quarta-feira, 12 de dezembro de 2012


Memórias de dona Severina

Severina é uma menina que nasceu em 1921 em Jacobina na Bahia, filha de pais pernambucanos. Sua mãe chamava-se dona Ernestina Barbosa de Luna e seu pai Misael Leandro Alves, cujo nome ficou eternizado numa das ruas da cidade de Mirandópolis. Seu Misael foi o primeiro barbeiro daqui. 
 Seus pais eram meio nômades, mudando-se de um lugar para outro, em busca de trabalho e melhor lugar para se morar. Assim, quando a Severina tinha mais ou menos cinco anos de idade, mudaram-se para a cidade de Cedro no Ceará, e logo depois para Bodocó, perto de Nova Exu, em Pernambuco.
Em Bodocó, Severina estudou um pouco com a Professora dona Videlina, com quem iniciou a alfabetização.
Quando Severina tinha onze anos, a família se emigrou para o Estado de São Paulo, vindo a fixar-se na Fazenda Pio Prado, na região de Araçatuba. Ali foram colonos de café, e Severina aprendeu a derriçar e abanar os grãos dos cafezais. Tarefa difícil demais, mais ainda para uma menina adolescente.                                          
Dez meses depois, mudaram-se para a Fazenda Santa Helena, em Aguapeí, município de Valparaíso, também para se dedicar à lavoura de café. Em Aguapeí, estudou um pouco mais com a professora Nicácia. Nessa época, o pai Misael cortava os cabelos de todos os membros da família e, ensinava a leitura para quem quisesse aprender. Mas, para a Severina, escola foi só até aí, com a professora Nicácia. E ela aprendeu a ler e a escrever.
                                        Em 1935, vieram para Mirandópolis.
Aqui era tudo mata fechada, sem ruas e com pouquíssimas casas.
 Havia um pedaço de clareira desmatada por Manoel Alves de Ataíde, o fundador da cidade, e lotes à venda. Em volta da clareira era tudo floresta virgem, cheia de imensas árvores e tabocas, e havia bichos como onças rondando. Para espantá-los, o senhor Ataíde fazia uma imensa fogueira e estourava bombas.
Seu pai e seu tio compraram duas datas de Manoel Alves de Ataíde, na Rua do Comércio, atual Nove de julho, onde hoje estão instaladas a Loja de Marcos Calçados e a Tipografia Alves do nosso amigo Paulinho. Construíram no local, casas de barro, e mais tarde transformaram-nas em casas de tijolos.
Misael Leandro Alves trabalhou um tempo na Serraria de Belmiro Jesus, ali nas proximidades do Nilton Supermercados, na Rafael Pereira. Ao construir sua casa, porém, instalou num anexo o seu Salão de Barbearia, e começou o ofício de barbeiro. E a dona Ernestina sua esposa fazia rendas de bilro, que havia aprendido lá no Norte.
          
Com 19 anos de idade, Severina casou-se com Benedito Santos, que viera com o irmão Porfírio da cidade de Colina. Porfírio era lenheiro e Benedito tinha uma Alfaiataria, onde hoje existe a Padaria do Antonio, na Rafael Pereira. Porfírio foi o primeiro taxista da cidade.
Dona Severina se encantou com o Benedito, que ficou conhecido como Ditão na praça. Era um homem negro, alto, vaidoso e muito elegante em seus ternos de linho branco, que ela passava com esmero, usando ferro de brasa.
Quando se casaram, dona Severina e o senhor Benedito foram morar numa casa de tábuas, na esquina da Rua Nove de julho com a Domingues de Souza, onde hoje está o Bar do Rosalem. Para ajudar no orçamento familiar, dona Severina lavava e engomava ternos, que eram roupas de uso do cotidiano na época. Ela tinha clientela fixa, porque o marido confeccionava ternos e ela zelava deles.
 Com o casamento vieram os filhos: Ana Edite, cujo parto foi realizado pelo Dr. Frederico Freires em casa mesmo, porque não havia hospital; a Valdeíte Inês, que também nasceu em casa sob os cuidados da famosa Parteira dona Júlia Cabrini; e o Vanderley que nasceu na Maternidade Santa Terezinha, sob a assistência de Dr. Macoto Ono. Ana Edite viria a falecer  alguns anos depois.
No dia sete de março de 1950, foi instalado o Ginásio Estadual de Mirandópolis, que teve início como Escola Normal Municipal de Mirandópolis, lá atrás da linha, na Avenida Dr. Raul da Cunha Bueno.

O senhor Savero Tramonte, que era Vereador na época, e cliente de dona Severina na lavagem de ternos, indicou-a para trabalhar no Ginásio como faxineira. Também começou na mesma função o senhor Sílvio Marchi.  A dona Terezinha e o senhor Jorge Cury foram designados Inspetores de Alunos.
 O Diretor provisório era o senhor Neif Mustafa, até a chegada do Diretor efetivo, Pedro Perotti Neto, que veio de São José dos Campos. Então, o senhor Neif assumiu o cargo de Secretário da Escola, tendo como Escriturários Auxiliares, o senhor Benedito Paschoal e Wilson Monteiro.

Havia quatro salas de aulas, banheiros, pátio, salas da Direção e da Secretaria, além de uma pequena Biblioteca, que a dona Severina e o seu Sílvio Marchi tinham o dever de manter limpos. A escola funcionava de manhã e à tarde. Por anos, o Ginásio funcionou ali, mas a população cresceu e aumentou o número de alunos, mesmo porque vinham ainda, muitos estudantes de Lavínia e de Guaraçaí.
Dessa época, dona Severina se lembra dos professores: Júlio Mazzei de Educação Física, Dalva Monteiro Colaferro de Geografia, Francisco de Assis Neves de Latim, Maria Ernestina Barbosa de História, Dirce Jodas Gardel de Português, dona Florinda de Francês, Carlos Roberto de Pádua de Desenho, dona Sílvia Ferraz de Abreu de Trabalhos Manuais e de dona Rhada, que fez uma belíssima demonstração de Ginástica Rítmica com as alunas da escola, no antigo campo de beisebol do Clube Nipo.

Lembra também de alguns alunos como: Carlos de Sylos, Edna Galvani, Nilton Orsi, Angélica Giometti e Juracy Carvalho, ambos de Lavínia, Zenaide e Zenilde Eid, Junichi da Aliança, João e Seimi Sadano, Neusinha Leite e Silvina Viana. Sobre esta, ela se lembra que a mãe foi pedir ajuda para o Diretor Perotti, para que ela pudesse estudar, pois não tinha condições de mantê-la na escola. Seu Perotti autorizou as irmãs Silvina e Rachel a prestarem os exames de Admissão ao Ginásio, e a Silvina passou em primeiro lugar.
Com a assistência da Caixa Escolar elas puderam estudar. A Silvina seria uma competente Professora de Português, justificando o investimento  e atuando na Escola em que estudou.     
Dona Severina se lembra do dia que a dona Noêmia chegou para dar aulas no CENE. Ao ser apresentada ao Diretor Pedro Perotti, ficou muito impressionada pela beleza e finesse do Perotti. Acabou terminando um noivado anterior, para se casar com o Diretor da escola.
Em 1961, o Ginásio se transferiu para o novo prédio, onde está o CENE até os dias de hoje. Havia oito salas de aulas, e passou a funcionar em três períodos: manhã, tarde e noite. Também foram nomeados mais faxineiros: seu Zezé e Cruz Martins, além do Inspetor de Alunos Valter e o Secretário passou a ser Abílio Candil.   
                           
 Além do Curso Normal para Formação de Professores Primários, que foi encampado pelo Estado, passou a funcionar também o Curso Colegial em duas modalidades: o Científico e o Clássico.
Como o funcionamento abrangia o período noturno, dona Severina também teve que trabalhar à noite. Lembra que tinha que deixar as salas limpas, para as aulas do dia seguinte. E até deixar tudo em ordem passava da meia noite, mas o seu marido Benedito ia buscá-la, e muitas vezes ele acabava ajudando-a.
Dessa época, dona Severina se lembra dos professores: Antonio Sanvito, Kazuo Kawamoto, Toshio Suguisaka, dona Helga, dona Irene Jacobs, Valter Teixeira, Walter Victor Sperandio, dona Celina, Lucy e Odair Dornellas, Joaquim Pompílio, Gabriel Tarcizzo Carbello e Jorge Chain Rezeke.
De alunos tem uma lembrança engraçada do Zapata. Ele lhe pedia para deixá-lo na sala de aula durante o recreio: “Pelo amor de Deus, dona Severina me deixa ficar aqui, para ver se a desgraça da Matemática entra na minha cabeça!” Naqueles tempos, os alunos eram muito preocupados com o rendimento escolar. Mas pelas normas da Escola, não podiam permanecer na sala de aulas durante o Recreio.  E o Perotti era inflexível.
Lembra também do Antonelli Antonio Secanho, que era muito estudioso e mais tarde seria Promotor Público. Dona Severina diz que os alunos eram muito educados e atenciosos e nunca teve problemas com eles, durante os trinta e dois anos que varreu e limpou as dependências da escola, para que o ensino ocorresse confortavelmente para todos.
Além da função de Servente, dona Severina administrou também a Cantina do CENE, durante um certo tempo.
Nas comemorações do Dia das Mães havia festa na escola toda, comandada sempre com muito entusiasmo pela dona Noêmia. E no Dia dos Professores, os alunos sabiam homenagear os professores, com muita festa.
Era um tempo bom, pois havia muito respeito e cordialidade.

Quanto à família, diz que ficou bastante orgulhosa quando a filha Valdeíte se formou Professora, e ficou muito feliz quando nasceram os netos e bisnetos. Só lamenta que o filho Vanderley não tenha estudado, pois desde cedo optou pela carreira de jogador de futebol.
A partir dos dezesseis anos, o filho passou a ser jogador, e como tal jogou em times famosos como: Comercial de Ribeirão Preto, Bangu do Rio de Janeiro, Atlético de Curitiba, XV de Jaú, XV de Piracicaba, Juventus, Misto de Cuiabá, Penapolense, Ipiranga da Bahia, Sergipe Esporte Clube, Corinthians Esporte Clube, Portuguesa de Desportos. Quando jogava no Juventus esteve no Japão e na Europa. Esteve também no Japão como Técnico do XV de Jaú.
 Toda vez que ele jogava, dona Severina ficava em casa torcendo por ele. Após parar de jogar, Vanderley trabalhou um tempo como Técnico, e atualmente está aposentado, mas sempre envolvido com o futebol à cata de talentos.
Seu Ditão faleceu em 1993, com 77 anos de idade. Nessa época já não era alfaiate, porque apareceram as roupas prontas nas lojas, e a moda era outra. Passou a fazer Corretagem de carros, fazendas e casas.  Fez muitas transações com gente de posses da cidade. Para dona Severina foi um bom companheiro.
Do seu tempo de juventude ela lembra que dançou muito e, seus parceiros foram Alcino Nogueira de Sylos, Elias Alagoano e José Silvino, de quem foi  muito apaixonada antes de conhecer o seu marido.
Lembra também que seu pai ajudou a desmatar a redondeza para construir o Estádio Municipal, a Estação Ferroviária e o Cemitério local. Lembra que o primeiro enterro foi do menino Raimundo de oito anos, filho de Fortunato Vieira.
 A amiga mais querida foi a senhora Floripes, que era costureira, mãe do nosso amigo Ademar Bispo. Também foi amiga de Anésia do Edézio. Lembra com saudades das festas de São João, promovidas pelo fundador Manoel Ataíde, que fazia uma imensa fogueira e todo mundo participava.
Ainda tem uma comovente lembrança do seu Manoel Alves de Ataíde. Quando o fundador morava sozinho, perto da Escola Dr. Edgar, dona Severina levava o almoço de Natal para ele. Ele já estava velho, pobre e sozinho, ele que fora o fundador de nossa cidade, a que inicialmente chamou de São João da Saudade.
Conheceu Dr. Massayuki Otsuki, Dr. Edgar Raimundo da Costa, suas esposas e muita gente mais.
Agora aposentada, passa um tempo com a filha Valdeíte e o genro Lupércio (filho do saudoso Professor Durval Nery Palhares) em São Paulo, e outro tempo com a nora Vera e o filho Vanderley, em Mirandópolis.
Sua nora Vera Lúcia Rodrigues (a popular Verona) natural de Ribeirão Preto está aposentada como funcionária da Prefeitura, onde trabalhou na área da Saúde.
Devido aos longos anos varrendo as salas de aula, dona Severina adquiriu bursite e problemas na coluna, que dificultam seus movimentos, e por causa da idade não sai mais sozinha. Mas, leva a vida numa boa, de bem com todos e relembrando o passado com saudades. A maior alegria de dona Severina agora é estar perto dos netos e bisnetos.

Dona Severina, peregrina do Nordeste brasileiro, veio menina e acampou em Mirandópolis. Aqui pelejou e construiu sua vida e sua história, participando da vida de milhares de jovens, que passaram pela Escola Noêmia Dias Perotti.
Hoje com noventa e dois anos se tornou memória viva da cidade.                                                                                                                                                                                                          Memória fabulosa!

Mirandópolis, 27 de novembro de 2012.
Kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”

 Legenda de fotos:
1.     Severina fantasiada para o Carnaval,
2.     O povoado de Mirandópolis em 1939,
3.      Casamento de Severina com o Benedito Santos em 1940,
4.  O antigo Ginásio com professores e alunos,
5.  Professores do antigo Ginásio, dentre os quais se destaca o Diretor Pedro Perotti Neto, o Secretário Neif Mustafa, o Professor Júlio Mazzei e o Inspetor de Alunos Jorge Cury,
6.     Ginástica Rítmica pela Profª Rhada,
7.     Professores e Funcionários do CENE, dentre os quais, o prof. Valter Teixeira, Walter Sperandio, Zezé Franco, dona Terezinha, Izaura, Sílvio Marchi, Joaquim Pompílio, Romualdo Galvani, Tokiko Yamamoto, Marly Queiroz, Irene Jacobs, Jorge Chain Rezeke, seu Zezé e no centro a própria dona Severina,
8.     Com a nora Vera Lúcia,
9.     Severina Alves dos Santos.

Um comentário:

  1. Fui aluno no CENE, e convivi com essa ilustre cidadã e parabens pela história maravilhosa. Abraços.

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