segunda-feira, 8 de outubro de 2012


E agora, José?


A festa acabou. E agora, José?
Foram três meses de campanha dura, andando daqui prá lá, de lá prá cá... Gastando as solas de sapatos, formando bolhas, tomando cafezinhos frios, sucos mornos, comendo lanches, que hora de almoço era precioso e não podia desperdiçar.
Quando estava em casa era só para conferir a agenda, prá ver se não havia esquecido de visitar aquele eleitor amigo, que faz questão de um abraço, de uma visita pessoal... E conferir se os santinhos darão pro gasto.
E o telefone tocando o dia todo. Uns eleitores mal acostumados folgando em cima de candidatos, e pedindo um botijão de gás, porque acabou e não tem grana prá comprar... e as crianças estão sem comer desde ontem. Ta bom, pega o gás lá no compadre e diz que depois eu passo lá. Não, acho que vou telefonar... depois você vai lá buscar, ta?
Então vem o cabo eleitoral pedindo prá adiantar umas notas, porque a mãe não está passando bem e é preciso comprar uns remédios caros, que a farmácia popular não fornece. Puxa! Mas, já lhe adiantei meio salário!
E enfrentar a via sacra: Vamos mudar de bairro, que lá onde fomos ontem o clima não estava nada amistoso. Mas, o bairro é de trabalhadores e a maioria das casas só tem crianças trancadas, que os pais estão todos pelejando pela vida. Mamãe falou que não é para pegar nada de estranho. Nem santinho deu prá entregar. Numa rua comprida só três moradores foram amáveis, mas disseram: Nóis não vota. A gente num sabe ler nem escrever. Tudo bem, vamos em frente que atrás vem gente. Noutra casa um eleitor zangado, despeja toda a fúria de uma vida desgraçada na visita inesperada: Vocês vêm cum essa cunversa mole, e dispois qui ganha, uma banana prá nois. Nunca mais põe os pés por aqui. Vou votar é nada. Qui qui eu ganho cum isso? Num vem qui num tem.
Saldo do dia: Zero! Andamos tanto prá nada! Que calor! Puxa! Será que essa chuva vem ou não vem?Amanhã será melhor, se Deus quiser!
E amanhã, amanhece com dor de barriga e fica acamado, indo ao banheiro de hora em hora. Será que foi aquele suco, que bebi junto com o cumpadre lá no boteco? Tava morno e parecia vencido... Mas eu tenho que sarar, porque os adversários estão de carro de som na rua, bandeirolas e um bando de cabos eleitorais... Passo na farmácia e tomo uns remédios e vamos prá luta! Na primeira hora foi tudo bem. De repente, porém a dor de barriga voltou com força total e não havia banheiro à vista. Foi preciso apelar prá aquele boteco da esquina, com um banheiro mal cheiroso prá bebum vomitar. Mas era emergência e não houve escolha... e não havia papel higiênico. O jeito foi usar santinho mesmo. Mas que papel duro e seco! Amanhã tenho que me lembrar de carregar papel higiênico... Puxa! Como candidato sofre! Será que os outros já passaram por isso? Acho que só eu mesmo! Mas, a dor passa e a tarde termina com o encontro de alguns eleitores fiéis, que prometem votar: Pode deixar, amigo, que só na família tem 13 votos garantidos! E o candidato vai pras nuvens de felicidade.
Quando chega ao Comitê, descobre que acabaram os santinhos, e fica sabendo que o Partido já lhe subvencionou tudo que tinha direito, e daqui prá frente terá que arcar sozinho. E tou devendo os folders na Tipografia... E estamos no meio da campanha! Nunca pensei que a brincadeira ia sair tão caro!
E aí o telefone toca! É o filho reclamando sua presença na reunião de Pais e Mestres prá amanhã à tarde. Enquanto está falando com o filhote, chega um amigo, e ele não pode perder a oportunidade de passar um santinho. Ta bom, filho! Ta bom, amanhã, né? Pode deixar, eu vou. E aí, atendendo ao amigo nem se lembra mais do que falou com o filho. Este percebe que o pai está cada vez mais distante e a revolta lhe cresce no peito de adolescente... Porcaria de eleição... Daí a meia hora, a mulher lhe grita: Preste mais atenção aos seus filhos! Como vai servir à comunidade, se não dá nem atenção aos próprios filhos? Ta bom, ta bom, depois a gente se fala. E desliga..
Mas, vamos lá, a campanha tem que continuar. Na esquina vê o maior adversário rodeado de correligionários e puxa-sacos. E vão todos pro barzinho beber uma cerveja. Até que gostaria de uma geladinha. Mas, a luta continua. Aproveita prá falar mal daquele candidato prá um passante, que sorri amarelo, provando que é dele.
Quando volta prá casa, está moído de cansado. Puxa, hoje estou podre! Toma um banho às pressas, engole qualquer coisa e... A mulher: Aonde vai? Ah! Esqueci de dizer, tem uma palestra no Centro Comunitário, e não posso perder a oportunidade de ganhar uns votos... De novo? E a voz da mulher está estridente, e ele não entende o porquê...
Outro dia! Chuva! Chuva abençoada, mas como fazer a via sacra com toda essa água descendo? E escorregando e molhando as barras das calças, lá vai ele abordar alguém, que lhe dá uma resposta malcriada e o descarta de vez. Aproveita para ir ver uns amigos de verdade, lá na oficina onde trabalham, e eles prometem conseguir mais votos. E um deles o chama de lado e lhe pede um emprego pro filho que fica o dia todo zanzando pra lá prá cá... Tá bom, vou ver, mas primeiro preciso me eleger. Ah! Não! Tu tá eleito. E com essas doces palavras ecoando até o coração vai seguindo sua via crucis... 
E aí o Presidente do Partido o convoca para o Comitê. Você só ta preocupado com você. Esqueceu a campanha do chefe, do Prefeito. Dizem que só tá pedindo votos procê. Tá errado, companheiro. Tu foi convidado prá acrescentar. É prá isso que o Partido aceitou a sua participação. Tá certo, Chefe, eu estou meio atrapalhado, mas vou acertar, podes crer. Oia lá, hein! Fidelidade partidária, viu?
E ele: Mais essa, quando falo o nome do candidato a prefeito, todo mundo faz cara feia. É brincadeira? Mas, vamos lá, não falo nada, mas entrego os santinhos dele, e aí ninguém pode me cobrar nada.
E aí, José fica tão atarantado com a bronca do chefe, que esquece da Reunião de Pais e Mestres do filho. Come uma porcariazinha num boteco e emenda o dia com a noite. Distribui uns santinhos, recebe uns abraços de alguns ex-colegas de escola e volta às 21 horas para casa.  Antes nem tivesse voltado. O pau comeu a noite inteira e depois, a mulher chorava num canto e o filho no outro. Nem dormiu direito, sentindo-se culpado, mas achando que ninguém o compreendia e nem lhe dava apoio. Tou lutando por todos...
Mas, estamos na reta final. Depois eu conserto tudo. Procurou ser gentil com o filho, levando-o à escola. Procurou a professora e soube que o garoto não está indo bem nos estudos. Anda muito distraído, e por qualquer coisa, perde as estribeiras. Pai, vocês estão com algum problema em casa? Que é isso, professora? Está tudo bem. Problemas de adolescente, fessora! É, pode ser. Mais essa! Não posso falar nada prá a mulher, que está uma fera, e pro menino, o que vou dizer?
Vem almoçar em casa e diz: Gente, tenham um pouquinho de paciência, que quando o pai for vereador, tudo vai mudar! Vou ganhar mais e poderei comprar aquele celular moderninho que você tá querendo. Oba! Vou torcer procê, pai!
Nesse dia tudo corre bem, conseguiu distribuir muitos santinhos, recebe apoio de alguns conhecidos e volta feliz prá casa.
E enfim chega o dia. Quanta gente! Zé, você também tá nessa? É, e conto com o seu apoio. Mas já me comprometi com o meu vizinho, que me socorre sempre que preciso. Não posso trai-lo. Tá bem. Boa sorte, compadre! Como será que tá na outra escola? Será que meus amigos vieram votar? E aí, roda feito barata tonta de uma escola pra outra. Sempre aquela festa, com bandeirolas e santinhos na faixa permissível...
 Está tão ansioso que passa o dia só com água. Nada lhe desce pela garganta. Será que a mulher vai votar em mim? E os meus parentes? Bom, tem aquele que nunca foi com a minha cara, mas os outros cinco com certeza. E os vizinhos? Prometeram que metade da família votaria em mim. Então, somando, cinco mais três, mais vinte colegas de trabalho, mais uns duzentos amigos do bairro... Ah! E os votos prometidos pelos favores que fiz, mais uns cento e cinqüenta, mais os amigos de meus pais e seus filhos. Ah! Com certeza, tou lá. Quem sabe, pego o primeiro lugar. Aí, serei o Presidente da Câmara! Aí sim, troco de carro e mudo de bairro, que aquele onde moramos é muito chinfrim... muito pobre. Mereço coisa melhor. E o Zé, de sonho em sonho foi tomado pela canseira e fome e acabou desmaiando, bem na hora que começaram a anunciar os resultados.
Horas depois acordou no sofá, com a barulheira da família: Eu não acredito! Tanto sofrimento pra nada! Tanto desperdício, socorrendo outros com fraldas geriátricas, com remédios caros, com botijões de gás, fora as contas de petiscos e cervejas nos botecos!  As corridas de carro de graça pra gente que nunca vi mais gorda!  E só 18 votos? Zé, acorda seu tonto. Vê se aprende de vez! Tu foi um idiota! Foi usado e não conseguiu nada. Vereador, não me faça rir. Dá até prá saber quem votou em você! Viu só, prá que serve uma campanha eleitoral? E pelo amor de Deus, venha dar um fim nesses folhetos e santinhos que eu não agüento mais  ver isso.
Pai, e o meu celular?
E agora, José?
A festa acabou.

Mirandópolis, 8 de outubro de 2012.
kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”


P.S.   Dedico esta crônica a todos os cidadãos simples, que são manipulados para arrebanhar votos para os partidos políticos. Que acreditam no que fazem acreditar, mesmo não tendo a mínima chance de chegar lá. Escrevi isto com muita dor na alma, ao constatar o desempenho dos menos votados. É doloroso demais.

5 comentários:

  1. Muito sofrimento, já senti isso na pele fui um candidato no passado. Lição de vida para nunca mais.Acho que eu fui um dos Zé. Abraços Kimie.

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  2. Dinho, é muito humilhante para a família, para os filhos que acham o pai um herói, que finalmente será reconhecido por todos. E nada disso acontece, porque o cidadão inocente, digo inocente mesmo, é apenas usado para eleger os mais cotados. É ou não é? Tem gente que fica arrasada e não tem coragem de encarar os amigos. E ainda tem aqueles que tiram um sarro no coitado. O ser humano é muito cruel.

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  3. Kimie, você tem uma percepção do cotidiano e uma facilidade para descrever situações, além do entendimento da alma humana fantásticos. Muito bonito e real o que escreveu nesta crônica. Parabéns mais uma vez,fico a cada crônica mais seu fã e aguardando a próxima.
    Abçs,
    Lupércio Ailton

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  4. Lupércio, é muito bom ser lida por gente como você que me entende, porque falamos a mesma linguagem. Como o ser humano é indefeso, inocente e pobrezinho né? É usado e esculhambado e não se dá conta de que é apenas um instrumento de outros, de Partidos políticos, de bandeiras, de ideologias, de religiões, de loucos fazendo suas camas... Cada dia me espanto como uns conduzem outros, fazendo-os acreditar que é para o bem deles. Você leu o "Alea jacta est"? Obrigada pela atenção e um abraço.

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