quarta-feira, 22 de janeiro de 2014



                                    Tardes de Chuva

            Janeiro é o mês das chuvas.
     Todo ano é a mesma história. Inundações, casas que despencam dos morros, onde estavam perigosamente empoleiradas, sem nenhuma segurança... E gente desabrigada, e a Defesa Civil se mobilizando, e o povo fazendo campanhas para arrecadar água, leite e outros que tais.
         E toda vez que vem um temporal, a gente reza para vir sem vento, porque este tem o poder de arrasar tudo que acha pela frente. E ultimamente, tem acontecido esse tipo de destruição na região. É porque tudo virou descampado, e não há mais mata para deter o vento.
         Quando chove, tudo muda. O comércio fica numa paradeira sem fim, com os vendedores bocejando, bocejando... Os clientes não aparecem e, as horas custam a passar.
         Eu também fico com uma preguiça enorme, mas tento fazer alguma coisa. Embora o frescor do ar molhado pela chuva mansinha, que vem caindo me convide pra dormir, vou resistindo, porque acho que dormir é perder tempo. Dormirei tudo a que tenho direito quando partir dessa vida.
         E assim, nesses dias preguiçosos, de repente dá uma vontade enorme de consertar as toalhas que precisam ser cerzidas, as roupas que estão começando a desfiar. Faço tudo à mão, porque é tão agradável dar um ponto aqui, outro ponto ali, e ver a peça toda reformada no final. Cerzir é um imenso lazer.
         Faço bordados também. Adoro fazer ponto cruz, usando várias cores de linha moulinée e, ver o resultado dos desenhos que vão se formando. Não sigo modelos, vou criando as figuras... E quando esfria muito, gosto de tricotar tomando um vinho do Porto. Pegar um novelo fofinho e macio e ir confeccionando toucas coloridas, alternando os pontos com um golezinho de vinho é muito gratificante. As toucas e boinas são para o Hospital do Câncer. Fico imaginando quem usará essa boina, será que alguém gostará desses pontos, desse modelo? Será que alguém ficará feliz de usar essas toucas? E essa cor levará um pouquinho de alegria para o seu usuário?
         Quando me canso do artesanato, vou estudar. Estudo a língua de meus ancestrais. É muito difícil, mas encaro como um desafio. Estudar a língua japonesa ativa meus neurônios, e não me deixa esquecida. Além do mais, vou ainda adquirindo conhecimentos incríveis. Enquanto escrevo com o pincel, vou imaginando como eram aqueles tempos medievais, em que os senhores Suseranos viviam em guerras constantes, e os samurais no Japão eram os invencíveis guerreiros da época. Como era a vida de uma mulher naqueles tempos bárbaros? Eu sobreviveria aos costumes da época? O que pensavam as senhoras daqueles tempos, que só criavam filhos e filhos para serem mortos nas guerras? Guerras, guerras, guerras...
         E então, como passar uma tarde toda estudando também cansa, toco piano. De leve, arranhando umas notas aqui e outras ali, vou tirando a música que está escondida nas partituras. É muito gratificante conseguir tirar um som desse móvel, que passou muito tempo esquecido na sala. Não tenho nenhuma pretensão de ser musicista, apenas quero curtir uma música tirada do teclado por mim. Amo canções do folclore brasileiro, especialmente as cantigas de ninar, as de roda... Fiquei felicíssima quando consegui tirar Nesta rua, nesta rua tem um bosque, Terezinha de Jesus, Oi bota aqui, oi bota aqui o seu pezinho, Como pode um peixe vivo vier fora da água fria, Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada... Casinha pequenina, Muié Rendeira... e por aí vai... E as horas passam e já é hora de fazer exercícios... E visitar o face para saber notícias de amigos reais e virtuais...
         Como me ocupo plenamente nesses dias de chuva, penso que os homens não têm muita opção. Os homens aposentados circulam pela cidade, tomam um cafezinho no bar da esquina,  sentados nos bancos dos jardins espiam o vai e vem das pessoas, vão aos caixas eletrônicos para conferir a aposentadoria, conversam com uns e outros. E leem jornais, e veem tevê, e dormem... Nesses dias chuvosos, só lhes sobra ficar confinados e ler jornal, ver tevê e dormir. São muitas horas vazias, sem ocupação... Longas horas perdidas...
         Tenho dó dos homens. Alguns ainda vão ao computador, conversam com amigos nas redes sociais, mas isso também cansa. A chuva trava a agenda que era rotina, e ficam no mato sem cachorro.
         E com essas reflexões todas, concluí que a educação dos homens é falha. São preparados apenas para trabalhar, trabalhar, trabalhar. Quando se aposentam, e deixam o serviço ficam sem chão. Não dá para ir à Repartição, porque atrapalham quem ocupou seu lugar, na rua são raros os conhecidos, os amigos estão trabalhando e cada qual cuidando de suas vidas, com pressa. Resta-lhes a televisão com programas pobres e o futebol, quando apreciam. E mais nada. Nada. Triste, muito triste...
         Eles não têm os trabalhos manuais que tanto preenchem as horas das mulheres aposentadas. E isso é uma terapia e tanto! Acho que as mulheres são privilegiadas porque, quando se aposentam têm com que se distrair. Com uma simples agulha de crochê e um novelo de linha dá para criar tantas coisas lindas.
         E salve o artesanato!
         Mirandópolis, janeiro de 2014.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
        



Nenhum comentário:

Postar um comentário