sexta-feira, 30 de maio de 2014


              Desgostar de futebol
      
       A unanimidade do povo brasileiro sempre foi o futebol.
    Independente de cor, raça, religião, sexo, ocupação, condição social, todos os brasileiros possuem um time para torcer. E quando estão nos estádios assistindo aos jogos e torcendo pelos times, eles se irmanam numa confraternização muito bonita, sem fronteiras. O futebol é o elo.
   E quando seus times se consagram em campeonatos, torcedores que saem às ruas para comemorar são os mais variados, e dá para perceber essa ligação que é feita apenas pela paixão ao time. É muito bonito de se ver.
   E por muitas décadas, o futebol serviu de consolo aos brasileiros, porque somos muito pobres, país de Terceiro Mundo, mas o nosso futebol é imbatível.  Tivemos jogadores que ficaram famosos, como o Garrincha, o Rei Pelé, o Zico, o Romário, o Ronaldinho Fenômeno; temos o Ronaldinho Gaúcho, o Neymar, e tantos outros que puseram o país em destaque centenas de vezes... Somos os únicos Pentacampeões do mundo. Esse foi o nosso maior orgulho até hoje, juntamente com Ayrton Senna.
    O mundo inteiro podia se vangloriar de seus feitos em Ginástica, em Cinema, em Artes, em diversas modalidades de feitos humanos, mas a glória do futebol foi sempre nossa, e nos enchia de muito orgulho.
     O futebol era o nosso tesouro intocável, que fazia a alegria de todo o povo. O consolo maior.
     E de repente, o futebol se transformou em arma contra o povo.
      Como?
      Construindo estádios superluxuosos que parecem moradas de deuses, em detrimento de escolas e hospitais...  Enquanto levantavam as arenas dos jogos, os hospitais e escolas do Brasil ficaram ao Deus dará. Doentes morrendo nas filas de espera, tratamentos e cirurgias urgentes adiados por falta de materiais e remédios... Violência reinando nas Escolas, professores sendo massacrados pelos baixos salários e por alunos rebeldes...
     E de repente, o povo percebeu que a origem de todas as misérias atuais estava na Copa do Mundo. Copa do Mundo, que já foi a maior alegria da gente brasileira.
     Ora, quem é que se levanta de madrugada e enfrenta o batente todos os dias para fazer esse país funcionar?
    Esse trabalhador vive mal, em casinhas apertadas, quentes e mal localizadas.
      Ele come mal porque não consegue pagar $10,00 por um quilo de tomate, $5,00 por um quilo da banana, $ 15,00 por um quilo de carne...
     Ele mal e mal frequenta a Escola pública, que está ao Deus dará. Quando com muito custo consegue terminar o segundo grau, interrompe os estudos porque precisa trabalhar. Porque comer é preciso. Porque viver é preciso.
     Mas, é ele que segura o rojão do país, fazendo as coisas funcionarem direitinho. É ele que garante a produção de tudo, desde os alimentos, materiais escolares, remédios, vestimentas, carros, prédios, apartamentos...
      Vivendo na corda bamba, reclamando sim, dos baixos salários, mas cumprindo com seus deveres e agindo corretamente para a casa não cair, para a fábrica não fechar, para não faltar o arroz e o feijão no prato, para o comércio funcionar, para os remédios sanarem dores, para o povo ser feliz.
      E esse cidadão que dá o sangue pela pátria todos os dias foi traído. Traído vergonhosamente pelos cartolas que governam o país, pelos cartolas que controlam eventos da Copa do Mundo, pelos Representantes do Povo, que deram banana para ele. E estragaram a maior festa que o Brasil esperava. Como? Desviando a verba destinada à melhoria de condições de vida dos cidadãos, para empregarem-na nos fabulosos estádios.
     E a coisa rodou e está rodando. Falta tudo nos hospitais, as filas de doentes só aumentando, sem leitos para acomodá-los, remédios desapareceram, não há equipamentos para exames, nem profissionais para atendimento.
     E o cidadão brasileiro que era e sempre foi apaixonado pelo futebol está com um travo amargo na boca. Hoje não sabe se torce ou amaldiçoa a Seleção Brasileira. Conseguiram estragar esse gosto do povo.
      E tudo por quê?
      Porque priorizaram a Copa do Mundo.
   Tal qual uma pobre senhora de classe média que, ao realizar o casamento de seu primogênito, deseja chegar aos píncaros da glória, organizando uma festa de socialite. E faz um grande empréstimo, e exagera nos convites, porque tem que ser perfeito, e exagera nos trajes, e exagera na decoração, na recepção que vai pela madrugada afora, até o café da manhã com os petiscos encomendados no mais caro buffet... E exagera convidando gente que nem conhece direito, mas tem status... E se sente a própria Rainha de Sabá dando uma festa aos Reis...
     Mas, quando a festa acaba, os fornecedores têm que ser pagos. E aí, a casa cai. E aí, os desentendimentos com o marido, com o gerente do Banco, com o fornecedor das flores, com o fotógrafo, com o  buffet... E sobra até para os pais da noiva, que nunca pediram festa de tal monta.  E aí a relação já começa deteriorada.  É uma guerra.
     E quando após meses e meses de sofrimento, conseguem liquidar as contas, os noivos que já se desencantaram com as brigas, contas, com os bate bocas, as acusações...  acabam se separando. Perceberam que nada era um conto de fadas... Tudo não passou de uma ilusão... Pobres figurinos guindados para serem fantoches de uma mãe idiota.
     Quando a Copa passar, quem sobreviverá? Quem pagará os estragos? Quem acabará se divorciando?
      Como será o Brasil daqui a dois meses?
      Quem viver verá!
      
       Mirandópolis, maio de 2014.
       kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


     Correção: "Somos os únicos pentacampeões do mundo"                     E não tetracampeões como havia redigido. kimie


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