sexta-feira, 11 de janeiro de 2019





            Juro que não entendo!
       
       Durante a última Campanha eleitoral, o meu Professor de Piano Gustavo Ordine me perguntou: Como foi viver na Ditadura Militar?
       O Gustavo é um jovem que nasceu pós Ditadura e, como gosta de ler sobre a História do Mundo e mais ainda sobre o Brasil estava realmente interessado em saber se, durante a Ditadura que durou 21 anos (de 1964 a 1985) nós os cidadãos comuns havíamos sofrido repressão por parte do Governo, se fomos proibidos de exercer nosso direito de ir e vir e de falar.
       A pergunta me pegou de surpresa e até hoje não consegui respondê-la direito. E hoje já passados alguns meses vou tentar responder, Gustavo.
       Naquela época eu havia passado no primeiro Concurso para o Magistério do Estado de São Paulo. E fui nomeada para trabalhar efetivamente no Grupo Escolar de Tabajara, no Município de Lavínia. Naqueles tempos bravios, só havia rádio e costumávamos ouvir novelas mexicanas (O Direito de Nascer) e o Repórter Esso, que dava as últimas notícias do Brasil e do mundo. E à noitinha era transmitida A Voz do Brasil, que era o noticiário oficial.
       Televisão não havia, e só o vozerio grave dos locutores ao som do Guarani de Carlos Gomes não atraia os nossos jovens ouvidos. Nem sabíamos o que se passava nos bastidores do Governo, por ignorância pura. Nem seria ignorância, seria mais alienação, porque morávamos no sítio e tínhamos poucas informações. No mais, ia à escola cumprir minha tarefa de segunda a sábado, recebia o pagamento no mês seguinte, tinha férias e era só. Nunca alguém me impediu de trabalhar, nem de ir e vir onde quisesse.
       Um dia, um esquadrão da Polícia Federal baixou na casa de um japonês em Lavínia, atrás de um moça universitária. Foi o maior fuzuê, pois estavam atrás de uma terrorista, que diziam ter assaltado Bancos usando fuzis metralhadoras. Foi um imenso choque para a família de granjeiros, que mandara a filha estudar em São Paulo. Mais tarde, soubemos que seria a atual esposa do político José Genoíno, que também era estudante e também participava do grupo de assaltos. Em termos de repressão foi só o que eu soube na época. Mas, ninguém entendeu nada... eu menos ainda.
       Havia sim, canções que foram censuradas como Proibido proibir de  Caetano Veloso; Aquele abraço de Gilberto Gil, que foi escrito no camburão quando foi preso; O bêbado e o equilibrista de Aldir Blanc e João Bosco; Cálice de Chico Buarque e Gilberto Gil; Mosca na sopa de Raul Seixas e Pra não dizer que não falei das flores de Geraldo Vandré que se tornaria o Hino da Resistência ao Regime Militar, e foi por muito tempo proibida de ser entoada pelo Exército Brasileiro.
       A perseguição a esses músicos e cantores aconteceu porque eles inseriam suas críticas ao Regime Militar, com versos para despertar o povo. Assim, “Pai, afasta de mim esse cálice/ pai, afasta de mim esse cálice/ pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue!” a palavra cálice foi interpretada pela sua homófona Cale-se, que o Regime gritava aos poetas e jornalistas que protestavam...
       Raul Seixas que era um crítico sátiro por natureza cantava: “Eu sou a mosca/ Que pousou na sua sopa/ Eu sou a mosca / Que pintou /Pra lhe abusar/ Eu sou a mosca que caiu na sua sopa/ E não adianta vir me dedetizar/ Pois nem o DDT pode assim me exterminar/ Porque você mata uma/ E vem outra em meu lugar!” era pura provocação aos policiais que o perseguiam.
       Elis Regina cantou O bêbado e o equilibrista de Aldir Blanc e João Bosco: ...” Que sonha com a volta do irmão de Henfil/ Com tanta gente que partiu num rabo de foguete/ Chora! A nossa Pátria mãe gentil/ Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil!”  Irmão de Henfil, o sociólogo Herbert de Sousa que se exilou no México para fugir da prisão... Maria e Clarisse eram as mulheres do metalúrgico Manoel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog torturados e mortos no DOI CODI, São Paulo.
       Mas o que pegou mesmo foi Pra não dizer que não falei das flores ou Caminhando, de Geraldo Vandré: “Há soldados armados/ amados ou não/ quase todos perdidos/ de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam/ uma antiga lição/ de morrer pela Pátria/ E viver sem razão.”
       Todas essas interpretações ficamos conhecendo bem depois dos acontecimentos, porque nada disso era noticiado. Não havia tevê nos primeiros anos, e o noticiário era publicado em jornais de papel, inacessíveis para a maioria do povo.
Essas canções utilizando metáforas ou não, eram um claro protesto contra os desmandos dos militares que perseguiam os jovens artistas, cantores, poetas e jornalistas... milhares de intelectuais foram presos e exilados. Muitos se mandaram para outros países para fugirem da Repressão. Políticos famosos que aí estão agora no cenário brasileiro tiveram que se refugiar no Chile, nos Estados Unidos, na Argentina, no México, para fugir da perseguição da Polícia Militar do Brasil. Dentre eles, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, José Dirceu e tantos outros que mais tarde foram anistiados com a Abertura política para a Democracia, no final do Governo Militar.
Houve repressão, sim! Só que a maioria das pessoas nem ficou sabendo. Nós estávamos ocupados demais trabalhando, tentando melhorar nossas condições de vida. As revoltas, as críticas à opressão ficaram por conta de intelectuais, jornalistas e políticos que assistiam a tudo e viam o DOPS –Departamento de Ordem Política e Social e o DOI-CODI –Destacamento de Operações de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna do Exército cometendo excessos sobre os ditos subversivos (cidadãos que denunciavam os abusos das autoridades). E os militares exerceram sua prepotência com excessivo rigor, escudados numa ordem de punição sem limite jurídico, ético e moral. Mais de seis mil pessoas foram torturadas e 434 civis mortos... Página mais negra de nossa História, após a Escravidão.
Pois bem, nesse período de rigorosa repressão do governo, nossos artistas mais famosos produziram peças lindas como as canções acima citadas, que cantavam a Liberdade e o desejo de ser feliz... Políticos inconformados com a situação de sua Pátria, sendo governada por militares duros e tacanhos se opuseram com vigor contra as medidas do governo Militar. E para fugirem da perseguição e da prisão se auto exilaram em outros países. Como o Chico Buarque, o Gil, o Betinho irmão do Henfil, o FHC, o José Serra, o Dirceu, o Genoíno, o Caetano e tantos outros menos conhecidos.
Quando a tevê se popularizou, Dias Gomes mandou para os lares a novela O Bem Amado, que era uma sátira aos governantes sempre tão poderosos. Paulo Gracindo encarnou bem a figura de Odorico Paraguassu, que celebrizou a expressão “imprensa marronzista” se referindo ao noticiário verdadeiro publicado pelos jornais contrários ao Governo...
Durante os anos duros de Ditadura, os chamados “anos de chumbo” os intelectuais brasileiros criaram peças lindas, canções que ficaram para fazer história. E todos os brasileiros passaram a idolatrar o Chico Buarque, o Caetano, o Henfil, o jornalista Vladimir Herzog, o músico e compositor Geraldo Vandré, a Elis Regina, a Rita Lee... E a paixão por eles foi fortalecida quando foram anistiados. Fizeram carreira, ficaram ricos porque venderam muitos CDs e shows.
Pois bem, mas o que eu não entendo é isso!
Como essa gente que produziu tanta coisa linda, que um dia amamos de verdade pode nos trair e se bandear para o outro lado?
Estavam anistiados, circulando felizes, vendendo a rodo...
Por quê tiveram que meter as mãos nos tesouros da Nação, dilapidando as nossas mais caras Instituições? Por conta do que sofreram na Ditadura se julgaram no direito de roubar a própria Pátria? Nunca tiveram empatia pelo povo, que madruga todos os dias por um mísero salário, e labuta o dia todo para fazer esse país funcionar? Nunca pensaram como é dura a vida de quem depende dos Hospitais Públicos? Hospitais que se transformaram em depósitos de doentes sem tratamento, sem esperança por falta de recursos que foram desviados? Nunca pensaram que a juventude se perderia irremediavelmente sem uma boa escola, sem uma boa Educação? E esses jovens zumbis que vagam pelas ruas sem destino, não são o resultado direto de suas roubalheiras? Que roubaram o que era destinado para melhorar a qualidade de nossas Escolas, de nossa Educação? Que roubaram todo o dinheiro destinado para combater o tráfico de drogas? Vocês beneficiários da Lei Rouanet e vocês políticos corruptos, que se apossaram de milhões e milhões que não lhes pertenciam, não percebem como vocês são mais perdidos que esses zumbis? Por que vocês estudaram nas melhores Escolas, tiveram a glória do sucesso, lutaram contra a opressão e tiveram a chance de dar a volta por cima.
Mas se perderam totalmente e irremediavelmente por uma única razão:
Ganância.
       E isso eu não entendo!
Decididamente não consigo entender...
Mirandópolis, janeiro de 2019.
kimie oku in



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