Trabalhar
e aposentar-se
Sempre ouvi gente
dizendo que, se descobrisse o inventor do trabalho, o degolaria... Achava
engraçado ouvir isso.
O
trabalho foi concedido a Adão e Eva no Paraíso como um castigo por terem
desobedecido a Deus: “Trabalhai e multiplicai-vos”. “E tirarão o sustento com o
suor de seu rosto”...
O
homem foi o único ser vivo destinado a trabalhar. Talvez para compensar a
racionalidade de que foi provido.
É
verdade que os pássaros fazem os ninhos para por os ovos, e buscam o alimento
para seus filhotes. Assim como as onças saem à caça para alimentar a prole.
Mas, o homem não sai à cata de comida. Ele tem que produzi-la, ou pelo menos
fazer dinheiro para adquiri-la. Sua missão é trabalhar.
O
homem nasce, cresce, se prepara para arrumar um bom serviço e passa metade da
vida trabalhando, trabalhando. Tudo que
faz para a criança que nasce é lhe dar uma boa educação, que a leve a um
bom trabalho, que lhe garanta uma boa ocupação, ou seja uma boa profissão. E
possa viver uma vida tranquila, sem atribulações.
Resumindo,
tudo gira em torno do trabalho. A meta é trabalhar, porque é do trabalho que
vem o sustento da família. Sem trabalho, não há proventos e sem estes não há
comida.
Então,
o trabalho é um bem, sem o qual a humanidade não sobreviveria. Vamos supor que
de repente, todos parassem de produzir alimentos. Cada indivíduo sairia à caça
de comida onde houvesse... Frutas, legumes, verduras, cereais seriam disputados
até à exaustão. E depois, quando tudo acabasse, como seria?
Morreriam
todos de fome, porque foi determinado por Deus que o homem teria que viver do
suor de seu rosto, isto é, teria que pelejar para sobreviver...
Então,
o trabalho é sua missão e não tem como escapar dela. E foi assim com nossos
antepassados, com nossos avós, pais, com a gente mesmo e, assim será também com
os nossos filhos, netos e bisnetos. Per secula seculorum...
Eu,
como todo mundo, escolhi uma profissão e me dediquei a ela até esgotar meu
prazo, aliás, fui além, para me aposentar um pouquinho melhor... Como o
trabalho foi escolhido por mim, não me deixou frustrada e nem infeliz. Ganhava
pouco? Sim! Mas, mamãe nunca teve um salário na vida e criou doze filhos, de
graça! Comparando, poderia me considerar afortunada. Por isso, nunca lamentei
ser professora. Mesmo porque, os anos em que tive contato com crianças foram
muito gratificantes. Aprendi muito com elas e com seus pais, que levavam uma
vida dificílima, sem nenhum conforto e sem alternativas. Mas cumpriam sua sina
de um jeito ou outro.
Assim,
muitos amigos meus também escolheram suas profissões e, passaram a vida toda se
dedicando a elas, como balconistas, frentistas, enfermeiros, médicos,
bancários, eletricistas, mecânicos, costureiras, garis, farmacêuticos, dentistas,
braçais, pecuaristas, funcionários da Prefeitura, do Estado, da União.
Hoje
a maioria deles está aposentada, porque cumpriram sua jornada e fizeram jus ao
descanso que a Lei permite.
Entretanto,
vejo tanta gente aposentada de olhos vazios, sem rumo na vida, lamentando estar
esquecido de todos. São pessoas ainda capazes de produzir, que por força da Lei
e de sua vontade deixaram de trabalhar. Enquanto trabalhavam, sonhavam com a
bendita aposentadoria, que os livrariam de todas as preocupações que a faina
diária trazia. Almejavam o descanso como um prêmio máximo, que usufruiriam com
prazer, sem limites.
E
quando a aposentadoria chegou... As pescarias planejadas ficaram só no desejo,
porque os companheiros da aventura continuaram na ativa e não dispunham de
tempo. As viagens sonhadas ficaram impossíveis por conta de netos pequenos, que
precisavam ser levados e buscados da escola...
Quando não tinham que pajeá-los, substituindo as babás...
E
assim o tempo foi passando, com uma aposentadoria sem graça, sem nenhuma
aventura, sem ação. Decepcionante. E
quando os outros colegas que serviam de companhia se aposentaram, já estava
atacado de artrite, de artrose, de dor na coluna, nos joelhos... Vida dura de
dores... Sem condições de nenhuma aventura.
E
aí vendo a vida passar, começaram a andar sem rumo, sem alegria, sem sabor.
Lamentando a vida sem graça, a inutilidade dos dias sem fim.
E
tudo isso por quê?
Falta
de objetivo, falta de planejamento.
Em
tudo na vida deve haver um planejamento, para evitar as perdas. Mesmo para se
aposentar é mais do que necessário um plano bem elaborado, para preencher os
anos por viver.
No
Japão, os aposentados estão procurando ser úteis, servindo de babás para
crianças de vizinhos, que precisam trabalhar. É claro que não é o dia todo, é
apenas parte do dia ou algumas horas, em que as crianças não têm onde ficar.
São os avós ou netos de empréstimo, que fazem companhia mutuamente sem nenhuma
remuneração. Outros cuidam dos monumentos da cidade. Um grupo organizado de
aposentados vai periodicamente lavar e cuidar dos monumentos dos heróis da
cidade. Outros grupos cuidam de jardins, replantando mudinhas e molhando os
canteiros. E há ainda os grupos que vão a hospitais conversar com os doentes, e
lhes proporcionar algumas horas de lazer.
Aqui
em Mirandópolis há muito que fazer.
A
Casa da Criança recebe crianças, cujos pais estão labutando na roça ou em
outros empregos na cidade. Tem crianças que choram de saudades da mãe, e não
querem nem brincar. Ir lá e contar umas histórias, cantar ou brincar de roda já
dá para espantar a tristeza. E o benefício maior é do voluntário que faz isso,
porque se sente útil de verdade e salva o seu dia.
No
Asilo, há uns velhinhos esquecidos de verdade, que não recebem uma visita
sequer. Eles não querem cobertas, eles querem atenção e um pouquinho de
carinho. Um amigo meu vai todas as semanas cortar os cabelos e fazer a barba
dos internos, sem nenhuma remuneração, só pelo gosto de vê-los mais
apresentáveis.
No
Hospital há doentes que precisam de uma palavra de alento. Se o aposentado se
sente tão inútil, que vá lá e veja as condições dos doentes carentes de tudo.
Gente que veio de longe, não conhece ninguém e se sente um verdadeiro estranho
no ninho.
A
APAE também pode ser uma meta de quem quer ajudar. Um nosso amigo cirurgião-dentista
reserva uma manhã em sua agenda, para tratar dos dentes dos alunos de lá. E
isso há anos. Outros profissionais aposentados poderiam seguir esse exemplo,
como a nossa amiga pintora que, volta e meia vai orientar os alunos sobre pintura em telas.
Acho
que o tempo que Deus reservou para vivermos de aposentadoria é uma bênção e
precisa ser bem utilizado. “Carpe diem” é um ditado latino que significa
Aproveite o dia, aproveite a vida. Viva-a enquanto Deus permitir.
E
viver plenamente, com alegria, com entusiasmo, participando da vida de outros,
existe aventura maior?
Mirandópolis,
maio de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com
Lendo a linda crônica não sei porque lembrei-me dos versos de DRUMOND - E agora, José?
ResponderExcluirPor quê não, Josés?
Vamos dar a César o que é de César?
O da Isabel também é da Maria?
Que coisa bela é o anonimato. Sorrateiramente eles destinam umas preciosas horas a seus semelhantes, notadamente àqueles que mais necessitam. E o fazem com amor e desprovidos de troca.
Agem como você, sem aparição.
Ô aposentada, certamente esses trabalhos serão revertidos em créditos por ELE, nosso Pai.
Aposentar-se, sim! E trabalhar, sim!
Abraços!
Obrigada, Ulisses! Realmente, quando se aposenta, a gente pensa : "E agora, José?" Parece até que o horizonte some de vista e a gente fica sem chão para pisar. Mas, se olhar em volta há tantos seres pedindo socorro silenciosamente, que só querem um pouco de atenção né? Fiquei um mês sem o Encontro da Ciranda, por conta de cirandeiros que partiram, porque eu estive bem atrapalhada também, e os amigos começaram a cobrar: E a Ciranda morreu? Aí percebi que não posso parar, preciso tocar isso prá frente, porque é a unica alegria de alguns deles. A vida vai nos empurrando prá frente, graças a Deus. E obrigada pela força de sempre. É muito bom ter um amigo como você. Um abraço.
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