sexta-feira, 24 de novembro de 2017

         
            Abordagens
                 (para todas as Mauras do Mundo) 
     Depois que publiquei a crônica intitulada “Os jovens, os velhos”,  percebi que o tema permite várias abordagens diferentes. Minha abordagem foi sobre o tratamento diferenciado que a sociedade oferece aos jovens e aos idosos. Os mesmos jovens que um dia serão idosos...
      Eu poderia ter comentado sobre os jovens que agem como velhos, nunca tendo experimentado a juventude por serem duros, radicais e exigentes demais. Ou sobre os velhos que nunca tiveram juízo e agem como adolescentes inconsequentes, dando muitos aborrecimentos às famílias. Ou ainda, sobre velhos que agem como velhos ranzinzas desde que foram crianças, e jovens que nunca amadurecem... Honestamente percebi que, a primeira e a segunda abordagens são as que mais ocorrem.
      Em Consciência Negra abordei a inutilidade de um dia dedicado a Zumbi, para acabar com o preconceito racial. Poderia ter defendido a ideia de que uma data pode fazer toda a diferença.
Depois vi publicações denegrindo a imagem do Zumbi, que sucedeu a Ganga Zumba, que formou  reduto em Quilombo dos Palmares, para acolher os negros foragidos das senzalas e, os índios perseguidos por capitães do mato... Acredito que, o reverso dessa medalha de Zumbi foi criado pelos senhores dos engenhos, que não aceitavam sua liderança para acolher os escravos fugitivos. É preciso entender a verdadeira história para não distorcê-la. Zumbi era um guerreiro, descendente de gente nobre da África e, não aceitava servidão por causa da cor da pele, para si e nem para os seus. Houve excessos no Quilombo? Sim, com certeza, pois não deve ter sido fácil controlar uma multidão faminta, revoltada e sem renda. Ele conseguiu afrontar e bater de frente com os escravagistas. Nesse sentido foi um herói africano, defendendo sua gente das garras de gente branca, que se julgava superior e agia como carrascos. E a História oficial do Brasil, aquela mesma História dos compêndios que ensinamos na Escola, está cheia de incongruências e mentiras. Porque foi construída e narrada pelos brancos que mandavam. Versão dos mandantes, sem nenhum respeito para com os africanos. Mesmo agora, os mandantes do país distorcem as verdades em benefício próprio. Sempre foi assim e sempre será, infelizmente. A História oficial sempre é contada pela perspectiva dos dominadores.
Quando eu trabalhava na Delegacia de Ensino em Andradina, havia lá uma funcionária supercompetente chamada Maura. Era Diretora das Finanças da Delegacia. Era uma mulher forte, bonita e totalmente negra. De branco só os dentes perfeitos. Acho que era Professora de Física em alguma Escola. Professora muito capaz! Um dia, a convidei para almoçar comigo num restaurante local. E ela disse que não poderia ir comigo, porque sua irmã que morava na África estava à espera para almoçar junto.
Interessada pela história, lhe perguntei o que essa irmã fazia num país tão distante. Era Irmã de Caridade e desenvolvia um trabalho social lá. Então, lhe sugeri que procurassem as raízes da família lá na África, para descobrir a procedência de seus pais e avós que vieram como escravos. E de repente, ali na calçada em pleno meio dia, essa Maura desatou a chorar. Levei um susto vendo aquele rosto querido devastado pelas lágrimas... Não entendi nada... Fiquei perplexa. 
Quando se acalmou, explicou que haviam tentado várias vezes essa pesquisa. No consulado... E descobriram que o Governo brasileiro havia queimado todos os documentos, para não deixar provas de escravidão no Brasil!!!
 Então, ali na calçada de uma cidade próxima, em pleno meio dia, vendo a dor da minha amiga, senti imensa vergonha da nossa História que, está recheada de mentiras e traições contra o próprio povo de sua terra. Mentiras que roubaram a verdadeira história dos africanos que aqui vieram forçados, para serem subjugados e humilhados. Nem direito à própria história foi respeitado! Mentiras dos coronéis, dos senhores de engenho, dos escravagistas, dos políticos sem caráter e dos “sábios” que escreveram a nossa História... Passagem triste e vergonhosa de nossa História.
E fico pasma de ver gente, que ainda não acordou para a realidade de nossa História, e em pleno século XXI acredita em histórias de carochinha. E divulga que o Zumbi foi um bandido... Puro resquício de preconceito e discriminação racial. Espantoso!
Vamos acordar, meus amigos!
Zumbi foi prepotente? Foi duro com os irmãos escravos que procuravam a liberdade?  Acredito que deve ter sido! Mas, ele estava procurando um caminho livre para todos! Um caminho de luz, de libertação. Liderar uma multidão revoltada, vilipendiada que não queria se submeter a ninguém depois de anos de cativeiro, não deve ter sido fácil. Ao invés de criticar Zumbi, seria mais honesto analisar a atuação dos senhores escravagistas, que trataram os africanos como seres inferiores. Como animais que não sentiam dor, mágoa, tristeza, banzo...
E aí seria mudar a abordagem para a verdadeira face de nossa triste História.
Será que um dia isso acontecerá?
Maura...

Mirandópolis, novembro de 2017.



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