domingo, 16 de janeiro de 2022

 

                Tomo san

            Tomo san era um arrendatário de terras que plantava algodão, lá pelos idos de 1961... Tinha esposa e uma   penca de filhos/crianças ainda.

     Fui morar com eles quando assumi a Escolinha Rural, que atendia as crianças de treze famílias de colonos, vindos do Norte.

    As famílias eram paupérrimas e contavam com o patrão para se alimentarem. E Tomo san comprava comida toda semana para todos. Com certeza devia ao fornecedor, ao Banco... Mas, levava as famílias às compras com um sorriso largo, sempre de bem com a vida. E quando o dia ia terminando, ele partia várias melancias que havia comprado, e chamava as famílias para se deliciarem com aquelas talhadas vermelhas e saborosas. Era uma festa! Todos se alegravam e era o momento feliz da semana.

     Nem tudo era festa para Tomo san e seus colonos. Fazia nove meses que não chovia, e a terra estava tão ressequida, que era impossível semear algodão. Os homens tombavam a terra todos os dias pra lá pra cá, e espiavam o céu à espera da bendita chuva. No céu, o sol era uma bola de fogo, ofuscado pelo ar amarelo empoeirado.

     Mesmo com o sol inclemente, os homens tombavam a terra com seus arados puxados por animais. Aravam num sentido, depois em outro sentido. Todos os dias. E espiavam o céu e diziam esperançosos: Hoje ela vem! Mas nada, ela não vinha...

Uma noite, 19 de outubro, acordei com o choro do homem. Ele gritava e chamava os filhos e a esposa: Acordem, vamos levantem todos! Vamos rezar! Deus se lembrou de nós!

Assustada pela gritaria do homem não percebi a chuva! Chovia tanto que parecia o fim do mundo. Trovões ribombavam uns atrás de outros, balançando a pobre casa de madeira e ecoavam lá longe. Na escuridão da casa, trombando com a parede fui até a sala. De repente, um relâmpago revelou o que nunca mais vou esquecer! Tomo san ajoelhado no chão batido, com a família reunida em volta, chorando e agradecendo em altos brados a Deus...

E por uns instantes, todos ficaram ali, agradecendo e orando... Emocionada fiquei ali e fiz uma pequena oração também, agradecendo a Deus.

E a chuva descia sem parar, sem parar. Parecia que São Pedro mandava despejar água em cataratas... Choveu horas seguidas. Quando ela amainou, o homem calçou umas botas, vestiu uma capa e pegou uma lanterna. A esposa perguntou: Onde vai, homem? E ele: Vou pra roça ver a terra beber água. Isso eu quero ver!  E lá se foi o Tomo san pela escuridão da noite, deixando a esposa muito aflita. Eram mais ou menos três da madrugada...

Só voltou de manhã. E acordou todo mundo da colônia gritando: Deus se lembrou de nós! Levantem, vamos agradecer a Deus!

E todo mundo foi receber o patrão com alegria e esperança. Choveu o dia inteirinho seguindo pela noite adentro. Tomo san pegou uma garrafa de aguardente e foi dar um golinho para todos os peões... Parecia uma criança no dia de Natal.

No dia seguinte abri a Escola e não apareceu nenhuma criança. Pensei: O que será que aconteceu?  Ia perguntar para a senhora do Tomo san, quando as vi! Estavam todas lá na roça. Saltando e tampando no chão as covas, onde os pais e irmãos depositavam as sementes de algodão. As máquinas manuais faziam um barulho alegre conforme iam depositando as sementes. Catchan, catchan, catchan, catchan.... E ouvi isso dias seguidos. Não teve aulas a semana toda. Sobreviver era primordial.

Vi o algodoal germinar e dar flores, mas com o fim do período letivo, vim embora para casa de férias.

Meses depois soube que a colheita tinha sido magnífica. E todo mundo foi compensado pelo sofrimento de nove meses de provação.

E até hoje carrego no coração, a imagem daquele japonês tão simples, tão fervoroso e tão nobre.

Tomom san.

Mirandópolis janeiro de 2022.

kimie oku in

http://cronicasdekimie.blogspot.com

 

 

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