quarta-feira, 8 de maio de 2013




                Gente de fibra – Jaime Perogil


         Tanta gente me pediu para entrevistar o amigo de hoje. É um homem simples, conhecido de todos porque há muito tempo vem servindo a comunidade com seu trabalho.
         Gente de fibra de hoje é o
senhor Jaime Perogil, o último charreteiro de Mirandópolis.
         Seu Jaime nasceu no Bairro rural de Água Limpa, em Araçatuba, em cinco de dezembro de 1926 tendo, pois hoje 86 anos de existência. Tinha quatro irmãos, mas todos já faleceram, restando apenas ele.
         Seus pais eram lavradores e trabalhavam como meeiros nas roças de café. (Meeiro era um sistema de contrato entre o dono do cafezal e o lavrador, que zelava da roça, fazia a colheita e dividia a renda com o patrão, à base de 50% para cada parte).
 Quando tinha aproximadamente uns onze anos, sua família mudou-se para Cambará, no Paraná, mas não deu certo e voltaram para o Estado de São Paulo, mais precisamente em Guararapes, onde também trabalharam nos cafezais.
         Em 1941, seu pai foi contratado para trabalhar como meeiro no cafezal do senhor Joaquim Dornellas, no Bairro Km 52, em Mirandópolis. O menino Jaime, então com apenas 14 anos de idade, saiu um dia de Guararapes às quatro horas da manhã com um carrinho carregado de material de construção, e chegou ao Km 52 às oito horas da noite. Seu pai o esperava para construir a casa onde iriam morar. Naquela época, as estradas eram de terra e ainda havia muita mata ao redor, e o garoto teve  muita coragem para empreender essa viagem sozinho.
         No Km 52, construíram a casa e o paiol, e ali ficaram por seis anos. Daí saíram para morar numa chácara que compraram na Ponte Seca. E o jovem Jaime lamentou com o pai terem construído a casa e o paiol em terras estranhas, porque  foi com sacrifício e quando saíram, tiveram que deixar tudo para trás.
         Em 1941, havia apenas três casas em Mirandópolis. O resto eram algumas palhoças... Mas, no Km 50 florescia uma cidade que prometia ser a futura metrópole da região. Havia armazéns, farmácias, bares, serrarias, capela, escolas... Mas, de repente, tudo isso acabou. É que a Estrada de ferro Noroeste do Brasil, que ligaria o nosso Estado com Mato Grosso, não passou pelo povoado. Tanto a linha como a estação foram instaladas aqui onde é a atual sede do município. Como viajar de trem era muito mais barato, o povo do Km 50 se transferiu para cá e o Bairro Km 50 caiu no esquecimento.
         Aí chegaram o senhor Manoel Alves de Ataíde e o senhor João Mendes que se dedicaram á cultura do café.  Vieram também o senhor Motomiya e o senhor Paulo Nakamura, pai do saudoso amigo Hiroshi Nakamura.

          Mas, a vida que florescia aqui era muito difícil Tudo estava em falta. A Casa Milanesa,  único armazém que vendia secos e molhados não dava conta de atender a freguesia, Faltava açúcar, sal, querosene... Tudo era racionado: para cada família, um quilo de sal, um litro de querosene... Às vezes era necessário ir até Valparaíso atrás de mercadorias, que faltavam  aqui. Seu Perogil lembra que um dia teve que ir até Machado de Mello (Amandaba) para comprar sal. Só conseguiu a muito custo, um quilo de sal fino e dois de sal grosso, que tinha que ser socado no pilão, para uso doméstico. A Casa Milanesa funcionou durante anos na Rafael Pereira, onde mais tarde foi o Bar do Tio Marcos, e hoje está o Restaurante Baobá.
           Na Ponte Seca, a família tinha um pomar de laranjas, e durante a safra, o jovem Jaime vinha de carrinho vender as laranjas pelas ruas da cidade.
          Seu pai vendeu o sítio e resolveu comprar o Hotel São Judas Tadeu, junto do Bar do Ponto, na Rafael Pereira, perto do atual palanque municipal, porque havia muita gente chegando aqui. Mas, a aventura do hotel não deu certo, porque a despesa era demais e não sobrava nada. Com um ano de experiência, venderam o hotel e compraram um pequeno sítio na saída para o Córrego do Boi. Nesse sítio passaram a plantar arroz, feijão,  mandioca verduras e árvores  frutíferas.
            Só que uma tragédia iria afetar a vida do jovem Jaime. Ao arrancar um pé de milho, deslocou a coluna e ficou travado. Ficou internado um ano num Hospital de Campinas e andou durante seis anos com o auxílio de muletas. Era um sofrimento muito grande, porque via o pai pelejando no sítio todos os dias. E ele era o filho mais velho, com quem o pai sempre contara...
             Como não podia fazer serviço braçal devido ao problema da coluna vertebral, o jovem Perogil comprou uma charrete para trabalhar. Isso foi em nove de novembro de 1951. Era o tempo das charretes e das carroças. Como não havia outros meios de transporte, as pessoas se utilizavam de charretes para se locomoverem na cidade ou, mesmo para ir aos sítios e fazendas. Pra transportar as compras feitas nos armazéns e a produção agrícola, usavam a carroça ou carrinho puxado por animais.  E a Prefeitura instalou um bebedouro com água encanada para os animais, na Rafael Pereira. Depois  o transferiram para a beira da linha, onde era costume deixar os animais pastando. À frente dos armazéns era costume ter  argolas na calçada para amarrar os animais, enquanto os cavaleiros, charreteiros e carroceiros faziam compras ou tomavam seus golinhos de cachaça.
              Nos anos 50, havia 35 charretes na cidade, dentre os quais o seu Perogil  se lembra do Abel e do Zé Sitoni. Havia três pontos de charrete na Rafael Pereira. Havia muito serviço e todos tinham que dar duro para dar conta de tantas corridas. Quando chegava o trem passageiro, todos os charreteiros iam ao pátio da estação para conduzir as pessoas que chegavam. Era uma azáfama, porque havia muita gente que chegava, que partia misturada com os vendedores ambulantes de jornais, amendoim, sorvete, pastéis e pipoca.
              Seu Perogil conduziu muita gente em sua charrete. Nos bons tempos levava professoras para as escolas rurais. Como as estradas eram ruins, ele costumava carregar um enxadão e ia tapando os buracos para a charrete passar com segurança. Levava sempre duas professoras da mesma linha e ficava esperando a última terminar de dar as aulas, para trazê-las de volta. Lembra que levou professoras para as escolas da Fazenda Santa Filomena, do Bairro Santo Antonio, das Três Pontes. Esse serviço era bom, porque fazia contratos mensais e garantia uma pequena renda segura.
              Além de transportar gente, pegava sempre serviços de entrega de carvão, de água da mina, de compras dos armazéns, que entregava nas casas.
              Ele se lembra que transportou muitas vezes a dona Sílvia Golmia para a Escola, assim como o Dr. Neif Mustafa. Serviu também a família do senhor Geraldo Braga, do senhor Joaquim Pereira dos Santos e o senhor Manoel Alves de Ataíde. Desse, ele não gostava, porque era mandão e exigia que o chamassem de “Coronel”. Era muito rico, mas foi enganado por mulheres, que se aproveitavam dele quando ficava bêbado... Por isso Mané Ataíde, o fundador da cidade acabou na miséria.
              Lembra com carinho de médicos que utilizaram seus serviços. Dr. Edgar Raimundo da Costa pedia para ele levar os possíveis clientes para seu consultório, que ficava ali perto onde hoje está o Banco Santander. O médico sempre lhe agradecia com gorjetas. Dr. Olímpio de Macedo também era um excelente médico, que curava ferida brava, tracoma, picada de cobras. Seu Consultório era ali na esquina, das ruas Nove de Julho com a Domingues de Souza, onde hoje há o Bar Boi na Brasa. Tinha um filho Dentista, cujo consultório era anexo ao do pai.
            Seu Perogil conheceu também o Dr. Macoto Ono, mas teve pouco contato, porque ele ficava mais no Hospital, lá onde funciona agora o Hospital do Estado.
           Outro médico de quem não esquece é o Dr. Massayuki Otsuki, que tinha consultório ali na João Domingues de Souza. Diz que era um médico excelente e, treinou o seu Perogil para aplicar injeções em pacientes que moravam longe.  E o charreteiro travestido de enfermeiro, lá ia aplicar as injeções nas horas determinadas pelo médico, que não dava conta de tanto serviço.
            Também serviu ao Dr. Pardo, que lembra como uma das pessoas mais generosas que conheceu. E tem em relação ao Doutor Roberto Yuassa, um respeito que chega à veneração.
           Seu Perogil tem muitas lembranças. Um dia transportou um Juiz de Direito, e ficou tão grato pela oportunidade de servi-lo, que não lhe cobrou a corrida.
           Seu Perogil casou-se com Marta Cândido, que morava no Córrego do Boi. Com ela teve cinco filhos, dos quais há quatro vivos. A única filha mora em Araçatuba e é Oficial de Justiça. Um dos filhos é Sargento de Polícia em Dourados, Mato Grosso do Sul, e os outros dois moram em Promissão, onde atuam na Usina e numa fazenda.
           Sua esposa faleceu há dez anos e ele mora sozinho na chácara. Quem lhe dá assistência é a sua filha que está sempre em contato e vem vê-lo todos os meses. Ele é muito grato a ela.
           Dentre outras lembranças, disse que conheceu o senhor Paulo Miki, que foi o antigo dono da Máquina de beneficiar café do Lourencinho. Lembra também que foi contratado pelas Máquinas dos Perez, dos Minari e do Lourencinho para transportar café e arroz.
            Falou do tempo em que havia a Zona de Prostitutas. Eram umas seis casas, e o local era bem movimentado. Havia sempre umas vinte mulheres chegando ou partindo, e os cidadãos respeitáveis costumavam ter algumas delas como “amigadas”. Seu Perogil transportou muitas delas em sua charrete.
            Sobre os animais que utilizou em seu trabalho, disse que uma égua lhe serviu por trinta e cinco anos. Se for bem tratada como ele faz, elas têm longa vida. Todo dia quando chega em casa, ele dá um banho no animal  e o alimenta para deixá-lo descansar. Só então vai cuidar de si.
            Sobre amigos diz que tem muitos, mas há um em especial que o socorre em suas dificuldades. É o seu vizinho Domingos Caldato, que sempre o conduz ao hospital quando não está bem. Ele o leva e espera para trazê-lo de volta. Diz que nunca poderá pagar a atenção e os favores que lhe deve.
            Com oitenta e seis anos de idade e sem muita saúde, não pensa em parar de trabalhar. É que mora sozinho e ficar na avenida, com um amigo carrinheiro, à espera de serviço o ajuda a passar horas. Gosta muito do que faz. Diz que valeu a pena ter sido condutor de charretes, porque conheceu e serviu a muita gente boa nessa vida. Sente que foi útil à comunidade.

            E essa história de dizer que “Quem dorme no ponto é charreteiro” é uma bobagem inventada por gente que não tinha o que fazer. Porque charreteiro trabalha e trabalha muito.
           Jaime Perogil, gente humilde, que por um azar do destino teve a saúde física alterada e foi forçado a ser condutor de charretes, e já pelejou durante sessenta e dois anos nessa lida servindo ao povo de Mirandópolis, é sem dúvida nenhuma, um Homem de Fibra!

          Mirandópolis, maio de 2013.
          kimie oku in crônicas de kimie.blogspot.com

4 comentários:

  1. Vou sim comentar algo do sr. Jaime Perogil, não ia passar em branco. Ele na hora não se lembrou mas sempre estava na chácara Bela Vista de propriedade dos Resler (Rosa), e nós tínhamos um sítio defronte ao sitio do pai dele ai na curva depois do Domingos Caldato, quem morava lá era meu tio Arlindo Resler e depois mudou-se para a entrada da chácara Bela Vista, na cidade.Andamos com muitas charretes da cidade, Sr. Abel, outro que ele não lembrou era o moreno meio gordo sr Rosalino. O tempo passa e as coisas mudam, vem o progresso e a saudade da saudosa charrete nunca será esquecida. Parabéns pela lembrança Kimie.

    ResponderExcluir
  2. Dinho Resler, essas lembranças vão recheando as histórias de nossa cidade. Foi muito boa sua sugestão, porque o seu Jaime é realmente um homem de fibra, que apesar de quase inválido não desistiu de trabalhar, de servir à comunidade. Conheço tanta gente que por problemas semelhantes ou até mais leves que dele, ficam encostados e vivem de licenças e não fazem mais nada na vida. Ele me disse que a sua artrite faz os dedos doerem tanto, e ele cura a dor carpindo a chácara. Dá prá acreditar? E além do mais ele é uma criatura alegre, simples, de bem com a vida.

    ResponderExcluir
  3. Aí eu pergunto:

    TABALHAR OU APOSENTAR-SE?

    Seu Jaime trabalhou, aposentou-se, trabalhou...e continua trabahando.

    Êta vida " marvada " !!!

    Estás prestes a completar 87 anos, teve muitas dificuldades e as venceu e a cada dia de trabalho agradeceu aos que a ele se chegavam e de seus serviços precisavam.

    Aposentou-se, não! Continua a labutar para não viver na solidão, não obstante conta com a assistência diária de sua filha.

    Que FIBRA! Quanta admiração!

    Nós é que temos a agradecer ao senhor, " seo " Jaime, por nos remeter a uma época deliciosa de nossas vidas, apesar dos parcos recursos que dispúnhamos, mas tudo era feito com muito respeito, decência e amor ao próximo.

    À Japonisinha danada para captar os sentimentos do entrevistado e transmití-los aos leitores, nossos parabéns!!!


    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cada vez mais eu admiro a humanidade. Por trás de figuras anônimas, que labutam diariamente por uma marmita, existem histórias fantásticas. Gente valente, que nunca entregou os pontos e não fica choramingando as dificuldades passadas e nem estressando os outros, com suas dores de artrites e problemas de coluna. Eu me senti muito pequena diante da grandeza desse homem, Ulisses! Deus me coloca cada dia diante de pessoas especiais, para registrar seus feitos. Um abraço, amigo!

      Excluir