Gente
de fibra – Kawasaki sama
Como ela sempre só conversava em japonês, eu tinha grande receio
em me aproximar dela, porque é uma pessoa muito considerada entre os japoneses.
Era um misto de medo e reverência.
Enquanto esperava passar o tempo do procedimento a que me
submetera, peguei um livro e comecei a ler. Era um livro japonês. E aí, ocorreu um fato inacreditável.
Essa senhora com quem nunca havia conversado, veio até mim e
perguntou o que eu estava lendo. Eu lhe mostrei. Era a biografia de um dos heróis
do Japão, Oda Nobunaga. Ela pegou o livro, folheou-o, e disse que era
exatamente o tipo de leitura que gostava, e ficou muito admirada por eu gostar também.
Terminado o serviço, voltei pra casa e esqueci o assunto da
batiam. Qual não foi minha surpresa, quando sua nora Kazuko me apareceu em casa
daí uns dias, perguntando se eu poderia emprestar o tal livro para a sogra. Eu
lhe emprestei, e disse que possuía outros.
E isso foi o começo de uma relação agradável, que passei a
cultivar com a senhora Kawasaki. Através de uma Livraria de São Paulo, compro
livros originais, que os importa do Japão para mim. Estudo a Língua Japonesa há
mais de vinte anos, e atualmente, estou lendo livros da História Oficial do
país de meus ancestrais. Enquanto vou aprendendo a língua, vou conhecendo
também a História do Japão, que é muito interessante.
Assim, andei lhe emprestando livros sobre os Samurais mais
famosos, que mudaram a história do Japão: Takeda Shingen, Minamoto Yoshitsune,
Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi, Tokugawa Ieyassu, Saigo Takamori, Uesugi
Kenshin, Sakamoto Riyoma, além dos literatos Higuchi Ichiyo, e Miyazawa Kenji e
do famoso cientista Noguchi Hideyo.
Fiquei super feliz em compartilhar as leituras, porque até então, não tinha com
quem trocar as impressões sobre esses heróis.
Ah! Devo esclarecer a bem da verdade que, esses livros são
destinados aos alunos do Curso Primário do Japão, e possuem poucos kanjis ou
ideogramas, por isso sou capaz de lê-los. A língua japonesa é dificílima. A
senhora consegue ler tudo em japonês.
Devagarinho, comecei a frequentar a casa dos Kawasaki, porque a senhora estava acamada por conta de um tombo, e hoje evita sair sozinha, porque já passou dos noventa anos.
Devagarinho, comecei a frequentar a casa dos Kawasaki, porque a senhora estava acamada por conta de um tombo, e hoje evita sair sozinha, porque já passou dos noventa anos.
E numa das visitas, de repente ela começou a contar
passagens de sua vida. Fiquei fascinada e lhe propus uma entrevista para a
coluna Gente de fibra. Ela topou. E passei uma tarde muito agradável em
companhia dela, do filho Sadao e da gentil nora Kazuko. Vimos fotografias
antigas, e rimos muito das coisas engraçadas, que ela foi revelando. E descobri
que ela é uma pessoa bem humorada, sem restrições, e aborda qualquer assunto
com coragem, sem nenhum acanhamento.
Bem, agora após esses esclarecimentos, passo a contar a
história dela. Estamos falando da senhora Kimiko Kido, que ao se casar passou a
ser Kimiko Kawasaki.

Era criança e ficou fascinada com os vagalumes que pisca
piscavam ao anoitecer, e como havia muitas bananeiras e laranjeiras gostou do
lugar. Sua irmãzinha de cinco ou seis anos, porém chorava pedindo para voltar para
casa (Japão).
Ficaram durante dois
anos em Água limpa.
Seus pais ouviram
falar de uma Vila chamada São João da Saudade (primeira denominação de
Mirandópolis), que estava prosperando rapidamente. E se mudaram para cá, vindo
morar inicialmente em Vila Nova. Os tios foram para o Bairro Km 50, que seria o
projeto da cidade de Mirandópolis. Era um lugar bastante movimentado em
1934/1935.
No Km 50, seus tios
Kido abriram uma Sapataria que logo prosperou.
Então, a família de dona Kimiko também para lá se mudou, e o pai passou a
trabalhar com os irmãos na Sapataria. Sua mãe, que era costureira passou a
bordar uns enfeites nas botinas.
Nessa
época, a menina Kimiko frequentou a Escola japonesa ou Nihongô Gakko, onde um
pai e a filha Katsuki eram professores. Eram muito eficientes e a menina Kimiko
completou os estudos até o equivalente ao Colegial. Foi matriculada na Escola
brasileira também, mas ela não gostou porque a professora Maria tomava a
tabuada, e como errava sempre, ficava todos os dias de castigo, atrás da porta.
E quando estava sentada na carteira, ao invés de prestar atenção na aula,
ficava lendo revistas japonesas pela fresta que havia no tampo da mesa. Ela
escondia a revista na parte de baixo, onde se guardava a bolsa. E com essas e
outras, acabou desistindo da Escola brasileira, aprendendo somente o básico
para se comunicar com as pessoas, mas sabe escrever e ler em Português.
Quando moça, fez o Curso de Corte e Costura e passou a
costurar para a família.
Em 1943 já morava na Rafael Pereira e foi solicitada para
dar aulas de Língua Japonesa. E ela dava aulas particulares para duas meninas.
E tinha que atravessar cafezais para chegar às casas. Hoje, ela mesma se
espanta da própria coragem, pois aulas em Japonês estavam proibidas nesse
período de guerra, por um Decreto do Getúlio Vargas, para que os japoneses
daqui não conspirassem contra os brasileiros e os aliados.
Com vinte e dois
anos de idade, casou-se com o jovem Toshio Kawasaki, que era um mecânico e
trabalhava numa Máquina de beneficiar arroz, lá na Segunda Aliança. Como era
uma pessoa curiosa e habilidosa, ele havia inventado uma máquina para fazer
mortadela. Sabia também consertar máquinas de costura, e um dia ele reformou a
máquina alemã Pfaff da senhorinha Kimiko. Mais tarde, quando um alfaiate viu a
máquina ofereceu uma Singer nova, e a dona Kimiko fez a troca.

Em 1945, o senhor Toshio comprou uma pequena Relojoaria, que
viria a ser a Relojoaria Kawasaki, que está no mesmo lugar atendendo à
comunidade há sessenta e oito anos, atualmente sob a direção de Sadao, ou seja na
segunda geração da família.
Entretanto, essa vida tranquila seria um dia interrompida, por um acontecimento insólito. Quando o filho Sadao concluiu um Curso de Ótica, que havia ido fazer em São Paulo e voltou para casa, o pai Toshio faleceu de repente. Tinha só quarenta e seis anos, e o Sadao era um jovem de apenas 21 anos de idade.
Entretanto, essa vida tranquila seria um dia interrompida, por um acontecimento insólito. Quando o filho Sadao concluiu um Curso de Ótica, que havia ido fazer em São Paulo e voltou para casa, o pai Toshio faleceu de repente. Tinha só quarenta e seis anos, e o Sadao era um jovem de apenas 21 anos de idade.
Seu Toshio Kawasaki partira e deixara para o filho mais
velho, o encargo de cuidar da mãe e dos quatro irmãos, ainda adolescentes. O
jovem ficou totalmente desnorteado, sem saber como administrar a loja e tocar a
vida. Foi então, que o primo Takeshi Kido, o mesmo Dr. Kido que serviu a
comunidade mirandopolense como odontologista, veio socorrer o jovem Sadao. Dr.
Kido que, à época estava com 28 anos de idade durante um bom tempo, foi
orientando o jovem Sadao na administração da loja, até ele conseguir caminhar
sozinho.
Por essa ajuda providencial, ocorrida num momento tão
crucial, a senhora Kimiko e o filho Sadao dizem que, sentem uma gratidão imensa
e nunca poderão esquecer. Têm um carinho especial pelo Dr. Kido.
As irmãs também ajudaram muito na loja, para que o Sadao pudesse se dedicar ao serviço de Ótica, atendendo a clientela, que comparecia para aviar receitas de óculos.
Com 31 anos de idade, Sadao se casou com a senhorita Kazuko
Kasaya que procedia de Pereira Barreto. Desse matrimônio nasceu o filho
Ricardo, que por um problema de genética perdeu totalmente a acuidade visual.
Dona Kimiko conseguiu casar todos os filhos, e hoje tem além
dos filhos, noras e genros, mais oito netos e dois bisnetos.
Enquanto encaminhava os filhos, dona Kimiko participou de
todas as atividades da Comunidade Nipo local. Foi Presidente do Clube das
Senhoras (Fujinkai) por cinco mandatos, foi Vice Presidente, Secretária e
Tesoureira. Sempre colaborou com a Associação, juntamente com as companheiras
Sunada, Kawamoto e Toyoshima, todas já falecidas.
Como apreciava danças japonesas, durante dois anos tomou
aulas de dança com o Professor de kabuki, Kojima Sensei. Ela e suas
companheiras de dança vendiam comida japonesa para pagar as aulas do Professor.
O Professor vinha de São Paulo e se hospedava nas casas dos japoneses locais.
Um dia, ela e suas companheiras, juntamente com todos os
associados resolveram fazer uma promoção de udon, e isso fez tal sucesso, que
até hoje há promoção de udon e yakissoba
mensalmente, no Clube Nipo.
Quando era jovem, o pai Toshio gostava muito de cantar. E ao
adquirir a Relojoaria, passou a vender os discos de vinil de 78 rotações. E
logo, apaixonados pela música japonesa, ele e seus vizinhos Eiji e Paulo Sato começaram o
Nodojiman, ou Concurso de Canto Japonês. O primeiro Nodojiman aconteceu em 1954
ou 1955 no antigo Cine São João, que era na Rua 9 de julho, ali ao lado do
Maeda, abrilhantado pela Banda Musical Tietê, de Pereira Barreto.

Hoje, a Banda foi substituída pelos aparelhos potentes de
karaokê que existem, e o grupo foi disperso.
Mesmo assim, todos sentem saudades daqueles tempos, em que cada um dava
o melhor de si, para abrilhantar as festas.
A senhora Kawasaki dançou Danças famosas do Japão e foi
muito aplaudida, porque desempenhava bem o seu papel de dançarina. Existem muitas fotos comprovando a qualidade
de suas danças. Hoje com mais de noventa anos de idade, e após fraturar várias partes do corpo, ainda vive com
coragem e disposição admiráveis, sempre se cuidando e se enfeitando para ficar
bem apresentável. Disse que viveu uma vida longa e boa e é grata a Deus. Não
tem mais nenhum sonho, apenas que Deus olhe o seu neto Ricardo, que por não
enxergar, sempre é a sua maior preocupação.

Kawasaki sama, que dedicou parte de sua vida cuidando do
neto Ricardo, senhora sábia, que foi um dos pilares do Clube Nipo, que deu
aulas de Japonês, que jogou gate ball por anos e anos, que liderou por décadas
a cultura da Colônia com os Nodojiman, com as Danças, com os Bom Odori e com as
Promoções Sociais, que vive em perfeita harmonia
com a nora Kazuko, com o neto e o filho Sadao, é sem dúvida alguma, um exemplo
de vida.
É acima de tudo, Gente de Fibra!
Legenda:
01- Senhora Kimiko Kawasaki atualmente
02- Famíla Kido em Vila Nova Mirandópolis - 1934
03- Senhoras do grupo de dança japonesa
04- Banda Musical do Clube Nipo
05- Time de gateball
06- Senhora Kawasaki numa apresentação artística
É acima de tudo, Gente de Fibra!
Legenda:
01- Senhora Kimiko Kawasaki atualmente
02- Famíla Kido em Vila Nova Mirandópolis - 1934
03- Senhoras do grupo de dança japonesa
04- Banda Musical do Clube Nipo
05- Time de gateball
06- Senhora Kawasaki numa apresentação artística
Mirandópolis, dezembro de 2013.
Kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/