, sempre coloco uns vasinhos à vista, para dar um pouco de alegria às pessoas apressadas, que passam pela calçada, preocupadas com seus problemas... Penso que ver algo belo da natureza, num momento de aflição, ajuda a esquecer por instantes, os tormentos da alma... .
     Então, um vaso cheio de flores coloridas é sempre um refrigério para a alma. Penso que é uma bênção. De Deus.
      Mas nem todos pensam assim.
      Hoje tive a decepção de ver arrancada e furtada uma plantinha coberta de flores roxas, tão lindas... Tristeza...
      A pessoa que a furtou não vivenciou nada para possuir a planta. Não a plantou, não a regou com carinho, não afofou a terra, não a adubou, não combateu as pragas, não endireitou os talos, não a colocou umas horas ao sol, não a protegeu do vento e do frio, não observou seu desenvolvimento, não viu os primeiros botões despontando, não testemunhou a primeira flor se abrindo para a luz do dia... Mas a arrancou e levou embora.
 
    Assim, grosseiramente, sem nenhuma consideração. .
      Furtou-a de minha vista e de todos. Como se tivesse o direito de fazê-lo. Como se tomar posse de algo alheio fosse natural. 
      E como tinha consciência da ação ilícita, fê-lo furtivamente, às escondidas.
Não lhe tenho raiva, porém. Tenho-lhe muita pena. Tenho pena porque ela deve ter inveja, muita inveja das coisas belas, que pertencem a outros.
      E por ser incapaz de cultivar uma plantinha que seja, precisa surrupiar de outros. Acho que é uma pobre criatura, para quem roubar as coisas alheias é o máximo de felicidade.
      Acho também que deve ser amoral, pois se não é capaz de respeitar a propriedade alheia, não deve respeitar direitos de ninguém também.  E acredito que, se é capaz de surrupiar objetos alheios como flores, deve ser capaz também de outras atitudes ilegais.
      Porque é tão simples pedir, sem precisar roubar.
      Mas, acostumada em praticar atos ilegais, não tem a sensibilidade de pensar na decepção, que é capaz de provocar aos outros. Conheço amigos que têm essa mania, de não resistir às coisas belas que vêm. De um jeito ou de outro, eles querem ter a posse do objeto, mesmo que não esteja à venda. E aí acabam cometendo pequenos furtos.
     Se não forem barrados no início, acabará virando mania, ou cleptomania, que tanto transtorno causa aos familiares...
     Quando eu era criança de uns sete anos de idade, vi uma régua transparente de vidro, que me deixou fascinada... Naquela época, ninguém possuía réguas desse material, e nem de plástico, pois era tudo de madeira.
     Peguei a régua na mão, alisei-a, e senti forte tentação de surrupiá-la, porque era muito bonita, e mais que tudo, era uma novidade.  O objeto do desejo estava na casa de uns vizinhos. E não havia ninguém à vista.
     Mas... Mesmo querendo de qualquer jeito pegar a régua, fui tomada de medo do meu pai, que era rigorosíssimo quanto a essas atitudes.
     Ele não admitia que se pegasse objetos dos outros, mesmo que fosse por brincadeira.
       Na minha ideia de criança, veio a imagem de papai pedindo explicações sobre a régua...
     E deixei-a, onde estava.

     Com muita pena, mas deixei...
     Quanto a desejei!...
     E nunca confessei isso aos meus pais, nem aos irmãos...
     E jamais esqueci esse momento de tentação de afanar um objeto alheio.
E agradeço à educação rígida que papai nos impôs, para nunca envergonhar a família. E sempre que ouço sobre larápios, cleptomaníacos ou ladrões mesmo, fico pensando que tudo teve um começo como a situação que vivi.
     E mesmo sendo uma criança pequena ainda, já sabia discernir o que era certo ou errado.  Como poderia justificar o ato diante de papai, que não admitia mentiras?
     E a verdade ensinada por papai foi tão forte, que mesmo passado mais de meio século, ainda ressoa em minha alma, como lição gravada a fogo na minha formação. E desperta a lembrança com as ocorrências tão corriqueiras, como a que vivenciei hoje.
     Roubar flores...
     Alguém pensa que pode roubar a beleza de uma linda flor, surrupiando sorrateiramente um vaso de flores, uma muda... Mas, ledo engano!
     Ela nunca saberá da felicidade de semear, cuidar da brotação, de regar com delicadeza, para não machucar as folhas tenras, de afofar a terra, para as raízes se desenvolverem livres, de ver o crescimento da planta, correspondendo aos cuidados dispensados... Ela poderá ter a posse do objeto, mas de um objeto que não conhece...
     Porque o melhor de cultivar flores está no processo de cuidar, acompanhando cada passo, participando da evolução...
     É tal qual a alegria de se organizar uma festa. Cuidar dos detalhes, selecionar e preparar o cardápio, a decoração, a música, reunir as pessoas e dividir tarefas... Existe algo mais contagiante?
     Mas essa linguagem só poderá ser entendida e compartilhada, por quem sabe dar valor aos sentimentos, mais que aos objetos materiais.
     E hoje em dia, muito pouca gente sabe cultivar a linguagem da alma.
     Então, furtam-se flores.
     E outras coisas mais...

     Mirandópolis, 25 de janeiro de 2012.
    
      kimie oku


Nenhum comentário:

Postar um comentário