quarta-feira, 19 de dezembro de 2012



13º Salário



No princípio dos tempos era cada um por si. Cada ser humano, meio gente, meio bicho procurava o que comer para matar a fome no meio da selva, onde vivia.
É claro que as frutas eram o seu objetivo maior, porque estavam disponíveis e fáceis de colher. Mas, a necessidade orgânica fê-lo procurar por outras fontes, como ostras, peixes e pequenos animais, porque sentia falta de proteínas.
      Daí, o homem passou a ser caçador e pescador. Restos de civilizações antigas comprovam como o homem consumiu ostras em profusão, e por onde passou deixou cemitérios desses bichos. Ainda hoje existem tribos nas profundezas das imensas florestas do mundo, que vivem da caça e da pesca. Mesmo no Brasil, ainda há tribos que não têm contato com outras civilizações e vivem dos produtos colhidos na selva.
Conheci há uns anos atrás, certo pedreiro que havia trabalhado  em Mato Grosso do Sul por meses e meses, construindo a sede de uma fazenda. Muitos índios da redondeza trabalharam na obra. E esses índios programaram um churrasco no final da construção. Disseram que iam caçar sempre, para reservar a carne para a festa. E o pedreiro começou a ficar encucado, pois os índios não dispunham de geladeira...
Quando chegou o dia, ele foi ao local da festa e descobriu que realmente, os amigos haviam caçado muitos bichos, como tatus, capivaras e macacos, que estavam dentro de um enorme cocho para ser assado. Mas, ele ficou bastante incomodado porque, as carnes estavam conservadas em mel, puro mel de abelha, sem sal. E ele não conseguiu comer aquelas carnes...

Assim são as diferentes civilizações.
Mas, toda a humanidade tem como prioridade a comida. E por ela, todos batalham, pelejam, suam, se empenham pra valer. Se não comer, morre. É preciso comer, e dar de comer à prole. Então, o jeito é aguentar o tranco e passar a vida toda trabalhando, para garantir as provisões da família.
Por séculos e séculos, a humanidade procurou saciar a fome com o suor de seu trabalho, plantando e colhendo os frutos de suas plantações. A sociedade era essencialmente agrícola. Mesmo os mais primitivos cultivavam inhames e milho, que lhes garantia o básico do dia a dia.
Em 1760 com a Revolução Industrial na Inglaterra, o homem começou a perder terreno para as máquinas, que passaram a produzir objetos de consumo em série, nas linhas de montagem. E a sociedade rural se transformou em urbana, com o êxodo, inchando as cidades. E da noite para o dia, formou-se um exército de mão de obra excedente, que fez despencar o salário dos trabalhadores.
Era o advento do Capitalismo.
Até meados de 1800, a jornada de trabalho era de 12 a 16 horas por dia, incluindo mulheres e crianças.
Isso incomodava tanto que, o Papa Leão XIII na Encíclica “Rerum Novarum” de 1891 aconselhou aos dirigentes da sociedade que “a jornada não excedesse a força do trabalhador, e lhe garantisse repouso proporcional ao tempo dedicado ao trabalho.”
Mas, demorou muito para se por em prática tal medida, justamente porque havia sempre muitos operários disponíveis sobrando, que poderiam ser explorados. O Capitalismo traz no seu bojo essa tragédia para o trabalhador: a concorrência de mão de obra, que hoje se estende até para a mão de obra especializada, tornando-a barata e descartável.
  As condições de exploração no trabalho eram tão terríveis que, em 8 de março de 1857 em Nova Iorque, 129 operárias corajosas iniciaram um movimento, reivindicando licença-maternidade, redução de jornada de trabalho de 16 para 10 horas, e igualdade de salário para mulheres que exerciam a mesma função dos homens (elas recebiam um terço apenas). Em represália, foram confinadas no prédio da fábrica têxtil, onde trabalhavam e foram queimadas.
Em homenagem a essas heroínas, foi instituído o Dia Internacional da Mulher, que é comemorado no mundo todo no dia 8 de março.
Em 1917 na Rússia, outras mulheres operárias da indústria têxtil iniciaram um imenso protesto contra a fome, que assolava o país, e contra a Guerra. Isso foi o estopim para a Revolução Russa de 1917. Essa Revolução derrubou o governo absolutista do Czar Nicolau II, e mais tarde deu origem à União Soviética, o 1º país socialista do mundo.
A mulher no trabalho conseguiu melhorar as condições dos operários, mesmo à custa de autoimolação em prol da sociedade. E de lá para cá, muita coisa mudou. Licença-maternidade, licença-saúde, direito à hora de amamentação, licença paterna para cuidar da esposa e do bebê recém- nascido, licença-prêmio, aposentadoria especial para as mulheres, aposentadoria por tempo de serviço... E o 13º salário.
O décimo terceiro salário foi concedido como uma premiação ao trabalhador que cumprisse os doze meses de obrigações no ano. Na verdade, não é prêmio, não! É a compensação irrisória pelo salário mal pago pelo patrão, pela empresa, pelo salário que é reduzido mesmo.
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O agente que manda, ou seja, o patrão, o senhor, o feitor e o governo nunca, nunca concedem um benefício que é direito do trabalhador, sem que este lhes peça, lhes requeira, lhes solicite. Se o trabalhador não solicitar e não gritar seus direitos, os que mandam nele jamais perceberão as suas necessidades. As empresas acumulam lucros imensos à custa do suor e dedicação do operariado. Mesmo concedendo os direitos reivindicados pelos manifestantes, elas não quebram. A prova mais contundente disso são as vitórias obtidas através de campanhas salariais e ou greves.
Mesmo sendo pequeno, o 13º salário alivia (e como!) a vida do trabalhador, pendurado em dívidas. A maioria consegue com sacrifícios acertar suas contas no final de ano, para começar tudo de novo.
E a partir de novembro, todo o comércio é invadido por consumidores, que durante o ano todo sonharam adquirir algo novo, e que só o 13º salário lhes possibilitou comprar.
E é agradável ver as pessoas realizando seus sonhos, que antigamente eram somente de crianças. Hoje, os adultos compram carros novos, reformam suas casas, trocam os computadores, a televisão, adquirem terrenos para construir a casa própria. E sempre com a ajudazinha do 13º, que vem engordar as poupanças feitas com sacrifício, ao longo dos meses...
Fico conjeturando na possibilidade de a humanidade um dia despertar e, proporcionar mais benefícios à população, com um salário justo, com respeito e cuidados para todos viverem melhor.
Deixariam de existir a classe dos opulentos, que tudo têm e a classe dos descamisados, dos famintos.
Haveria apenas uma classe de gente trabalhadora, que em conjunto com as empresas, produziriam o que é necessário e dividiriam os benefícios, de forma que não haveria os insatisfeitos, os revoltados, os explorados.
Se a humanidade tem cérebro para pensar, um dia tem que chegar à conclusão que, a harmonia do conviver só será possível quando houver o reconhecimento do que é justo e, que a divisão equitativa dos benefícios só trará vantagens para toda a sociedade.
Acabariam as guerras, as revoltas, as greves, os assaltos, as agressões físicas, a insegurança...
Será que algum dia isso acontecerá?
Ou será apenas uma utopia?

Mirandópolis, dezembro de 2012.

kimie oku 
in“cronicasdekimie.blogspot.com”


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