domingo, 15 de janeiro de 2012



  O PARAÍSO  RESTAURADO

            E de repente,   
 a vida se foi.
         Num sopro a vida humana
 se apagou. 
Como se alguém tivesse 
desligado o interruptor 
da vida, a humanidade 
se evaporou. 
Foi assim pá!
         E todos os seres humanos sumiram. Esvaíram-se como éter. Apagaram-se, sem deixar rastros. Nenhum corpo, nenhum resto. Nada que provasse ter existido vida humana na Terra.
         No instante em que ocorreu, houve quedas de aviões, carros e trens que se colidiram. Mas nenhuma vítima. Não havia pilotos, motoristas nem passageiros. Tinham se evaporado todos.
         Comprovando a passagem do homem, sobraram as obras –  as ferrovias, as rodovias, os carros, as máquinas, as torres, os  imensos prédios, as igrejas, os shoppings. Mas ninguém circulando. Tudo deserto.
         No começo havia luzes e sons ligados. Máquinas automáticas trabalhando, luminosos pisca-piscando, semáforos alternando o verde, o amarelo, o vermelho, inutilmente... não havia carros circulando.
         Aos poucos, tudo foi parando.
         Não havia gente, para lidar com os geradores de força e luz. Celulares se calaram. Havia combustível nas bombas, mas sem  serventia.  Ninguém precisava dele.
         Nas estradas e nos estacionamentos, filas de carros ao Deus dará, todos parados. Nos aeroportos, aviões se deteriorando no tempo. Nas ferrovias, os trens-bala, os subways vazios e aposentados para sempre. E nos portos, os imensos transatlânticos, e os barquinhos. Estranhos brinquedos num mesmo abandono, sem nenhuma utilidade, ao sabor das ondas.
         Casas e   prédios totalmente vazios de gente, sem luz, geladeiras lotadas de comida se deteriorando,  elevadores parados....
         Nas ruas, de viventes só circulavam cães e  gatos fuçando nas lixeiras, procurando algo para saciar a fome.  Logo ficariam desnutridos e morreriam.
         Nos campos, tanto trigo dourado, secando ao sol,  grãos de milho amarelinho caindo das espigas... banquete de pássaros... Nas hortas, verduras e legumes servindo de pasto aos besouros e lagartas. Nos pomares as frutas maduras caiam aos borbotões... os bichos aproveitavam. Nunca os animais tiveram tanta fartura.
         Nos quintais, sobreviveram só as galinhas caipiras. Sabiam procurar o alimento, nos lugares mais recônditos do jardim. Gatos domésticos foram morrendo de inanição, não sabiam nem caçar lagartixas. Nas gaiolas das belas vivendas, pássaros  exóticos morreram de pernas pro ar, e bico aberto, implorando água.
         Nas granjas, galinhas poedeiras  e frangos de corte morreram de batelada, com o papo vazio e o bico seco. Corvos e urubus se fartavam.
         Nas pastagens verdes, o gado levava vida normal, os bezerros não davam conta de tanto leite. Mas, nos confinamentos...toneladas de carne morta. Também banquete dos urubus.
       Os dias se sucederam. Vieram os meses, os anos, as décadas, os séculos. E tudo foi mudando, devagarinho, por  conta das leis da natureza, que  nunca tem pressa.
       As chuvas voltaram a chover regularmente, enchendo as fontes, os mares. Mansamente. Aspergindo a terra com chuveiradas, que mais pareciam bênçãos .
        Os rios corriam  com leveza. Não recebiam mais dejetos produzidos pelos humanos;  nem lixo de hospitais;  nem esgoto das casas e, nem venenos tóxicos das roças e das indústrias.  Pouco a pouco, perderam a cor pardacenta, a viscosidade gelatinosa e o cheiro de fezes. Os peixes respiravam aliviados.
        As árvores  jogavam frutos e sementes ao chão. Logo, outras plantinhas começaram a nascer; no início timidamente, depois vigorosamente, sem medo das máquinas  ceifadoras e dos jardineiros contumazes.
        E o tempo que dá um jeito em tudo, deu um jeito nas carcaças de  animais mortos. Tudo secou e virou pó. E foi absorvido pela  terra, fertilizando-a generosamente.
        Então, a Terra ficou  perfumada.
        Aromas  encheram o ar. Aromas  que exalavam dos jardins floridos, das florestas resinosas, das fontes termais de águas límpidas.  O  clima ficou ameno, a aragem soprava mansamente, ondulando os lençóis de campos verdes, e das árvores choviam flores perfumadas.
        As florestas foram crescendo,  substituindo definitivamente  os canaviais, e ocupando espaços vazios. Animais  selvagens voltaram ao seu habitat, enlouquecidos pela liberdade,  enfim reconquistada.
        Pássaros cruzavam os ares, numa algazarra sem fim. Filhotes pipilavam satisfeitos, seguros em seus ninhos.
        Cães e gatos sobreviventes voltaram às origens, vivendo nas matas, caçando seus alimentos e bebendo  nos  ribeirões.
        Tudo perfeito.
        O Éden.
        E na harmonia silenciosa   do Paraíso Terrestre, 
ouviu-se o vagido 
de um bebê.
               
     Mirandópolis, 16 de dezembro de 2010.
       Kimie Oku (kimieoku@hotmail.com)

3 comentários:

  1. "A natureza é a arte natural da vida" Dinho.
    Plante uma arvore, você tem que ter um filho, escrever um livro e plantar uma arvore!!!

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  2. http://dinhoresler.blogspot.com/ meu blog da vida, da natureza.

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  3. Escrevi esse texto em Dezembro de 2010. E hoje dia 30 de julho de 2015, assisti a um filme que retrata exatamente o cenário que eu imaginei: um mundo sem gente, onde a humanidade foi quase que totalmente extinta. O filme espanhol inspirado na obra de David Monteagudo "Fin dos Tempos" narra a história de um grupo de jovens que vai desaparecendo um a um... E mostra cidades e povoados vazios, carros abandonados, estradas sem gente... Só que ele não mostra o que acontece com a natureza sem o homem que tudo destrói. E o filme é de 2012. E eu nunca li nada de David Monteagudo. Achei a coincidência muito interessante.

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