quarta-feira, 8 de novembro de 2017

        Os jovens, os velhos...

     Já estou na fase que muita atitude minha pode ser relevada devido à idade. Tenho 75 anos e meio, e sou o que consideram uma pessoa idosa, graças a todas as décadas que vivi.
Mas, como vivi numa fase em que tudo era proibido, tudo era pecado, tudo era atentado ao pudor, passei todos os anos de minha vida me policiando para errar o menos possível. E não foi nada fácil. É verdade que cometi meus pecados e falei bobagens como todo mundo fez um dia, mas foi por ignorância pura mesmo. Na verdade, vivi minha juventude como uma pessoa idosa, sempre cuidando para não cair na boca do povo...
Quem viveu nos anos 60/70 viveu amarrado por regras duras e rígidas estabelecidas pela Igreja, pela sociedade, pelas comadres, pelos parentes, pela vizinhança... E não era fácil escapar da língua dessa gente, que tudo condenava como pecado, como escândalo. Quem se rebelava, ou se destacava afrontando essas regras era considerado um fora da lei, uma vagabunda, uma pecadora...
Então, todo mundo andava numa corda bamba, cuidando para não cair, procurando se equilibrar de alguma forma, mesmo carregando mágoas sem fim no coração. Aos meninos já as coisas eram diferentes.  A permissividade era mais aberta e eles abusavam. De qualquer forma eram homens e tudo era mais liberal para eles. Mesmo assim, os pecados deles eram pequenos e inocentes, se compararmos com os de hoje...
Estive pensando nessas regras, nesse controle que a sociedade exerce sobre os mais jovens. A intenção é sempre para que eles errem menos e andem em linha reta, mas quem nunca teve vontade de se desviar dos caminhos estabelecidos e procurar atalhos? Quem ousava, tinha que enfrentar uns cascudos, uns castigos, uma punição mais ou menos dolorosa e humilhante.
A Escola era o Juizado da molecada. Tudo era errado, feio, condenável. E os alunos pobrezinhos tinham que ficar de joelhos sobre grãos de milho, por horas (Nunca fiquei, mas devia doer muito, pois não?) E havia as varadas nas pernas para exemplificar; muitas vezes o inocente nem sabia porque estava sendo castigado. Porque os alunos deveriam ficar como robôs sentadinhos nas carteiras, sem se mexer, sem levantar dali e sem falar com os colegas. Era um regime militar mesmo. Ora, cada criança vinha de um lar onde nem sempre imperavam as boas maneiras, e não sabia como se comportar numa sala de aula. E justamente aí é que aprendiam a se comportar de forma mais civilizada, menos estúpida. E era costume da época, os pais ameaçarem seus filhos levados da breca: “Você vai ver, quando entrar na escola, a professora irá te castigar!” Isso provava a incompetência dos pais que não sabiam educar seus rebentos, e essas palavras eram o atestado de sua total incapacidade e ignorância.
De lá pra cá muita coisa mudou. Os pais relaxaram na educação de seus filhos, relegando essa tarefa à escola. Nesse aspecto, os pais estão totalmente enganados, pois é obrigação da família educar seus filhos; e os professores só irão aprimorar a educação, oferecendo-lhes conhecimentos que facilitarão a sua vida.
Quando eu fui professora, também era muito ignorante. E os alunos muito mais... Naqueles tempos bravios, as famílias tinham de seis a dez filhos e a labuta dos pais era tão contínua, que não sobrava tempo nem para conversar e orientar as crianças... A educação se fazia com os pequenos copiando as atitudes dos maiores, e dava bons resultados se estes andavam na linha. Não havia os meios de comunicação de hoje que falam sobre problemas psicológicos, depressão e outros males, que todos nós também  superamos  nas pelejas de cada dia, sem a ajuda de ninguém.
Hoje os costumes estão tão avançados que vi aqui mesmo no face, umas postagens orientando os jovens a não cederem lugares para os idosos em metrôs, trens e ônibus... Justificativa: Os idosos têm que superar essas dificuldades para ficarem mais fortes... Isso me deixou atarantada! Tenho 75 anos e sou mais ou menos forte e resistente, porque caminho e faço ginástica todos os dias, mas sinceramente não conseguiria viajar de pé num metrô ou trem lotado. Mesmo os metrôs e trens modernos dão uns solavancos ou freadas, que desequilibram até os mais jovens e fortes.  Eu não entendo de onde partiu essa orientação, mas gostaria que um dia sentissem com o avanço da idade que o corpo enfraquece, fica bambo, desequilibra facilmente, tropeça em qualquer pedrinha ou reentrância das calçadas e cai estatelado no chão. Às vezes, pode até sofrer quebradura de braços ou pernas. Tudo por falta de equilíbrio e fraqueza. Além do mais, a gente não consegue mais carregar objetos pesados. Quando as lojas oferecem a entrega das compras em domicílio, fico muito grata. Não consigo mais carregar três ou quatro quilos por mais de duas quadras... Não é luxo, é o peso da idade mesmo!
Então, quando dou carona para minhas amigas faço questão de entregá-las em casa, porque a maioria está mais ou menos titubeante e pode sofrer um acidente enquanto acabam de chegar, se as deixar na esquina. E sempre aguardo que a pessoa entre em casa com segurança. Gentileza deve ser completa e não pela metade.
Muita gente não atenta para um idoso, que caminha pelas calçadas trocando os passos com dificuldade, e trombando algumas vezes com os capiaus, que fazem rodinhas de fuxico nas esquinas... Atrapalhando o fluxo de gentes...
Pois é minha gente, já fui jovem e já andei rapidinho pelas calçadas e nunca atentei para as dificuldades dos mais fracos, dos mais velhos. Hoje já sinto o peso da idade até para ir ao Banco, que fica lá na esquina... e  no Caixa eletrônico demoramos mais, porque a gente não enxerga direito, as mãos não acham o cartão e apertamos os botões errados na hora de digitar a senha... E tem que começar toda a operação de novo... E o cidadão impaciente de trás fica suspirando como se pensasse: “Por que essa velha demora tanto?”
Só que eu não me importo, não fico afobada porque tenho certeza absoluta que ele ficará igual a mim, um dia...
Velhice é foda mesmo!
Mas vou levando.

Mirandópolis, novembro de 2017.
kimie oku in



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