Casa de Música
Sempre sentia muita tristeza quando via as casas vazias de seus moradores, que haviam partido para sempre...
Durante muito tempo passei diante da casa
da minha primeira Professora de Piano Dona Maria das Dores Kamla Bruzadin, com
um misto de tristeza, reverência e saudade. Também diante da casa dos Braga, dos
Abud, dos Conrado, dos Bonadio... As pessoas são recolhidas por Deus, mas suas
casas continuam aqui na terra, vazias de suas presenças... E para mim, era
inevitável pensar nessas pessoas e relembrar seus rostos amigos.
E tantos amigos já partiram, e deixaram
suas moradias recheadas de seus pertences, de suas coisas mais preciosas,
porque nada se leva desta vida. Dinheiro, joias, livros, coleções de objetos
raros, trajes de luxo, calçados finos acabam empilhados sem que seus donos
voltem a usá-los. Só terão serventia se doados a alguém, que possa
usufrui-los...
Um amigo comprou uma casa recentemente, com
todos os pertences do antigo morador. Como era Médico, havia uma Biblioteca
inteira de livros de Medicina... Ao consultar os herdeiros sobre o que fazer
com eles, disseram: “Queime-os!” E ele não teve coragem de fazer isso. Doou-os
a um jovem estudante, para que possa aproveitá-los. E havia um carro na garagem
também, que ele vendeu porque a família não o queria mais... Não era um carro
muito novo mas funcionava perfeitamente. Estou contando isso, porque ele ficou muito
indignado com a indiferença da esposa e dos filhos em relação às coisas do
falecido. Mas, o pior ainda estava por vir. Como havia muitas fotografias da
família, ele pediu para que fossem buscá-las. Mas a resposta foi: “Pode
queimá-las!”
Estranho mundo, onde sentimentos morrem
junto com as pessoas que falecem. Enterram junto e se esquecem de tudo que foi
vivido, compartilhado, chorado e festejado. Mundo cruel demais.
Um dia conheci uma amiga de mamãe, dona
Maria Ito que faleceu há uns anos. Eu a conheci num Cursinho de Japonês, que um
Professor resolveu dar uma vez por semana no Clube Nipo. Éramos em seis
mulheres interessadas em aprender a Língua Japonesa. Eu era a mais analfabeta
de todas, mas aprendi muito nesse curso. Durou pouco, mas me deu a iniciação
para estudar sozinha em casa. Dona Maria era a senhora mais simpática, sempre
sorrindo, sempre disposta em me ajudar nas dificuldades, porque eu não entendia
absolutamente nada do que o Professor falava. Às vezes, ele contava algo
engraçado e todas riam e eu abobada...
Pois bem, dona Maria morava numa casa
grande cercada de flores e era uma mulher feliz. Seu marido havia falecido há
um tempo, mas ela continuou na mesma casa, com a mesma alegria de sempre. Era
participante ativa de todos os eventos do Clube Nipo. Mas, um dia, ela
faleceu...
E a casa ficou vazia.
Seus filhos moram em São Paulo e não quiseram se desfazer
da casa. Passaram a alugá-la.
E por um feliz acaso para lá se mudou o Conservatório
Musical de Gustavo Ordine. E com ele, lá fui eu tocar piano.
E ontem ao retornar às aulas, percebi que o pé de ixora vermelha está toda florida. ixora que ela deve ter plantado um
dia. Já virou quase uma árvore, e está deslumbrante coberta de flores. Não
resisti e tirei umas fotos!
Mas, o mais interessante é que a sua casa, dona Maria
virou uma casa de Música! Lá tocamos valsas e sonatas ao piano, e canções ao
teclado; os meninos tocam guitarra, violão, bateria... Enfim virou a casa do
barulho!
Tenho certeza dona Maria que, deve estar encantada
porque a sua casa virou uma casa feliz! Uma casa recheada de sons, do, re, mi, fa,
sol... de sustenidos de bemóis, de staccatos. Todos os dias, é um desfilar de
alunos que querem encher de som seus aposentos... E as canções vão vibrando de
sala em sala, e se derramam pelas portas e janelas. E invadem as ruas e
deliciam alguns passantes... A felicidade se derramando para alegrar o mundo.
Dona Maria, a sua casa é a única vazia que me deixou
feliz!
Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku
in
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