segunda-feira, 9 de setembro de 2013



                  Gente de fibra – Kaoru Hattori

      Ninguém poderia imaginar que uma criança que nasceu em 23 de novembro de 1925, em Fukushima ken, Japão  traria tantas transformações ao Bairro de Amandaba. Essa criança viria ao Brasil com apenas oito anos de idade, acompanhada de seus pais e irmãos.
      É o senhor Kaoru Hattori, cidadão muito conhecido pelos mirandopolenses, e por todos os moradores de Amandaba.
         Lá no Japão, seus pais cultivavam arroz e criavam bicho da seda. Seu avô, Shiguezo Hattori foi um bravo soldado japonês, que se destacou na Primeira Guerra Mundial, nos campos de batalha da Coréia, Taiwan e Rússia. Seu pai Tadaichi também esteve nessa guerra. Pelos méritos do soldado Shiguezo, o filho Tadaichi foi nomeado Guarda da Família Imperial, atuando na Ponte Nijúbashi, localizada nas proximidades do Palácio do Imperador. 

   Na casa onde mora a família Hattori, em Amandaba há quadros de diplomas concedidos pela Casa Imperial  e pelo Governo Japonês ao senhor Tadaichi Hattori, pelos serviços prestados.
     O período pós-guerra foi muito difícil para os japoneses, e a família Hattori resolveu imigrar para o Brasil, para proporcionar uma vida mais confortável para todos.
           Quando aqui aportaram em 1933, foram destinados à Fazenda Tarama do Cônsul do Japão no Brasil. Essa fazenda ficava no município de Lins. Pelo contrato, trabalharam um ano plantando sete mil pés de café.
          Em seguida, foram para Promissão, na Fazenda Oliva, onde plantaram arroz como meeiros, e ganharam um bom dinheiro.
    Daí, se transferiram para a Fazenda da Companhia Floresta, em Promissão também. Derrubaram a mata de cinco alqueires e plantaram arroz, mas não vingou. Então, aproveitaram um lote de cinco alqueires de cafezal abandonado e plantaram algodão, mas também não foi bem. Moraram numa casa coberta de sapé. Sem dinheiro, vida dura. Tão diferente do que imaginaram...
       Daí, mudaram-se para Sapezinho, ainda em Promissão. Era à beira do Rio Tietê. Derrubaram dois alqueires e meio de mata, plantaram algodão e construíram uma casa melhor. Mas, a despesa era demais e não deu certo.
        
    Mudaram-se para a Fazenda Holanda, também perto do Rio Tietê. Nesse lugar conviveram com as famílias Komatsu, Ushimaru e Egami.  A família derrubou seis alqueires de mata virgem e plantou arroz. Quando a colheita prometia e o arroz estava cacheando, a família inteira foi atacada pela maleita. A maleita levou a única irmã nascida no Brasil.       Para não perder a safra, o Administrador da Fazenda contratou uns peões e salvou o arroz.
         Por essa época, suas irmãs se casaram, e a vida ficou mais difícil para o jovem Kaoru, que precisava ser o braço direito do pai, porque o seu irmão mais velho nascera mudo, e não podia comunicar-se com estranhos.
         Seu Kaoru frequentou uma escolinha rural e aprendeu a falar e escrever em Português. Havia estudado um ano no Japão e tentou continuar os estudos da Língua japonesa aqui, mas o Professor foi convocado para a Guerra e a Escola foi fechada. Mesmo assim, ele sabe se comunicar bem através da língua japonesa e portuguesa.
    Quando passou o tempo das chuvas, a maleita deu uma trégua e a família resolveu ficar na Fazenda Holanda, porque podiam pescar e caçar à vontade. Naquela época, a caça aos animais selvagens era permitida e eles caçaram muito veado, capivara, queixada e anta. Pescavam no Rio Dourados e no Tietê. No terceiro ano, plantaram milho e como estavam mais fortes, se livraram da maleita.
         Em 1940, mudaram-se para a Fazenda Buenópolis do Dr. Raul da Cunha Bueno, em Lavínia. O Administrador era o senhor Antenor Nepomuceno. Nessa fazenda, plantaram arroz, feijão e algodão e permaneceram ali até 1943. Então, mudaram-se para a Fazenda Pinheiro Machado de propriedade do senhor José Dias. Ali também plantaram arroz, feijão e algodão, por dois anos.

       Em 1946, vieram para Amandaba, adquirindo as terras, que lhes pertencem até hoje.  Inicialmente, plantaram arroz e algodão, mas depois iniciaram o cultivo de cebola, que lhes deu ótima renda. Ele se lembra que, em vinte anos dessa cultura conseguiram adquirir dez carros novos, dois caminhões ¾ zero km e um trator zero. Foram tempos muito bons, e enriqueceu muita gente na região.
  Com o dinheiro entrando, conseguiram construir uma boa casa, e o seu Kaoru se casou com a senhorita Tokiko Sekine, com quem teve cinco filhos, dos quais o primogênito mora com a família no mesmo local. Dois filhos estão no Japão trabalhando como dekasséguis e as filhas casadas moram fora.
      Seu Hattori se lembra que Amandaba já foi uma cidade muito movimentada, com comércio mais forte que Mirandópolis. Tudo girava em torno da Estação de Machado de Mello, onde despachavam toda a colheita de café, arroz, algodão e outros cereais. As locomotivas da época eram movidas a vapor produzido pela queima de lenha que aquecia a água. Por isso, junto da linha férrea local ainda existe uma caixa d’água, que mais tarde, com o advento das máquinas movidas a diesel foi doada à comunidade para represar a água, que era distribuída à população. Hoje já existe uma caixa d’água mais moderna para servir a comunidade.
      Naqueles tempos áureos, quando o café era a base da economia, havia muitas famílias de imigrantes japoneses. Chegaram a formar uma Associação Japonesa de Amandaba, que se reuniam periodicamente. Juntos colocaram um cruzeiro de aroeira no Cemitério local. E por ocasião do cinquentenário da Imigração Japonesa ao Brasil, construíram um monumento na pequena praça local, com os nomes de todas as famílias participantes. Foi em 1958 e o obelisco está lá até hoje, com os nomes dos antigos moradores escritos em kanji. Lá constam os seguintes nomes:
   
   1.      Tomisaburo Uemura, que recuperou pernas e braços quebrados de muitos trabalhadores, colocando talas de madeira para imobilizá-los, até a recuperação. Era o pai de Hisato Uemura;

    2.  Iroku Sano era dono de terras, lavrador de café. Foi o Fundador de Amandaba, doando as terras para a passagem da linha férrea e construção da Estação Ferroviária;
     3.     Tadaichi Hattori, pai do seu Kaoru. Lavrador;
    4.     Senkichi Sugimoto, pai do senhor Senji Sugimoto, proprietário das terras onde foi instalada a torre de televisão;
     5.      Hatsutaro Nakashima – foi carpinteiro;
    6.     Hisato Uemura – possuía Máquina para beneficiar café e arroz, pai de Tomiko Uemura, que foi a primeira Vereadora do município, jovem muito empenhada pelo bem da comunidade. A casa onde moravam, embora de madeira ainda resiste ao tempo e lá está firme. As construções que abrigavam a Máquina de beneficiar e os galpões não existem mais.
     7.      Eijiro Sako – arrendatário que plantava cereais;
    8.     Deizo Kanamaru, irmão de seu Paulo Kanamaru, possuía sítio na redondeza;
     9.     Tsunekichi Sameshima – também plantador de cereais;
    10.  Shigetoshi Matsunaka – sitiante de café;
    11.    Hikonoshin Yamaguchi – sitiante de café;
    12.   Shousei Koakutsu – sitiante de café;
    13.  Sadao Seino – arrendatário de cereais;
    14.  Masaru Onishi – sogro do Shirakawa – era sitiante de café e mais tarde foi granjeiro;
   15.   Hideji Kanamaru- conhecido por todos como seu Paulo do Bar;
    16.  Hiroshi Yoshikawa - arrendatário de cereais;
    17.   Hachiro Terao – arrendatário de terras;
    18.  Shoji Ochi – sitiante de café.
            Remanescentes desse período, hoje só restam as famílias Sekine, Sugimoto, Shirakawa e Hattori.
      Com a crise do café e a chegada das pastagens, os antigos moradores se mudaram para outras regiões.
           Também se lembra de outros moradores que mantinham casas de comércio local. Eram os senhores Adelar Gualberto Junqueira, o seu Manoel Português, o Zezão Frazilli açougueiro, o senhor Alaby, pai do Professor Yussuf Hsain Alaby, o seu Paulo Kanamaru do Bar, pai da professora Alice Kanamaru. Lembra ainda do seu Aldo de Almeida, único policial local e de sua esposa dona Madalena, do seu Manoel Messias e do seu Arvelino, além do Alceu Ribeiro, e Tonico Marques que foram Serventes no Grupo Escolar.
    Quando Lourenção foi Prefeito Municipal, canalizou a água de uma mina e beneficiou a população, que antes tinha que furar poços no quintal.
   Mas, o sonho dos moradores de Amandaba era o asfaltamento da estrada vicinal, para fazer a ligação com Mirandópolis.  Havia muitas promessas de políticos, mas não passaram de promessas. Com o fechamento da Estação ferroviária, para escoar toda a produção agrícola, os lavradores usavam essa estrada cheia de curvas, que levantava muita poeira e ficava toda esburacada e lamacenta em dias de chuva.
   Um dia, o senhor Tsuyoshi Takagi, que era Vereador procurou o senhor Hattori e sugeriu formar um grupo para reivindicar a pavimentação da estrada. E assim se fez. Juntaram forças políticas, formou-se uma Comissão, que usando um Livro de Ouro, conseguiu levantar fundos para as viagens a São Paulo. A Comissão foi três vezes parlamentar com o Secretário de Transportes, Walter Nory, e com o Governador Quércia. Levaram dois anos nessas petições. Para conseguir o objetivo, levaram o advogado Osvaldo Mendes para falar com os políticos e deu certo. Mais dois anos se passaram para a estrada ser totalmente pavimentada, e no dia 22 de janeiro de 1993, ela foi inaugurada e entregue ao uso público com o nome de Tadaichi  Hattori.                      O maior sonho dos moradores tinha se realizado. Então houve uma grande festa com um churrasco para todos se confraternizarem. Foi a melhor festa de Amandaba, e a grande realização de seu Hattori. 
  Hoje o senhor Hattori está com 88 anos de idade, aposentado, com boa saúde, mas não para de trabalhar. Gosta de pescar e vender filés de peixes para os consumidores. Tem um açude onde cria tilápias e pacus.
 Com essa idade, ele poderia estar sossegado, curtindo a  aposentadoria. Mas, ainda realiza uma função social na região. Como é membro da Igreja Budista “Hompa Hongwanji do Brasil”, sempre participou de celebrações tanto de vida, como de funerais das famílias. E quando o Monge designado para essa função, o senhor Ogasawara faleceu, foi solicitado ao senhor Hattori para exercer essa tarefa. Mesmo não se achando preparado para tal exercício, acabou aceitando para acudir as famílias, que precisam de orações. E volta e meia, ele celebra missas budistas em funerais.
  Na verdade, o certo seria o Monge do Templo Budista de Araçatuba fazer essa função, porém como ele sozinho não consegue atender a tantas solicitações, foi feito esse acerto. Ele explica que de acordo com os rituais budistas, quando falece alguém, a família tem que celebrar uma missa aos 49 dias do falecimento, após um ano, após três anos, aos sete anos, aos 13 anos, aos 17 anos, aos 25 anos, aos 33 anos e, aos 50 anos a derradeira. Entretanto, com a ocidentalização de costumes, muita coisa mudou. Os imigrantes japoneses que trouxeram esses costumes estão falecendo e os descendentes adotaram outras religiões.
  Mesmo assim, seu Hattori, que já andou de fazenda em fazenda sempre plantando e colhendo, continua na sua missão. Trabalha e reza sempre.  Diz que se Deus o abençoar, quer morrer de repente, sem dar trabalho prá ninguém.
  Ia me esquecendo de contar também que ele é naturalizado brasileiro. Quando foi entrevistado na Polícia Federal para explicar o seu desejo de naturalização, disse: “Vim do Japão ainda criança com a família e meu pai não conseguiu vencer aqui. Eu quero adquirir o Título de Eleitor, para votar em nossos governantes. Não quero voltar ao Japão, porque já tenho filho nascido no Brasil e quero morrer aqui!” Diante de tal resposta, sua naturalização foi aprovada na hora.

     Kaoru Hattori, cidadão japonês, naturalizado brasileiro, morador há 67 anos em Amandaba, que fez a diferença para todos os moradores do bairro é sem dúvida, gente de fibra!

Mirandópolis, setembro de 2013.
kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com.br




8 comentários:

  1. Parabéns Kimie, por guardar a memoria viva deste Bravo Gentil Sr Hattori
    formidavel informações,
    formidável passagens contatas por um Bravo imigrante Japones que Fez do Brasil sua casa, Amandaba seu quintal!

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  2. História linda né, Ana? Digo sempre que fui privilegiada pela ideia de contar as histórias de tanta gente de valor, que construiu Mirandópolis e deu a vida batalhando todos os dias no anonimato, sem esperar recompensas. São histórias que devem ser eternizadas, para no futuro os jovens saberem que houve gente dinâmica, corajosa que nunca desistiu. São heróis anônimos que merecem a nossa reverência.

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  3. Vou aproveitar, com sua licença, as informações contidas no texto para enriquecer a linhadotempomirandopolis.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Parabéns Kimie! Sou neta do Sr. Kaoru e em nome da minha família quero agradece-la pela linda matéria! Meu "ditian" é um grande exemplo de vida! A cada dia aprendemos mais com ele! Atualmente estou no Japão com meus pais (fazem 5 anos) e quando recebemos o Jornal contando a historia do meu Ditian, ficamos super felizes e emocionados. Isso sem falar na Alegria e no orgulho do meu ditian em ter compartilhado um pouco de sua historia com os leitores. Com 88 anos de idade, ele possui 14 netos e 10 bisnetos e é considerado como um pai para os seus sobrinhos (pelo fato dos seus irmãos e irmãs não estarem mais entre nós), que todos os finais de ano fazem questão de passar ao lado dele!

    Muito obrigada pelo belo trabalho!!! Um grande abraço.
    Cintia Hattori e familia

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    1. Você é filha do Mitsuo e Cida?
      Fui professora dos dois. O mundo dá tantas voltas, mas acaba parando sempre no mesmo lugar. Acho que seus pais não viveram em vão até agora, porque ensinaram a você a amar e respeitar os avós, assim como toda a família. Obrigada pelos comentários. Um abraço.

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  6. Estou feliz e emocionada por ler esta reportagem. Devo dizer que fui casada com um filho de Machado de Melo, que infelizmente já faleceu, mas me levou para conhecer a região. Ele, Takumi Sameshima, filho de Tsunekiti Sameshima, amava a região. Tive prazer em conhecer, razão da minha emoção. Obrigada!

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