terça-feira, 18 de dezembro de 2012



Ceia de Natal




Nos anos 80, participei de uma Ceia de Natal, que me deixou desolada.
Eram os anos de ouro do Banco do Brasil, havia dezenas de funcionários e festas eram em todos os finais de semana. Churrasco já era carne de vaca.
Pois bem, naquele ano alguém teve a idéia de fazer uma Ceia de Natal.
Como muitos dos funcionários iriam viajar para ver seus parentes, só uma dúzia de famílias aderiu à idéia. E aí, foi uma azáfama para organizar o jantar.
Depois de muito discutir, resolveram fazer a reunião na casa de um dos amigos que tinha um quintal grande, para se organizar a mesa para todos se assentarem. E os homens fizeram as compras: uma dúzia de frangos, um peru imenso, uma leitoa e bebida farta. E as habilidades culinárias das mulheres entraram em ação: fazendo farofa salgada e doce, o molho, os cremes, o arroz de festa, a salada de legumes com molho de maionese (era moda comer salada de maionese). Tudo feito em casa, que naqueles tempos era assim que se fazia.
E o pessoal da decoração houve por bem determinar que os pratos deveriam ser de Nadir Figueiredo, que havia lançado naquela época os pratos de vidro temperado, da cor de mel.
Chegando o dia, todas as famílias participantes foram à casa do amigo. Ajudamos a organizar tudo, a mesa, as toalhas brancas, os pratos todos iguais, os talheres que cada grupo levou, as guarnições da ceia.
E alguém chegou e colocou música natalina no aparelho de som. E o dingobells e a noite feliz tocaram até a gente ficar enjoada.
Quando a mesa estava pronta, mas sem as carnes, que só chegariam mais tarde da padaria, onde estavam sendo assadas, o chefe da festa chegou e começou a comandar todo mundo. Disse que a ceia seria exatamente à meia noite, e ainda faltavam duas horas. Duas horas!
 Havia seguramente umas quarenta crianças, pois cada família tinha de três a quatro crianças de cinco a doze anos. Enquanto havia pique, os meninos correram e suaram tudo que tinham direito. Depois, o sono veio chegando junto com a fome. E o organizador fazendo discursos...
Aí, alguém teve a idéia de ligar a tevê. Era show de fim de ano do Roberto Carlos. Um de meus filhos gostava de ver esse programa, mas nessa noite nem o Roberto conseguiu despertar os meninos do sono, do cansaço e da fome. Uns e outros se recostaram no sofá ou no chão mesmo, e dormiram. Dormiram a sono solto, por mais de uma hora...
Nessa altura do campeonato, meus filhos queriam ir embora: “Vam’bora, mãe! Tou com sono! Vam’bora, pai! Tou com fome!”
E aí, o chefe nos convocou para a ceia. Todos saíram meio cambaleando de sono e de fome.
Quando todo mundo pensava em destrinchar os frangos, os perus e a leitoa, que estavam dourados no centro da mesa, o homem resolveu ler a Bíblia. Não me lembro do texto que leu, e das orações que fez, mas foi chato prá caramba, porque naquele momento não cabia mais nada. A paciência já era.
Enfim, quando deram o sinal de atacar, os meninos pegaram cada um uma coxa de frango e saíram comendo.
Aí, eu senti o cheiro. Cheiro de coisa podre. Dei o alerta.
Cada mãe começou, num frenesi, a tomar os pratos dos filhos e conferir as carnes. Os frangos estavam estragados e cheirando mal. Os meninos com tanta fome nem perceberam nada. Foi simplesmente desagradável. Doze frangos  crocantes estragados, que foram pro lixo...
Por sorte, o peru estava normal assim como a leitoa. Mas, a maioria nem conseguiu comer carnes depois da cena dos frangos. O cheiro ficou no ar.
Por que se estragaram os frangos?
É que ninguém possuía freezer, e os frangos temperados de véspera ficaram azedando nas temperaturas altíssimas do verão de dezembro. Fora da geladeira...
Depois disso, nunca mais participei de Ceias de Natal.
Ficou na minha lembrança, a imagem confusa dos meninos sonolentos e famintos, misturada à imagem de um homem obsessivo que, insistia em fazer uma pregação no meio da noite, quando todos só queriam ir para casa dormir.
Foi a Ceia de Natal mais deprimente que participei.
E nunca mais caí em outra.
  
Mirandópolis, dezembro de 2012.
Kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”

Um comentário:

  1. Muitas coisas acontecem em reuniões de festas, as vezes saem até brigas e uma falação, eu também prefiro um belo jantar na sua casa e junto com sua familia que se aturaram o ano todo, tem mais que ficar juntos nesse dia e principalmente na virada do ano.Ainda bem que perceberam em tempo o risco que poderia ter todo mundo, graças a Deus que nada ocorreu, só foi a raiva e o cansaço. Paz no Natal e Próspero ano NOVO. Felicidades

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