terça-feira, 8 de janeiro de 2019




 Casa de Música   
             
             
            Sempre sentia muita tristeza quando via as casas vazias de seus moradores, que haviam partido para sempre...


     Durante muito tempo passei diante da casa da minha primeira Professora de Piano Dona Maria das Dores Kamla Bruzadin, com um misto de tristeza, reverência e saudade. Também diante da casa dos Braga, dos Abud, dos Conrado, dos Bonadio... As pessoas são recolhidas por Deus, mas suas casas continuam aqui na terra, vazias de suas presenças... E para mim, era inevitável pensar nessas pessoas e relembrar seus rostos amigos.
     E tantos amigos já partiram, e deixaram suas moradias recheadas de seus pertences, de suas coisas mais preciosas, porque nada se leva desta vida. Dinheiro, joias, livros, coleções de objetos raros, trajes de luxo, calçados finos acabam empilhados sem que seus donos voltem a usá-los. Só terão serventia se doados a alguém, que possa usufrui-los...
   Um amigo comprou uma casa recentemente, com todos os pertences do antigo morador. Como era Médico, havia uma Biblioteca inteira de livros de Medicina... Ao consultar os herdeiros sobre o que fazer com eles, disseram: “Queime-os!” E ele não teve coragem de fazer isso. Doou-os a um jovem estudante, para que possa aproveitá-los. E havia um carro na garagem também, que ele vendeu porque a família não o queria mais... Não era um carro muito novo mas funcionava perfeitamente. Estou contando isso, porque ele ficou muito indignado com a indiferença da esposa e dos filhos em relação às coisas do falecido. Mas, o pior ainda estava por vir. Como havia muitas fotografias da família, ele pediu para que fossem buscá-las. Mas a resposta foi: “Pode queimá-las!”
     Estranho mundo, onde sentimentos morrem junto com as pessoas que falecem. Enterram junto e se esquecem de tudo que foi vivido, compartilhado, chorado e festejado. Mundo cruel demais.
     Um dia conheci uma amiga de mamãe, dona Maria Ito que faleceu há uns anos. Eu a conheci num Cursinho de Japonês, que um Professor resolveu dar uma vez por semana no Clube Nipo. Éramos em seis mulheres interessadas em aprender a Língua Japonesa. Eu era a mais analfabeta de todas, mas aprendi muito nesse curso. Durou pouco, mas me deu a iniciação para estudar sozinha em casa. Dona Maria era a senhora mais simpática, sempre sorrindo, sempre disposta em me ajudar nas dificuldades, porque eu não entendia absolutamente nada do que o Professor falava. Às vezes, ele contava algo engraçado e todas riam e eu abobada...
     Pois bem, dona Maria morava numa casa grande cercada de flores e era uma mulher feliz. Seu marido havia falecido há um tempo, mas ela continuou na mesma casa, com a mesma alegria de sempre. Era participante ativa de todos os eventos do Clube Nipo. Mas, um dia, ela faleceu...
 E a casa ficou vazia.
    
Seus filhos moram em São Paulo e não quiseram se desfazer da casa. Passaram a alugá-la.
E por um feliz acaso para lá se mudou o Conservatório Musical de Gustavo Ordine. E com ele, lá fui eu tocar piano.
E ontem ao retornar às aulas, percebi que o pé de ixora vermelha está toda florida. ixora que ela deve ter plantado um dia. Já virou quase uma árvore, e está deslumbrante coberta de flores. Não resisti e tirei umas fotos!
Mas, o mais interessante é que a sua casa, dona Maria virou uma casa de Música! Lá tocamos valsas e sonatas ao piano, e canções ao teclado; os meninos tocam guitarra, violão, bateria... Enfim virou a casa do barulho!
Tenho certeza dona Maria que, deve estar encantada porque a sua casa virou uma casa feliz! Uma casa recheada de sons, do, re, mi, fa, sol... de sustenidos de bemóis, de staccatos. Todos os dias, é um desfilar de alunos que querem encher de som seus aposentos... E as canções vão vibrando de sala em sala, e se derramam pelas portas e janelas. E invadem as ruas e deliciam alguns passantes... A felicidade se derramando para alegrar o mundo.
Dona Maria, a sua casa é a única vazia que me deixou feliz!

Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in

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