Tardes de Chuva
Janeiro é o mês das
chuvas.
Todo ano é a mesma
história. Inundações, casas que despencam dos morros, onde estavam
perigosamente empoleiradas, sem nenhuma segurança... E gente desabrigada, e a
Defesa Civil se mobilizando, e o povo fazendo campanhas para arrecadar água,
leite e outros que tais.
E toda vez que vem um
temporal, a gente reza para vir sem vento, porque este tem o poder de arrasar tudo
que acha pela frente. E ultimamente, tem acontecido esse tipo de destruição na
região. É porque tudo virou descampado, e não há mais mata para deter o vento.
Quando chove, tudo
muda. O comércio fica numa paradeira sem fim, com os vendedores bocejando,
bocejando... Os clientes não aparecem e, as horas custam a passar.
Eu também fico com uma
preguiça enorme, mas tento fazer alguma coisa. Embora o frescor do ar molhado
pela chuva mansinha, que vem caindo me convide pra dormir, vou resistindo,
porque acho que dormir é perder tempo. Dormirei tudo a que tenho direito quando
partir dessa vida.
E assim, nesses dias
preguiçosos, de repente dá uma vontade enorme de consertar as toalhas que
precisam ser cerzidas, as roupas que estão começando a desfiar. Faço tudo à
mão, porque é tão agradável dar um ponto aqui, outro ponto ali, e ver a peça
toda reformada no final. Cerzir é um imenso lazer.
Faço bordados também.
Adoro fazer ponto cruz, usando várias cores de linha moulinée e, ver o
resultado dos desenhos que vão se formando. Não sigo modelos, vou criando as
figuras... E quando esfria muito, gosto de tricotar tomando um vinho do Porto.
Pegar um novelo fofinho e macio e ir confeccionando toucas coloridas,
alternando os pontos com um golezinho de vinho é muito gratificante. As toucas
e boinas são para o Hospital do Câncer. Fico imaginando quem usará essa boina,
será que alguém gostará desses pontos, desse modelo? Será que alguém ficará
feliz de usar essas toucas? E essa cor levará um pouquinho de alegria para o
seu usuário?
Quando me canso do
artesanato, vou estudar. Estudo a língua de meus ancestrais. É muito difícil,
mas encaro como um desafio. Estudar a língua japonesa ativa meus neurônios, e
não me deixa esquecida. Além do mais, vou ainda adquirindo conhecimentos
incríveis. Enquanto escrevo com o pincel, vou imaginando como eram aqueles
tempos medievais, em que os senhores Suseranos viviam em guerras constantes, e
os samurais no Japão eram os invencíveis guerreiros da época. Como era a vida
de uma mulher naqueles tempos bárbaros? Eu sobreviveria aos costumes da época?
O que pensavam as senhoras daqueles tempos, que só criavam filhos e filhos para
serem mortos nas guerras? Guerras, guerras, guerras...
E então, como passar
uma tarde toda estudando também cansa, toco piano. De leve, arranhando umas
notas aqui e outras ali, vou tirando a música que está escondida nas
partituras. É muito gratificante conseguir tirar um som desse móvel, que passou
muito tempo esquecido na sala. Não tenho nenhuma pretensão de ser musicista,
apenas quero curtir uma música tirada do teclado por mim. Amo canções do
folclore brasileiro, especialmente as cantigas de ninar, as de roda... Fiquei
felicíssima quando consegui tirar Nesta rua, nesta rua tem um bosque, Terezinha
de Jesus, Oi bota aqui, oi bota aqui o seu pezinho, Como pode um peixe vivo
vier fora da água fria, Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada...
Casinha pequenina, Muié Rendeira... e por aí vai... E as horas passam e já é
hora de fazer exercícios... E visitar o face para saber notícias de amigos
reais e virtuais...
Como me ocupo
plenamente nesses dias de chuva, penso que os homens não têm muita opção. Os
homens aposentados circulam pela cidade, tomam um cafezinho no bar da
esquina, sentados nos bancos dos jardins
espiam o vai e vem das pessoas, vão aos caixas eletrônicos para conferir a
aposentadoria, conversam com uns e outros. E leem jornais, e veem tevê, e
dormem... Nesses dias chuvosos, só lhes sobra ficar confinados e ler jornal,
ver tevê e dormir. São muitas horas vazias, sem ocupação... Longas horas
perdidas...
Tenho dó dos homens.
Alguns ainda vão ao computador, conversam com amigos nas redes sociais, mas
isso também cansa. A chuva trava a agenda que era rotina, e ficam no mato sem
cachorro.
E com essas reflexões
todas, concluí que a educação dos homens é falha. São preparados apenas para
trabalhar, trabalhar, trabalhar. Quando se aposentam, e deixam o serviço ficam
sem chão. Não dá para ir à Repartição, porque atrapalham quem ocupou seu lugar,
na rua são raros os conhecidos, os amigos estão trabalhando e cada qual
cuidando de suas vidas, com pressa. Resta-lhes a televisão com programas pobres
e o futebol, quando apreciam. E mais nada. Nada. Triste, muito triste...
Eles não têm os
trabalhos manuais que tanto preenchem as horas das mulheres aposentadas. E isso
é uma terapia e tanto! Acho que as mulheres são privilegiadas porque, quando se
aposentam têm com que se distrair. Com uma simples agulha de crochê e um novelo
de linha dá para criar tantas coisas lindas.
E salve o artesanato!
Mirandópolis, janeiro
de 2014.
kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
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