terça-feira, 20 de maio de 2014

        Mater dolor
     
       Todos festejam as mães.
      Acho que não existe quem não tenha um pouquinho de consideração pela sua genitora. E no seu dia, a gente percebe o frisson que toma conta das pessoas, para escolher uma lembrancinha para elas.
      Tá certo, o comércio é que lucra com isso; quando os filhos não se lembram da mãe, é justo que tenham estabelecido um dia só pra elas.
      A maioria das mães que conheço tem uma vida normal, de lutas, de pelejas para cuidar, criar e educar seus filhos. Assim foi comigo também, que já sou avó.
      Entretanto, ao longo dos meus setenta anos de vivência, topei com tantas mães sofredoras, que mereceriam coroas de louros por terem levado ou, estarem levando uma existência tão penosa.
      Conheci a dona Maria de Amandaba, que ficou viúva com seis filhos pequenos e mais um na barriga. Depois do funeral de seu marido, que morrera repentinamente, o patrão jogou sua mudança no terreiro, despejando-a da fazenda, por não ter mais serventia. Felizmente, um amigo nosso muito caridoso arrumou uma tulha, para abrigar a pobre família. E aí, para sobreviver, dona Maria foi cozinheira, lavadeira, arrumadeira, pau para toda obra. Mas, como os moradores do bairro eram muito pobres, nunca recebia o suficiente para alimentar os filhos.
      Quando o fazendeiro que cedeu a tulha para ela morar se tornou Prefeito, atendendo à solicitação dos professores do Grupo Escolar de Amandaba, ela foi nomeada Merendeira da Escola. E então, ela conseguiu criar os filhos com mais tranquilidade.
      Os meninos cresceram, enfrentaram a roça, e ajudaram a mãe no orçamento da casa.  Acontece, porém que além de tudo dona Maria tinha uma filha deficiente, vítima de meningite, que a tornara incapaz mentalmente e com dificuldades para andar. Essa era a sua preocupação maior.
      Quando os filhos foram se casando ou saindo de casa para trabalhar, dona Maria aposentou-se com salário reduzido, para cuidar da moça Ivanilde. Como havia uma ajuda da Assistência Social do Governo para pessoas incapazes, ela tentou obter essa ajuda para a menina, que não podia trabalhar, mas precisava de muitos cuidados médicos e remédios. Entretanto, o médico do Hospital local negou essa ajuda. Dona Maria levou uma vida dura, sem nenhum conforto. A menina frequentou a APAE por uns tempos, mas acabou desistindo, porque não houve progressos...
      E assim foi que, a Ivanilde viveu mais de quatro décadas e acabou falecendo e daí dois anos, a dona Maria também partiu. Sempre que penso nela, fico matutando a razão dela ter vindo ao mundo – não teve alegrias, só trabalho, só tristezas, só desespero... Duro destino. A vida foi extremamente injusta com ela.
      Outra que também sofreu muito foi a Maria Preta. Morava ao lado da Escola Ebe Aurora, numa taperinha alugada. Tinha uma penca de filhos e um marido, que vivia bêbado. Eu me lembro que numa manhã gelada, em que todos foram à escola encapotados, ela estava  tentando aquecer seu filho menor ao sol. O bebê estava só de camiseta, sem fraldas, com a bundinha de fora... Mais que depressa voltei para casa e lhe levei algumas peças de roupas e cobertas. Dentre os filhos havia uma menina deficiente e surda, que frequentava APAE. A situação de dona Maria era tão desesperadora que, um grupo de pessoas se cotizou sob a coordenação de dona Antiniska, e construiu uma tapera para ela e seus filhos. Por uns tempos perdi o contato, porque fui trabalhar fora. Mais tarde descobri que os filhos haviam se perdido nos descaminhos da vida e, dois deles foram presos.  Transporte de drogas... E a Maria Preta viveu os últimos anos chorando e lamentando a sorte desses filhos... No final, ficou muito doente, vindo a falecer. Quando penso nela, vem a imagem de uma mulher preta, de porte altivo, com uma roda de pano branco no alto do cocuruto, onde carregava tudo. Vivia sorrindo... Sem os incisivos superiores... Essa mulher também não teve gosto em viver. Seus dias foram um rosário de tristeza...
      Outra que me vem à memória é a dona Palmira, uma mulherzinha pequenina, que mora numa casa que parece de bonecas. Criou sete filhos no maior sofrimento, porque o marido também se perdeu para o vício da bebida. Certa vez, me contou que fazia café com sementes de fedegoso torrado, e socado no pilão... Porque não tinha dinheiro para comprar café... Agora que os filhos estão todos criados, o corpo maltratado pelos longos anos de carência alimentar está fraco e, volta e meia quebra as pernas. Só anda com o auxílio de andador. Vida triste e sofrida.
      Dona Onofra é outra da minha lista de heroínas. Criou cinco filhos também sozinha, porque o esposo faleceu repentinamente, quando todos eram crianças ainda. Essa mulher cortou cana, lavou roupas, foi empregada doméstica e deu duro para encaminhar os filhos. Desde pequeninos ela os encaminhou ao trabalho, premida pelas necessidades de aumentar o orçamento, para comprar o arroz e o feijão de cada dia. Ela venceu as batalhas da vida, mas está sem saúde e sente muitas dores no corpo cansado de tanto pelejar. Dureza...
      Ainda conheci a Adélia que perdeu o filho recentemente, vítima de AIDS.  Por mais que procurasse, não achei palavras de conforto para essa mulher que tanto batalhou pelo filho, renunciando aos prazeres mínimos, para encaminhá-lo na vida. Agora, já idosa, quando poderia descansar e usufruir um pouquinho a alegria de viver, o filho que era sua razão de viver partiu, deixando-a sozinha com uma tristeza sem fim.  Por quê?
      Também conheço mães desoladas com os tristes destinos de filhos, que se perderam no caminho das drogas. Filhos que eram o orgulho dessas mães, vivem sabe Deus onde e como, sem dar notícias e esquecidos de tudo e de todos...
      Recentemente, estive de passagem na região da Cracolândia lá no centro de São Paulo. Eram mais ou menos vinte e duas horas. E vi os nóias... Espalhados pelas calçadas, em cima do capô dos carros, aos montes... Parecia montagem de um de um filme de efeitos especiais, mas era real. As pessoas eram de verdade, não eram atores, não estavam interpretando nada, estavam ali curtindo as loucuras provocadas pelas drogas consumidas. Completamente alienados do que acontecia ao redor.
      Vendo esses nóias (redução de paranoias), pensei nas mães desses jovens perdidos, que rezam dia e noite pela volta dos filhos perdidos. E percebi que infelizmente, eles não voltarão, pois já nem vivem mais, não possuem nem vontade própria, envenenados completamente pelas porcarias que consomem dia e noite... Até morrer... Ser mãe para perder o filho para umas substâncias... Dá para explicar?
      Ser mãe nessas circunstâncias não é mole, não! Acredito que elas devem passar a vida se perguntando onde falharam, onde perderam os filhos, e como poderão resgatá-los... Acredito que, algumas diriam como certa mãe de adolescentes, que brigavam noite e dia, me disse um dia: “Queria engoli-los de volta, para parar com esse tormento...” Tem hora que a coisa pesa mesmo!
       Enfim, não é mole ser mãe!
      Mas, a maior realização de uma mulher está na maternidade. Como realizar esse sonho sem o ônus do sofrimento?

      Mirandópolis, maio de 2014.
      kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



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