terça-feira, 14 de maio de 2013



                        Trabalhar e aposentar-se


Sempre ouvi gente dizendo que, se descobrisse o inventor do trabalho, o degolaria... Achava engraçado ouvir isso.
O trabalho foi concedido a Adão e Eva no Paraíso como um castigo por terem desobedecido a Deus: “Trabalhai e multiplicai-vos”. “E tirarão o sustento com o suor de seu rosto”...
O homem foi o único ser vivo destinado a trabalhar. Talvez para compensar a racionalidade de que foi provido.
É verdade que os pássaros fazem os ninhos para por os ovos, e buscam o alimento para seus filhotes. Assim como as onças saem à caça para alimentar a prole. Mas, o homem não sai à cata de comida. Ele tem que produzi-la, ou pelo menos fazer dinheiro para adquiri-la. Sua missão é trabalhar.
O homem nasce, cresce, se prepara para arrumar um bom serviço e passa metade da vida trabalhando, trabalhando. Tudo que  faz para a criança que nasce é lhe dar uma boa educação, que a leve a um bom trabalho, que lhe garanta uma boa ocupação, ou seja uma boa profissão. E possa viver uma vida tranquila, sem atribulações.
Resumindo, tudo gira em torno do trabalho. A meta é trabalhar, porque é do trabalho que vem o sustento da família. Sem trabalho, não há proventos e sem estes não há comida.
Então, o trabalho é um bem, sem o qual a humanidade não sobreviveria. Vamos supor que de repente, todos parassem de produzir alimentos. Cada indivíduo sairia à caça de comida onde houvesse... Frutas, legumes, verduras, cereais seriam disputados até à exaustão. E depois, quando tudo acabasse, como seria?
Morreriam todos de fome, porque foi determinado por Deus que o homem teria que viver do suor de seu rosto, isto é, teria que pelejar para sobreviver...
Então, o trabalho é sua missão e não tem como escapar dela. E foi assim com nossos antepassados, com nossos avós, pais, com a gente mesmo e, assim será também com os nossos filhos, netos e bisnetos. Per secula seculorum...
Eu, como todo mundo, escolhi uma profissão e me dediquei a ela até esgotar meu prazo, aliás, fui além, para me aposentar um pouquinho melhor... Como o trabalho foi escolhido por mim, não me deixou frustrada e nem infeliz. Ganhava pouco? Sim! Mas, mamãe nunca teve um salário na vida e criou doze filhos, de graça! Comparando, poderia me considerar afortunada. Por isso, nunca lamentei ser professora. Mesmo porque, os anos em que tive contato com crianças foram muito gratificantes. Aprendi muito com elas e com seus pais, que levavam uma vida dificílima, sem nenhum conforto e sem alternativas. Mas cumpriam sua sina de um jeito ou outro.
Assim, muitos amigos meus também escolheram suas profissões e, passaram a vida toda se dedicando a elas, como balconistas, frentistas, enfermeiros, médicos, bancários, eletricistas, mecânicos, costureiras, garis, farmacêuticos, dentistas, braçais, pecuaristas, funcionários da Prefeitura, do Estado, da União.
Hoje a maioria deles está aposentada, porque cumpriram sua jornada e fizeram jus ao descanso que a Lei permite.
Entretanto, vejo tanta gente aposentada de olhos vazios, sem rumo na vida, lamentando estar esquecido de todos. São pessoas ainda capazes de produzir, que por força da Lei e de sua vontade deixaram de trabalhar. Enquanto trabalhavam, sonhavam com a bendita aposentadoria, que os livrariam de todas as preocupações que a faina diária trazia. Almejavam o descanso como um prêmio máximo, que usufruiriam com prazer, sem limites.
E quando a aposentadoria chegou... As pescarias planejadas ficaram só no desejo, porque os companheiros da aventura continuaram na ativa e não dispunham de tempo. As viagens sonhadas ficaram impossíveis por conta de netos pequenos, que precisavam ser levados e buscados da escola...  Quando não tinham que pajeá-los, substituindo as babás...
E assim o tempo foi passando, com uma aposentadoria sem graça, sem nenhuma aventura, sem ação.  Decepcionante. E quando os outros colegas que serviam de companhia se aposentaram, já estava atacado de artrite, de artrose, de dor na coluna, nos joelhos... Vida dura de dores... Sem condições de nenhuma aventura.
E aí vendo a vida passar, começaram a andar sem rumo, sem alegria, sem sabor. Lamentando a vida sem graça, a inutilidade dos dias sem fim.
E tudo isso por quê?
Falta de objetivo, falta de planejamento.
Em tudo na vida deve haver um planejamento, para evitar as perdas. Mesmo para se aposentar é mais do que necessário um plano bem elaborado, para preencher os anos por viver.
No Japão, os aposentados estão procurando ser úteis, servindo de babás para crianças de vizinhos, que precisam trabalhar. É claro que não é o dia todo, é apenas parte do dia ou algumas horas, em que as crianças não têm onde ficar. São os avós ou netos de empréstimo, que fazem companhia mutuamente sem nenhuma remuneração. Outros cuidam dos monumentos da cidade. Um grupo organizado de aposentados vai periodicamente lavar e cuidar dos monumentos dos heróis da cidade. Outros grupos cuidam de jardins, replantando mudinhas e molhando os canteiros. E há ainda os grupos que vão a hospitais conversar com os doentes, e lhes proporcionar algumas horas de lazer.
Aqui em Mirandópolis há muito que fazer.
A Casa da Criança recebe crianças, cujos pais estão labutando na roça ou em outros empregos na cidade. Tem crianças que choram de saudades da mãe, e não querem nem brincar. Ir lá e contar umas histórias, cantar ou brincar de roda já dá para espantar a tristeza. E o benefício maior é do voluntário que faz isso, porque se sente útil de verdade e salva o seu dia.
No Asilo, há uns velhinhos esquecidos de verdade, que não recebem uma visita sequer. Eles não querem cobertas, eles querem atenção e um pouquinho de carinho. Um amigo meu vai todas as semanas cortar os cabelos e fazer a barba dos internos, sem nenhuma remuneração, só pelo gosto de vê-los mais apresentáveis.
No Hospital há doentes que precisam de uma palavra de alento. Se o aposentado se sente tão inútil, que vá lá e veja as condições dos doentes carentes de tudo. Gente que veio de longe, não conhece ninguém e se sente um verdadeiro estranho no ninho.
A APAE também pode ser uma meta de quem quer ajudar. Um nosso amigo cirurgião-dentista reserva uma manhã em sua agenda, para tratar dos dentes dos alunos de lá. E isso há anos. Outros profissionais aposentados poderiam seguir esse exemplo, como a nossa amiga pintora que, volta e meia vai orientar os alunos sobre  pintura em telas.
Acho que o tempo que Deus reservou para vivermos de aposentadoria é uma bênção e precisa ser bem utilizado. “Carpe diem” é um ditado latino que significa Aproveite o dia, aproveite a vida. Viva-a enquanto Deus permitir.
E viver plenamente, com alegria, com entusiasmo, participando da vida de outros, existe aventura maior?

Mirandópolis, maio de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com

2 comentários:

  1. Lendo a linda crônica não sei porque lembrei-me dos versos de DRUMOND - E agora, José?

    Por quê não, Josés?

    Vamos dar a César o que é de César?

    O da Isabel também é da Maria?

    Que coisa bela é o anonimato. Sorrateiramente eles destinam umas preciosas horas a seus semelhantes, notadamente àqueles que mais necessitam. E o fazem com amor e desprovidos de troca.

    Agem como você, sem aparição.

    Ô aposentada, certamente esses trabalhos serão revertidos em créditos por ELE, nosso Pai.

    Aposentar-se, sim! E trabalhar, sim!

    Abraços!

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  2. Obrigada, Ulisses! Realmente, quando se aposenta, a gente pensa : "E agora, José?" Parece até que o horizonte some de vista e a gente fica sem chão para pisar. Mas, se olhar em volta há tantos seres pedindo socorro silenciosamente, que só querem um pouco de atenção né? Fiquei um mês sem o Encontro da Ciranda, por conta de cirandeiros que partiram, porque eu estive bem atrapalhada também, e os amigos começaram a cobrar: E a Ciranda morreu? Aí percebi que não posso parar, preciso tocar isso prá frente, porque é a unica alegria de alguns deles. A vida vai nos empurrando prá frente, graças a Deus. E obrigada pela força de sempre. É muito bom ter um amigo como você. Um abraço.

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