terça-feira, 5 de fevereiro de 2013




         Sua sina é cantar até morrer

     Descobri recentemente que as galinhas foram os primeiros bichos domesticados pelo homem. É que são mansas e só atacam quando em perigo.
         E desde os primórdios dos tempos, elas têm servido ao homem, fornecendo-lhe a proteína leve, de origem animal que é necessária à sua alimentação.
 E todos os dias, a humanidade consome os seus derivados,  em forma de frango a galeto, frangos recheados com farofa, canjas de galinhas que caem bem nas noites frias de inverno, frango xadrez com pimentão e amendoim, frango com gengibre e shoyu... E os ovos? Sem eles, seria impossível as confeitarias produzirem grande parte de guloseimas... Sem contar com as penas, que são bem aproveitadas para encher travesseiros e almofadas, além de serem aproveitadas em decoração.
Quando se fala em galinha, sempre retorno à minha infância nos anos cinquenta, quando todas as famílias tinham criação de cabras, porcos e galinhas. E a gente morava longe da cidade, onde havia alguns açougues, mas que vendia só carne bovina e suína.
Lembro que costumávamos ter umas trinta cabeças dessas aves, incluindo os galos e os pintinhos. Eram criadas soltas no quintal, e comiam todos os insetos daninhos... As galinhas punham ovos periodicamente, e eu adorava fazer a coleta deles. Os ninhos eram feitos em balaios velhos que ficavam nos galhos das laranjeiras, para se evitar que os lagartos-teiús viessem roubar os ovos, e os pintinhos que iam nascendo. Logo que a galinha cantava o cocoricócó,  anunciando que acabara de botar, lá ia eu buscar o ovo quentinho. (Diz-se que o primeiro publicitário foi a galinha, que logo após botar o ovo, anuncia o seu feito cantando para todo mundo saber).
Certo dia, vi um pintinho bicando o casulo, querendo sair e saltar para a vida. Notei que ele fazia um esforço enorme, e condoída de suas tentativas, tirei-lhe toda a casca, feliz por ter  ajudado. Mas, que desolação! O pintinho viveu um minuto e morreu na minha mão. Fiquei tão arrasada de minha ignorância, que nunca contei essa arte para minha mãe, e eu tinha uns oito anos apenas. Foi quando descobri que a gente não deve interferir na Natureza.
A gente criava galinhas para o nosso consumo, que só acontecia aos domingos.
No sábado à tarde, jogava-se milho no quintal e chamava as bichinhas: pi, pi, pi, pipiiiii... e elas vinham felizes, beliscar os grãos amarelinhos. Mamãe escolhia o frango maior e mais gordo e lhe agarrava o pescoço. Quando o bicho era arisco, apelava-se à ajuda do cachorro, que resolvia a parada em instantes. O pescoço era torcido, e a ave era deixada alguns minutos de cabeça para baixo, para esgotar todo o sangue. Enquanto isso fervia-se um tacho de água, onde  mergulhava   o frango para amolecer a pele para depená-lo. Essa tarefa competia a nós crianças, mas era horrível, porque o bicho fedia. Esquartejar era tarefa de mamãe. (Anos mais tarde, quando tive que fazer isso também, descobri que era a pior parte. Cortar os membros, tudo bem, mas enfiar a mão lá dentro do corpo para se retirar as vísceras, dava uma terrível sensação, porque estavam quentes e parecia que o animal ainda estava vivo).
O frango depenado, lavado e esquartejado era temperado com limão, sal, alho e pimenta do reino e só seria preparado para o almoço de domingo. A cada membro competia apenas um pedaço, porque a família era grande e muito pobre. Mas, era delicioso, e o tempero de mãe é uma coisa que a gente nunca esquece...
Recentemente, conheci as galinhas garnizé, ou galinzé, que é uma espécie de galinhas e galos nanicos, mas que são da mesma família dos galináceos. Têm pernas curtas e acho que, servem apenas como enfeites, porque são muitos pequenos e não produzem muita carne. A característica principal do garnizé é o seu interminável cantar. Desde que amanhece, ele abre o bico e canta, e canta e canta de cinco em cinco segundos, por horas sem parar. Acho que só descansa na hora de comer, beber água, acasalar-se e dormir. Ainda bem que, de dia tira umas cochiladas para descansar. Mas, ele tem uma voz potente, e deve com certeza ter bofes fortes e uma garganta poderosa. Seu cantar se ouve de longe, e tem gente que se incomoda com isso... Se há gente que se incomoda com esse cantar do galinho, imagine a sua parceira que, tem que aguentar todos os dias, toda a vida o seu cocoricó sem fim.
Deve ser enjoativo para as aves que convivem com ele, e também para ele próprio, que nasceu com essa sina.
Isso me fez lembrar de Jean Paul Sartre, um filósofo francês, que abordou a Teoria do Existencialismo. Em sua obra “A Náusea“, ele levantou a questão do cansaço de existir, de viver. Comentou que as árvores devem sofrer pela existência longa e interminável. Penso que os galos garnizés devem sofrer dessa mesma náusea, de cantar sem parar. Porque é como um disco repetindo sempre o mesmo som, interminavelmente.
E tudo que é demais cansa.
Ops, será que também não estarei cansando o leitor?
Vou ficar por aqui.
Mas, curtam o canto do galinzé, enquanto puderem escutar, porque é melhor ouvir isso todos os dias, do que ser surdo, né?

Mirandópolis, janeiro de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie,blogspot.com

2 comentários:

  1. Kimie: Gosto de animais domésticos. Não os tenho por não poder tratá-los. Devemos respeitá-los, pois muitos existem para a nossa sobrevivência. Só não gosto dos cães que não me deixam dormir a noite. Falo com eles durante o dia para respeitarem meu sono, mas eles esquecem e a noite tornam a ladrar.
    Atá a próxima Ciranda. João da Mariinha.

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  2. João, os cães dormem de dia para ficarem de vigilância à noite. Esta é a sua sina, como a do galinho que é de cantar. Talvez, até entendam a sua recomendação, mas eles não podem escapar da sina a que foram destinados. Daí, os desencontros. Mas achei bonito você falar com eles. Um abraço.


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