Gente de fibra – Jaime Perogil
Tanta gente me pediu para entrevistar
o amigo de hoje. É um homem simples, conhecido de todos porque há muito tempo
vem servindo a comunidade com seu trabalho.
Gente de fibra de hoje é o
senhor
Jaime Perogil, o último charreteiro de Mirandópolis.
Seu Jaime nasceu no Bairro rural de
Água Limpa, em Araçatuba, em cinco de dezembro de 1926 tendo, pois hoje 86 anos
de existência. Tinha quatro irmãos, mas todos já faleceram, restando apenas
ele.
Seus pais eram lavradores e trabalhavam
como meeiros nas roças de café. (Meeiro era um sistema de contrato entre o dono
do cafezal e o lavrador, que zelava da roça, fazia a colheita e dividia a renda
com o patrão, à base de 50% para cada parte).
Quando tinha
aproximadamente uns onze anos, sua família mudou-se para Cambará, no Paraná,
mas não deu certo e voltaram para o Estado de São Paulo, mais precisamente em
Guararapes, onde também trabalharam nos cafezais.
Em 1941, seu pai foi contratado para
trabalhar como meeiro no cafezal do senhor Joaquim Dornellas, no Bairro Km 52,
em Mirandópolis. O menino Jaime, então com apenas 14 anos de idade, saiu um dia
de Guararapes às quatro horas da manhã com um carrinho carregado de material de
construção, e chegou ao Km 52 às oito horas da noite. Seu pai o esperava para
construir a casa onde iriam morar. Naquela época, as estradas eram de terra e
ainda havia muita mata ao redor, e o garoto teve muita coragem para empreender essa viagem
sozinho.
No Km 52, construíram a casa e o paiol,
e ali ficaram por seis anos. Daí saíram para morar numa chácara que compraram
na Ponte Seca. E o jovem Jaime lamentou com o pai terem construído a casa e o
paiol em terras estranhas, porque foi
com sacrifício e quando saíram, tiveram que deixar tudo para trás.
Em 1941, havia apenas três casas em
Mirandópolis. O resto eram algumas palhoças... Mas, no Km 50 florescia uma
cidade que prometia ser a futura metrópole da região. Havia armazéns,
farmácias, bares, serrarias, capela, escolas... Mas, de repente, tudo isso
acabou. É que a Estrada de ferro Noroeste do Brasil, que ligaria o nosso Estado
com Mato Grosso, não passou pelo povoado. Tanto a linha como a estação foram
instaladas aqui onde é a atual sede do município. Como viajar de trem era muito
mais barato, o povo do Km 50 se transferiu para cá e o Bairro Km 50 caiu no
esquecimento.
Aí chegaram o senhor Manoel Alves de
Ataíde e o senhor João Mendes que se dedicaram á cultura do café. Vieram também o senhor Motomiya e o senhor
Paulo Nakamura, pai do saudoso amigo Hiroshi Nakamura.
Mas, a vida que
florescia aqui era muito difícil Tudo estava em falta. A Casa Milanesa, único armazém que vendia secos e molhados não
dava conta de atender a freguesia, Faltava açúcar, sal, querosene... Tudo era
racionado: para cada família, um quilo de sal, um litro de querosene... Às
vezes era necessário ir até Valparaíso atrás de mercadorias, que faltavam aqui. Seu Perogil lembra que um dia teve que
ir até Machado de Mello (Amandaba) para comprar sal. Só conseguiu a muito custo,
um quilo de sal fino e dois de sal grosso, que tinha que ser socado no pilão,
para uso doméstico. A Casa Milanesa funcionou durante anos na Rafael Pereira, onde mais tarde foi o Bar do Tio Marcos,
e hoje está o Restaurante Baobá.
Na Ponte Seca,
a família tinha um pomar de laranjas, e durante a safra, o jovem Jaime vinha de
carrinho vender as laranjas pelas ruas da cidade.
Seu pai vendeu o
sítio e resolveu comprar o Hotel São Judas Tadeu, junto do Bar do Ponto, na
Rafael Pereira, perto do atual palanque municipal, porque havia muita gente
chegando aqui. Mas, a aventura do hotel não deu certo, porque a despesa era
demais e não sobrava nada. Com um ano de experiência, venderam o hotel e
compraram um pequeno sítio na saída para o Córrego do Boi. Nesse sítio passaram
a plantar arroz, feijão, mandioca
verduras e árvores frutíferas.
Só que uma
tragédia iria afetar a vida do jovem Jaime. Ao arrancar um pé de milho,
deslocou a coluna e ficou travado. Ficou internado um ano num Hospital de
Campinas e andou durante seis anos com o auxílio de muletas. Era um sofrimento
muito grande, porque via o pai pelejando no sítio todos os dias. E ele era o
filho mais velho, com quem o pai sempre contara...

Como não
podia fazer serviço braçal devido ao problema da coluna vertebral, o jovem
Perogil comprou uma charrete para trabalhar. Isso foi em nove de novembro de
1951. Era o tempo das charretes e das carroças. Como não havia outros meios de
transporte, as pessoas se utilizavam de charretes para se locomoverem na cidade
ou, mesmo para ir aos sítios e fazendas. Pra transportar as compras feitas nos
armazéns e a produção agrícola, usavam a carroça ou carrinho puxado por
animais. E a Prefeitura instalou um
bebedouro com água encanada para os animais, na Rafael Pereira. Depois o transferiram para a beira da linha, onde
era costume deixar os animais pastando. À frente dos armazéns era costume ter argolas na calçada para amarrar os animais,
enquanto os cavaleiros, charreteiros e carroceiros faziam compras ou tomavam
seus golinhos de cachaça.
Nos anos 50,
havia 35 charretes na cidade, dentre os quais o seu Perogil se lembra do Abel e do Zé Sitoni. Havia três
pontos de charrete na Rafael Pereira. Havia muito serviço e todos tinham que
dar duro para dar conta de tantas corridas. Quando chegava o trem passageiro,
todos os charreteiros iam ao pátio da estação para conduzir as pessoas que
chegavam. Era uma azáfama, porque havia muita gente que chegava, que partia
misturada com os vendedores ambulantes de jornais, amendoim, sorvete, pastéis e
pipoca.
Seu Perogil
conduziu muita gente em sua charrete. Nos bons tempos levava professoras para
as escolas rurais. Como as estradas eram ruins, ele costumava carregar um
enxadão e ia tapando os buracos para a charrete passar com segurança. Levava
sempre duas professoras da mesma linha e ficava esperando a última terminar de
dar as aulas, para trazê-las de volta. Lembra que levou professoras para as
escolas da Fazenda Santa Filomena, do Bairro Santo Antonio, das Três Pontes.
Esse serviço era bom, porque fazia contratos mensais e garantia uma pequena
renda segura.
Além de
transportar gente, pegava sempre serviços de entrega de carvão, de água da
mina, de compras dos armazéns, que entregava nas casas.
Ele se
lembra que transportou muitas vezes a dona Sílvia Golmia para a Escola, assim
como o Dr. Neif Mustafa. Serviu também a família do senhor Geraldo Braga, do
senhor Joaquim Pereira dos Santos e o senhor Manoel Alves de Ataíde. Desse, ele
não gostava, porque era mandão e exigia que o chamassem de “Coronel”. Era muito
rico, mas foi enganado por mulheres, que se aproveitavam dele quando ficava
bêbado... Por isso Mané Ataíde, o fundador da cidade acabou na miséria.
Lembra com
carinho de médicos que utilizaram seus serviços. Dr. Edgar Raimundo da Costa
pedia para ele levar os possíveis clientes para seu consultório, que ficava ali
perto onde hoje está o Banco Santander. O médico sempre lhe agradecia com
gorjetas. Dr. Olímpio de Macedo também era um excelente médico, que curava
ferida brava, tracoma, picada de cobras. Seu Consultório era ali na esquina,
das ruas Nove de Julho com a Domingues de Souza, onde hoje há o Bar Boi na
Brasa. Tinha um filho Dentista, cujo consultório era anexo ao do pai.
Seu Perogil
conheceu também o Dr. Macoto Ono, mas teve pouco contato, porque ele ficava
mais no Hospital, lá onde funciona agora o Hospital do Estado.
Outro médico de
quem não esquece é o Dr. Massayuki Otsuki, que tinha consultório ali na João
Domingues de Souza. Diz que era um médico excelente e, treinou o seu Perogil
para aplicar injeções em pacientes que moravam longe. E o charreteiro travestido de enfermeiro, lá
ia aplicar as injeções nas horas determinadas pelo médico, que não dava conta
de tanto serviço.
Também serviu
ao Dr. Pardo, que lembra como uma das pessoas mais generosas que conheceu. E
tem em relação ao Doutor Roberto Yuassa, um respeito que chega à veneração.
Seu Perogil tem
muitas lembranças. Um dia transportou um Juiz de Direito, e ficou tão grato
pela oportunidade de servi-lo, que não lhe cobrou a corrida.
Seu Perogil
casou-se com Marta Cândido, que morava no Córrego do Boi. Com ela teve cinco
filhos, dos quais há quatro vivos. A única filha mora em Araçatuba e é Oficial
de Justiça. Um dos filhos é Sargento de Polícia em Dourados, Mato Grosso do
Sul, e os outros dois moram em Promissão, onde atuam na Usina e numa fazenda.
Sua esposa
faleceu há dez anos e ele mora sozinho na chácara. Quem lhe dá assistência é a
sua filha que está sempre em contato e vem vê-lo todos os meses. Ele é muito
grato a ela.
Dentre outras
lembranças, disse que conheceu o senhor Paulo Miki, que foi o antigo dono da
Máquina de beneficiar café do Lourencinho. Lembra também que foi contratado
pelas Máquinas dos Perez, dos Minari e do Lourencinho para transportar café e
arroz.
Falou do tempo
em que havia a Zona de Prostitutas. Eram umas seis casas, e o local era bem
movimentado. Havia sempre umas vinte mulheres chegando ou partindo, e os
cidadãos respeitáveis costumavam ter algumas delas como “amigadas”. Seu Perogil
transportou muitas delas em sua charrete.
Sobre os
animais que utilizou em seu trabalho, disse que uma égua lhe serviu por trinta
e cinco anos. Se for bem tratada como ele faz, elas têm longa vida. Todo dia
quando chega em casa, ele dá um banho no animal
e o alimenta para deixá-lo descansar. Só então vai cuidar de si.
Sobre amigos
diz que tem muitos, mas há um em especial que o socorre em suas dificuldades. É
o seu vizinho Domingos Caldato, que sempre o conduz ao hospital quando não está
bem. Ele o leva e espera para trazê-lo de volta. Diz que nunca poderá pagar a
atenção e os favores que lhe deve.
Com oitenta e
seis anos de idade e sem muita saúde, não pensa em parar de trabalhar. É que
mora sozinho e ficar na avenida, com um amigo carrinheiro, à espera de serviço
o ajuda a passar horas. Gosta muito do que faz. Diz que valeu a pena ter sido
condutor de charretes, porque conheceu e serviu a muita gente boa nessa vida. Sente que
foi útil à comunidade.
E essa
história de dizer que “Quem dorme no ponto é charreteiro” é uma bobagem
inventada por gente que não tinha o que fazer. Porque charreteiro trabalha e
trabalha muito.
Jaime Perogil,
gente humilde, que por um azar do destino teve a saúde física alterada e foi
forçado a ser condutor de charretes, e já pelejou durante sessenta e dois anos
nessa lida servindo ao povo de Mirandópolis, é sem dúvida nenhuma, um Homem de
Fibra!
Mirandópolis,
maio de 2013.
kimie oku in
crônicas de kimie.blogspot.com