quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

 

                    Yoshio san

     Estranho como certas lembranças ficam para sempre na memória. Eu era uma criança de cinco, seis anos quando o vi pela primeira vez.

O ano era 1946/7.

Morávamos numa casa de cascas de árvores, no meio de um pasto. Nosso vizinho mais próximo eram os Fujito. Eu tinha medo das vacas que por ali pastavam. Éramos mais pobres que pobres...

Um dia, atraída pelo barulho da molecada fui até a cerca para dar uma espiada. Foi quando o vi.

Um homem estranho, atarracado, de seus trinta anos, cabeça raspada e vestindo um camisolão preto desbotado. Descalço. Os moleques jogavam pedras nele. E ele só chorava com medo, tentando escapar. Crianças cruéis. Chegavam perto e levantavam a saia para espiar suas partes íntimas... Acho que ele não entendia nada. E os moleques davam risadas. A visão daquele ser me perturbou por  vários dias...

Alguém da família me explicou que o homem era um indivíduo incapaz, que não fazia mal pra ninguém. Mas que não chegasse perto.

Mesmo assim, eu gostava de ficar na cerca olhando aquela figura incomum, que andava debaixo das mangueiras, sempre descalço. Ele andava pra lá, pra cá, catando gravetos secos. Seu camisolão ia varrendo o chão de areia. Quando tinha uma porção deles, ajeitava-os no colo como se fossem um bebê e, dizia hiá, hiá, hiá ninando... E todos os dias, fazia a mesma coisa. Parecia uma criança brincando de boneca. Se permitissem, teria ido brincar com ele...

Nunca entendi aquela criatura, mas percebi que era manso, inocente... E até hoje penso que era apenas um anjo que caiu do céu, por descuido de Deus...

Mirandópolis, janeiro de 2022.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

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