terça-feira, 25 de janeiro de 2022

    


 

 


Dr. Dayan


Década de 1920.

Cem anos atrás!

Seu nome era  Kihachi Dayan. 

Era um imigrante clandestino que viera do Japão e entrara no Brasil por Amazonas, via Peru. Médico, clínico geral. Tão indispensável naqueles tempos bravios, quando  toda a região daqui era mata virgem, floresta secular. Habitada por onças, cobras e outras feras...

Não sei por que intervenção divina, ele veio parar em Araçatuba. Era casado com uma moça baiana e tinha a filha Otacília e o filho Raimundo.(tenho fotos deles ainda jovens) E nunca soube como o caminho dele se cruzou com o do meu pai.

Papai Jitsutaro Osaki era um menino que viera de Hiroshima, acompanhando uns primos. Papai foi uma vítima dos tempos terríveis de fome no Japão, quando descartavam filhos por não terem condições de sustentá-los. Tinha só treze anos quando em 1913 foi jogado fora do ninho... Mas, papai logo aprendeu o Português e como falava o Japonês, serviu de intérprete para os fazendeiros, que iam a Santos receber os imigrantes japoneses. Nessas idas e vindas seu caminho deve ter se cruzado com o do médico. Papai era solteiro e tinha uns vinte anos nessa época.

Dr. Dayan passou a clinicar em Araçatuba, e como era generoso e a clientela pobre demais, muitas vezes nem cobrava o tratamento. Com isso, a clientela aumentou e precisou atender também nas cidades vizinhas. Valparaíso era um ponto. O médico estava sempre atarefado, então meu pai vinha até essa cidade e fazia o que era possível para cuidar dos doentes...

Entretanto, como naqueles tempos de colonização tudo era difícil, e o Doutor muito competente, a clientela foi crescendo mais e mais, em detrimento de outros clínicos brasileiros. Estes começaram a duvidar que ele fosse médico de fato e o denunciaram. Ato contínuo, contrataram um capanga que o executou... E papai desempregado acabou trabalhando nas fazendas de café, onde conheceu mamãe.

Nunca soube o que aconteceu com sua família, mas papai tinha verdadeira veneração por Dr. Dayan. Possuía uns livros/Enciclopédia em japonês, que detalhavam a constituição do corpo humano, os órgãos, e até a formação do feto. Tudo em japonês, com fotos coloridas. (o que foi feito deles?) Em 1950, uma pessoa de minha família viu a foto do Dr. Dayan na Santa Casa de Araçatuba, mas nem sei se ainda está lá. Procurei me informar, mas nada consegui.

   O Governo brasileiro concedeu a autorização para ele clinicar, dois meses após sua morte. Era Médico de fato...

Sempre pensei em localizar os remanescentes dessa família. Queria saber onde foi parar e como foi sua vida pós Dayan. Mesmo meu pai não foi atrás, porque naquela época tudo era mais difícil. Não havia telefone, telégrafo era complicado e ninguém tinha carro para ir de um lugar a outro. O único meio de comunicação era por Correio... E morávamos num sítio, longe da cidade.

Mas, papai nunca se esqueceu de seu benfeitor. Anos mais tarde, já com uma família constituída morava num sítio em Lavínia. Em memória do Dr. Dayan cuidou de todos os doentes que vinham bater à nossa porta. Eu me lembro que de madrugadinha, apareciam em nossa casa, dezenas de imigrantes espanhóis para que papai curasse o tracoma, infecção virulenta que atacava e deixava os olhos remelentos, sem poder enxergar. Tratava com nitrato de prata e todos ficavam curados. Papai entalava pernas e braços quebrados, aplicava injeções, tratava de ferida brava, de picadas de cobras... E nunca cobrou nada. Mas, os pobrezinhos traziam ovos e frangos, como sinal de gratidão. Papai aprendeu tudo com o Doutor Dayan, inclusive o atendimento gratuito que dispensava aos humildes lavradores... Ainda fez os partos de meus irmãos menores, quando não havia sanbasan/ parteira.

Por tudo isso, gostaria de ter conhecido alguém dessa família tão nobre que, fez de papai um homem bom a serviço da humanidade. E lhe rendo essa pequena homenagem.

Doutor Dayan, Obrigada!

Mirandópolisi, janeiro de 2022.

kimie oku in

hhttp://cronicasdekimie.blogspot.com

 

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