terça-feira, 14 de agosto de 2012



           2  História de Mirandópolis
dos anos 40/50

           Relato de Elídio Ramires

       CAPÍTULO II - Como era Mirandópolis em 1942

      Quando chegamos de mudança em 42, Mirandópolis, mesmo possuindo uma estação ferroviária desde 36, era ainda uma pequena cidade, carente do mínimo de conforto e condições necessárias para se viver.
        Já contava com uma Agência de Correio e Serviço de Telégrafo na Estação da NOB, que desempenhava função  importante de comunicação, através de telegramas, prática muito  utilizada pelos moradores. Havia um pequeno Cinema e vários estabelecimentos comerciais, como Bares, Armazéns de Secos e Molhados, Açougues, Sorveterias, duas grandes Serrarias e outros ramos de atividades, que garantiam o suprimento básico das necessidades de seu povo, graças aos trens que transportavam as mercadorias necessárias. Mesmo assim, não havia estrutura para uma vida confortável e satisfatória.

      Evidentemente, não era deficiência exclusiva da pequena cidade que nascia. Como todos os Patrimônios recém fundados, era um pequeno vilarejo de ruas nuas e descuidadas, sem calçadas, sem guias de sarjetas, com muita poeira nos dias de sol e muito barro em tempos de chuva.  Não dispunha de energia elétrica e as indústrias funcionavam com a força do vapor-caldeira, e o Cinema e as casas comerciais que dependiam de energia usavam geradores movidos a gasolina ou óleo diesel. Apenas uma pequena parcela das residências dispunha de precária iluminação no período noturno, fornecida por um gerador movido por vapor à lenha, pelo fundador Ataíde, mas que deixou de funcionar em 1946. Não havia nem telefone, nem assistência social.
     Se bem me lembro, quando chegamos, havia apenas a Farmácia do senhor Delfino Silveira Pinto; como médicos Dr. Edgar Raimundo da Costa, Dr. Olímpio de Macedo e o médico dos ferroviários, Dr. Hermes Bruzadin; como Dentistas o Dr. Alcides Falleiros e o Dr. Caio de Macedo. Nenhum Posto Médico ou Hospitalar.
   Os recursos no campo da Saúde se faziam mais prementes, porque na época, na região grassavam muitas moléstias tropicais por causa da densa floresta e por falta de saneamento básico. Doenças como maleita, paratifo, catapora, varicela, ferida brava, a chamada “úlcera de Bauru”, além de picadas de cobras venenosas e doenças de olhos eram muito comuns. O Distrito estava incrustado no meio da selva, e dia e noite respirava-se a fumaça das queimadas das árvores derrubadas, para preparar os terrenos para o plantio. A fumaça causava muita ardência nos olhos.
   O silêncio dos dias, lembro bem, era quebrado pelo barulho incessante dos martelos dos carpinteiros, pregando o madeiramento das construções de tábuas, que estavam surgindo, insufladas pela chegada de novos moradores, principalmente japoneses, que começaram a chegar a partir de 1925, e que constituíam praticamente 40% da população. Os japoneses se dedicavam ao Comércio e à Agricultura, especificamente à criação do bicho-da-seda, cujos casulos eram vendidos a uma filial das Indústrias Matarazzo, que se instalara na cidade, e embarcados para São Paulo pelos trens.  A colônia japonesa, que era muito unida, promovia as principais festas da cidade, especialmente teatrais e esportivas
     As toras de madeira das árvores derrubadas eram trazidas por caminhões apropriados e, depositadas na faixa de terreno entre a ferrovia e a Avenida Internacional, que chamávamos de  Esplanada. Dali, eram embarcadas junto com as madeiras em pranchas, tábuas, vigotas e caibros, produzidos pela Serrarias, em gôndolas especiais da NOB, que ficavam num desvio da linha. Eram despachados para diversos destinos, para São Paulo principalmente. Nessa chamada Esplanada, onde brinquei quando criança e em outros terrenos baldios, era comum ver animais pastando, mas sempre amarrados, face ao perigo dos trens. Um pouco acima dos trilhos, à esquerda da passagem de nível, havia outro desvio e um piquete, onde se colocava o gado, que seria despachado para os frigoríficos da região, para abate.

           O progresso rápido e principais diversões

    A cidade, porém, progredia rapidamente. A cada dia aparecia uma nova casa. Hoje comparando, me faz lembrar o progresso de Marília cognominada “A cidade das mil e uma noites”.  Em 1946, já se instalara na cidade a Rede Telefônica, com aparelhos movidos à bateria, e ligações à manivela, com intervenção de telefonista, pela Companhia Telefônica de Araçatuba, que mesmo precária, funcionou até 1949. A partir daí, vieram os telefones automáticos pela companhia Telefônica de São José do Rio Preto, que conforme foi comentado, foi uma das instalações pioneiras no país.


     Ainda na década de 40, mesmo sem energia elétrica, a cidade crescia em todos os setores. O grande foco desse progresso era a linha férrea, única forma de comunicação e ligação com os núcleos vizinhos e o resto do país. Por isso, a principal diversão aos domingos era passear na plataforma da Estação. Outra diversão era assistir filmes no cinema, com energia gerada por motor a gasolina, que muitas vezes enguiçava, e deixava o filme pela metade. Parques e circos apareciam com freqüência, e suas tendas eram armadas no espaço ocupado hoje, pela praça principal da cidade.
      Quanto a diversões, a situação melhorou com a construção pelo senhor Ferratone de um novo Cinema, com aparelhos mais modernos, palco para apresentação de shows e teatro; e com a instalação do Serviço de Alto Falante Marajá, tendo como locutor o senhor Décio Quírico, que animava o quarteirão da Rua do Comércio, em frente ao Cinema, com as melhores músicas nacionais da época. As músicas eram gravadas em pequenos discos de acetato pelos cantores em evidência, como Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Orlando silva, Luiz Gonzaga, Ângela Maria, Ivon Cury e outros. Na rua diante do cinema, se instalou o “footing” dos jovens da cidade – os moços bem vestidos de paletó e gravata, como era costume na época, apesar do calor, ficavam  plantados nas laterais da rua, flertando as moças, que desfilavam pelo centro. Geralmente era ali que se iniciava um namoro, que muitas vezes acabava em casamento.
      Outra forma de distração era ouvir durante a semana, novelas transmitidas pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. E aos domingos, os programas mais famosos eram do cantor Francisco Alves ás 12 horas em ponto, à tarde era “A Hora do Pato”, com o apresentador Jorge Cury, e à noite “Balança, mas não cai”, com destaque para o quadro “ Primo Rico” com Paulo Gracindo e Brandão Filho. Também tinham boa audiência os programas dos animadores César de Alencar e Chacrinha. As cantoras mais famosas, pela rivalidade estabelecida, eram Emilinha Borba e Marlene, que apresentavam muitos shows musicais através do rádio. 
  O noticiário mais ouvido era o “Repórter Esso”, também pela Rádio Nacional, apresentado por Heron Domingues, que se gabava de nunca ter cometido um erro durante as locuções, que duravam apenas cinco minutos, e que dizia ser o “Primeiro a dar as Últimas”. 
 Havia também os jogos de futebol, para os apreciadores desse esporte, e o campo situava-se onde hoje está instalada a Cadeia Pública da cidade. As festas promovidas pela Colônia Japonesa aconteciam em campo especial de sua sede, que possuía próximo ao Hospital das Clínicas. Essas festas duravam o dia todo, e as pessoas que assistiam acomodavam-se em barracas improvisadas, onde faziam suas refeições assistindo às partidas de beisebol ou competições esportivas.

Os meios de Transporte

A opção de transporte, que se limitava à Estrada de ferro e às precárias estradas municipais e vicinais passou, entretanto, a contar a partir de 1947, com um Aero Clube e um Campo de Aviação. Foi construído pelo empresário Belmiro de Jesus, Presidente da Empresa Jesus S/A, que possuía a maior Serraria, e necessitava de transporte rápido para Presidente Prudente, sede da empresa. O Aero Clube chegou a manter uma Escola de Pilotagem, e era usado pelos moradores em situações de emergência, como ocorreu com o José, meu irmão - fretou o avião do piloto Edgar Vilela, para buscar no Instituto Pasteur, em São Paulo, vacina anti-rábica, para outro irmão que havia sido mordido por um cachorro com hidrofobia.
A locomoção para lugares mais distantes dentro do Distrito, assim como para embarque e desembarque dos trens, apesar de haver dois ou três automóveis de aluguel, se fazia de longa data através de charretes, com ponto na própria estação e em mais dois ou três locais, na Avenida Internacional.
Os moradores da zona rural geralmente vinham para a cidade aos sábados, em carroças ou a cavalo, que amarravam diante dos estabelecimentos, em que faziam as compras dos produtos básicos para o consumo da semana. Os sábados eram os dias mais movimentados no comércio da cidade, que vivia seus melhores dias nas safras agrícolas, uma vez que  a agricultura era o único meio gerador de riqueza.
O transporte para outros pontos do Distrito era feito por jardineiras, veículo tipo bonde, com bancos inteiriços e laterais abertas,nas quais os passageiros aproveitavam para levar suas compras. Para viajar para as cidades vizinhas havia ônibus melhores, mas as estradas continuavam muito precárias. (continua na próxima semana)

Um comentário:

  1. Impressionante ler essas Histórias, a realidade do nosso sertão, tudo era difícil até um medicamento tinha que buscar de avião, mas era um desbravamento de uma terra de matas virgens e todo mundo era pessoas cheias de vitalidade. Meus pais vieram bem antes da familia Ramires, onde minha mãe que está viva lembra perfeitamente da mãe deles. Meu pai chegou antes do ano 1935 e instalaram no bairro Mont Serrat que levou esse nome devido a 2ª grande guerra onde meu avô formou uma fazenda de café e que a cidade só tinha a estação, eles faziam compra no bairro de Machado de Mello e ajudaram a tirar tormentos de madeira para a continuação da ferrovia em direção à mato grosso que transportavem em carroças de burro. Meu pai pegou maleita e era muito difícil, mudaram-se para a cidade onde adquiriram a chacara bela vista, hoje Santa Rosa e formaram cafesais nesta propriedade, isso no ano de 1946.Ajudaram na construção da Igreja Matriz da cidade com doações de café e gado. Minha familia foram pioneiras disso tudo. Minha mãe casou-se em 1945 na igrejinha de madeira.Morava visinha da fazenda do meu avô onde conheceu meu pai.Muitas histórias tem que ser contadas. Parabens pelo relato.

    ResponderExcluir