sexta-feira, 22 de novembro de 2013



                Gente de fibra – Lió

       O cidadão mais conhecido de Amandaba atualmente é o Lió.
         Lió e o apelido do baiano Leopoldo José Santana. Nasceu lá nas terras do cacau num lugarzinho chamado Xapuri, perto de Canavieiras, Bahia em 24 de abril de 1934 tendo, pois 79 anos de idade. Este cidadão administra um famoso Restaurante de comida caseira no Bairro de Amandaba,em Mirandópolis.
       Quando lhe pedi uma entrevista,  seu Lió resistiu dizendo que a sua história é muito triste e não valia a pena contá-la. Depois de alguma insistência, concordou.
        Lió nasceu numa família de posses, seu pai havia sido polícia em Canavieiras, que fica perto do mar e possuía uma fazenda de cacau, manga e gado. Como havia vinte e dois filhos, todos tinham que trabalhar muito desde crianças. E colhiam o cacau, que era colocado nos caçuás para levar até a baica, que era uma espécie de terreirão. Depois de colhido, o fruto era partido para se retirar as amêndoas. Estas ficavam empilhadas na baica para esgotar o vinagre que contêm.  Esse vinagre também tinha sua utilidade. Só então eram espalhadas na baica para a secagem. À noite, eram colocadas dentro de um galpão coberto, de onde eram retiradas no dia seguinte até a secagem final. Quando estavam prontas, as amêndoas eram ensacadas e despachadas para o porto, para serem exportadas.   Havia muito trabalho, mas a família vivia bem porque todos pelejavam, e tinham uma vida mais ou menos confortável.
    
     Mas, aconteceu um fato que arrasou com o destino da família. Perto da  fazenda, havia um grupo de índios e bugres que criavam porcos. Estes não eram alimentados e, movidos pela fome vinham até a fazenda de seu  Ceciliano José Santana, pai do Lió e comiam toda a mandioca que era para o consumo da família.  Certo dia, seu Ceciliano perdeu as estribeiras e matou todos os porcos. Os índios deram parte e o pai foi preso. A mãe desesperada com isso, juntou todo o dinheiro até as últimas moedas, e conseguiu que um advogado o liberasse. Quando os índios souberam de sua soltura, vieram todos armados de arco e flecha para matar o seu Ceciliano. Este, que era um homem forte estava armado de um clavinote, que era uma arma poderosa de fogo da época, e enfrentou os vizinhos. E disse que mataria a todos, se não saíssem de sua propriedade. Com medo da arma, os índios recuaram, mas o chefe deles rogou uma praga: “Você está livre dessa, mas vai perder tudo e vai passar necessidade nesse mundo”
         A praga pegou, o homem ficou doente, o gado foi morrendo, o cacau não deu mais e por fim, perderam a fazenda. Sem ter a quem recorrer, a família atravessou o sertão e foi parar num lugar chamado Bonito. Com o pai doente, os filhos enfrentaram a vida trabalhando onde houvesse quem os contratasse. Não havia escola no lugar, e a vida de todos era só trabalhar. Passaram muita fome. Lió e os irmãos iam pelas fazendas próximas moer cana, conduzir boiada para vender por léguas e léguas, às vezes demorando mais de um mês para voltar. Não tinham onde dormir, e a roupa era só a que tinham no corpo. Quando voltou de uma dessas duras viagens, o pai havia falecido.
         Desgostoso com tanto sofrimento, despediu-se da mãe e veio para o Estado de São Paulo, prometendo ganhar dinheiro para lhe enviar. Veio parar em Machado de Mello em 1949. Tinha apenas 14 anos de idade, mas já havia sofrido muito. Anos mais tarde, Lió foi ver a mãe lá na Bahia.
         Ninguém queria contratá-lo por ser menor de idade... Aí, foi trabalhar para o senhor Wada que tinha um sítio de cafezal perto do bairro,  e uma Máquina de beneficiar café em Mirandópolis. Perto do pontilhão existia a Serraria do senhor Matias. E lá trabalhava  o carreiro Borges, que buscava toras para a Serraria. Esse Borges morava num rancho, perto do Grupo Escolar de Amandaba, e o Lió foi morar com ele. Cada vez que chegava das viagens, o seu Borges trazia mudas de árvores, que o Lió foi plantando em volta da casinha. Hoje é  aquela matinha que existe perto da Escola, com dezenas de árvores.
          O tempo passou e o Lió já mais forte e mais maduro foi contratado para fazer derrubadas de matas, para os fazendeiros da região. Trabalhou na Fazenda Tingoré em Andradina. Derrubou matas até a beira do Rio Feio, para formar cafezais na Fazenda São Caetano do senhor Milton Gottardi. Trabalhou também montando as enormes torres de energia elétrica e atuou em Marília, Vitória do Espírito Santo, Rio de Janeiro. E na Ilha Solteira furou muitos buracos para fixar as bases das torres. Torres essas, que cruzam todo o espaço brasileiro levando energia para os diversos lugares.
       Lió trabalhou também para o senhor Luís Marcondes, ajudando-o a colocar telhas e o relógio na Igreja matriz de Mirandópolis. Lembra que o padre Epifânio não dava folga, cobrava perfeição no serviço e sempre lhe chamava a atenção. Implicado com as exigências do velho padre, Lió costumava esperar o momento certo, para jogar um pouquinho de massa na cabeça dele, de lá do alto da torre, só para provocá-lo.
                Conheceu a moça que seria sua esposa, a dona  Duzolina,  quando ela derriçava café para os Gottardi. Com ela, tiveram sete filhos, dos quais dois são falecidos. Dentre os filhos há um encarregado de uma firma para a qual trabalha, o outro tem Mercearia, e uma das filhas é Enfermeira. Todos os filhos são casados e colaboram nos trabalhos do Restaurante, e mesmo os que trabalham fora ajudam nos finais de semana, quando o movimento é maior. Além dos cinco filhos, genros e noras, há catorze netos e onze bisnetos.
         Há uns trinta anos, cansado de batalhar na lavoura, seu Lió comprou o prédio do seu Paulo Kanamaru, que tinha uma Sorveteria. E aí instalou um barzinho, onde vendia peixe frito e cerveja. E o Bar caiu no gosto do povo, mais precisamente da moçada de Mirandópolis. E quem não conhecia, perguntava onde era o barzinho de peixe frito. E as pessoas de Amandaba respondiam: “É ali, ó!” E foi assim que o homem ficou com o apelido de Lió. Com a frequência de consumidores aumentando, seu Lió resolveu fornecer comida também. E a família toda se envolveu no atendimento ao público. E  o cardápio era bem simples, composto de arroz, feijão, farofa, pururuca, salada, carne de porco frita e frango frito.  E há seguramente quase três décadas que, essa refeição está garantindo o sucesso do Restaurante do Lió. Tem assíduos consumidores, que vêm de Andradina, Araçatuba, Guaraçaí, Mirandópolis... até de São Paulo.
         Mas, não havia espaço suficiente para servir a clientela. Seu Lió plantou centenas de árvores na esplanada da velha Estação ferroviária abandonada, e instalou mesas sob o arvoredo. E assim está usufruindo de um espaço que estava perdido e cheio de mato. Sua obrigação é manter o local limpo e seguro. Há dezenas de mesas rústicas ao ar livre, que ainda são insuficientes em certos dias de domingo e feriados.
         O Restaurante só começa a atender a partir das dez horas da manhã, e fornece marmita para quem não pode ir até lá.  Só fornece comida durante o dia, à noite não. Normalmente, fornece de 200 a 300 refeições por semana. E quem as prepara são a sua esposa dona Duzolina, seu filho Valdete, as noras Jo, Shirlei  e a ajudante Maria. Todos os membros da família ajudam atendendo às mesas, preparando e entregando marmitas e na faxina final. Toda a família come no restaurante.
         Seu Lió não nega um prato de comida a andarilhos que passam por lá. É que ele já passou muita fome com a família, e sabe como é duro para um pai ,não ter um pão para saciar a fome de um filho. E toda vez que ele se lembra desse pedaço de sua vida não consegue segurar as lágrimas. Chora de verdade...
      E aí bate umas saudades dos antigos moradores de Amandaba... Seu Adelar Junqueira, seu Paulo, seu Nelson, Zezão açougueiro, Seu Nelson Yurasseck... que tinha uma farmácia bem ali do lado do Restaurante, quando o seu Paulo  Kanamaru tinha o Bar e Sorveteria.
      Hoje ele possui algumas casas no bairro e uma chácara, que está ajeitando devagarinho. Seu maior sonho é ajeitar o Restaurante, com uma cozinha bem equipada, para dar conforto aos que lá labutam.
         Já beirando os oitenta anos de muito trabalho e sofrimento demais, seu Lió ainda é uma potência de coragem e disposição, mas quando se toca no seu passado de jovem, ele chora sem poder exprimir tudo que sofreu nessa vida.
         Leopoldo José Santana, o famoso Lió de Amandaba, baiano arretado de bom e muito querido por todos os seus amigos e clientes, por tudo que já passou e venceu é um homem de fibra!

         Mirandópolis, novembro de 2013.
         kimieoku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


         

4 comentários:

  1. Parabéns pela lembrança do Sr Lió, figura simpática e bondosa. Mereceu sua atenção Kimie, e bela história de sua vida de muita luta. Abraços do amigo Dinho.

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  2. lio me da sua camiseta

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  3. lio vc e parca do celio pede pra ele vim buscar o pessoal de busao junto com o sandrao

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  4. fala pro lio q qualquer dia desse vou la roubar o bar do lio prefiro o bar do brito

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