Eu e a água
Taí, uma
relação que me acompanha desde que nasci.
Quando temos uma
relação constante, nunca reparamos nas vantagens que usufruímos.
Um dia desses percebi
que, me é impossível ficar sem água, mesmo por um dia. Desde a hora que abro os
olhos e vou ao banheiro, uso água. E nunca reparo que ela está lá à minha
disposição, faça sol ou faça chuva, ou esteja claro, ou esteja escuro... Está
lá na torneira, no vaso sanitário, no chuveiro...
Não foi sempre assim. Quando
criança e até a adolescência, tinha que tirar a água do poço lá no sítio. Como
era isso? Tinha um buraco, onde minava água fresca e saborosa. Felizmente o
poço não era muito fundo. Uns cinco metros de profundidade. Sobre o poço, havia
uma armação de cimento e por cima uma trava de madeira ligada a um sarilho que
a gente rodava para descer um balde amarrado a uma corda. O balde chegava ao
fundo, se enchia de água e então, o sarilho pesado era rodado para trazer o
precioso líquido para cima. Lembro ainda que havia um tampo de madeira para
tampar a boca. Para evitar que caísse sujeira. O poço era sagrado.
Nem tenho ideia de quantas
centenas de vezes rodei esse sarilho. Era água para a cozinha de casa, para os
potes e filtros, para a lavagem de roupa, para os banhos. Para os porcos, para
as galinhas, para o gado... E o poço nunca negou! Mesmo em épocas de longa estiagem,
aquele poço foi generoso, sempre nos forneceu água boa e saudável. Como nem
havia geladeira na época, era um prazer imenso tirar um balde de água do poço
nas tardes quentes, para matar a sede. E como custava muito esforço para “puxar
água do poço”, sempre a usávamos com parcimônia, sem desperdiçá-la. Todas as
casas da vizinhança tinham seus poços.
Eu me lembro, quando voltávamos
da Escola, passávamos na casa de uns vizinhos e bebíamos água tirada do poço na
hora... Estávamos cansados da caminhada de quatro quilômetros, suados e
sedentos. E a água era uma bênção.
Mais tarde, já adulta tive
contato com a água encanada. Nossa! Que maravilha! Que facilidade! Era só
torcer a trava da torneira e a água jorrava sem parar. Nada de poço, nada de
baldes em cordas, nada de sarilho... Quem será que teve a ideia de encanar a
água? Por outro lado, a facilidade levou
ao desperdício. As gerações novas não sabem o que é um poço, o que é ter que
puxar água do poço para cozinhar, lavar, tomar banho... Então, usam e abusam da
água, como se fosse um bem inesgotável. Um dia, ela pode chegar ao fim. E a
vida também.
Também minha relação com a água
tem sido tão ignorada por mim mesma. Até hoje. Hoje percebi que minha dívida
com a água é impagável. Tenho setenta e nove anos de idade, e ao longo desse
tempo todo, bebi milhares de litros de água, tomei milhares e milhares de
banho, lavei roupa também milhares de vezes, e toda a sujeira que produzi, a
água levou embora. Além disso, minhas plantas foram regadas todo esse tempo. Como
posso retribuir essa graça, essa bênção?
Nunca poderei! Porque estou viva
pela água. Sem ela, eu já era. Mas, procuro não desperdiçá-la. Uso a água do
enxágue de roupa da máquina para lavar o chão, o quintal e as varandas. Uma amiga me perguntou porque não lavo a
calçada, quando lhe disse que deixava por conta de São Pedro, ela me perguntou
se a minha conta de água era assim tão alta!!!!
E por falar em água, cadê a
chuva?
Mirandópolis, junho de 2021
kimie oku
in
http://cronicasdekimie.blogspot.com
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