sábado, 18 de agosto de 2012



3 História de Mirandópolis
dos anos 40/50
 
Relato de Elídio Ramires

      CAPÍTULO III - Nossa vida em Mirandópolis

      Os primeiros anos de vida da minha família em Mirandópolis foram os mais difíceis. Logo que assumiu o funcionamento da Padaria, que se resumia a um pequeno salão, meu pai alugou um salão anexo ampliando o local com a montagem também de um bar. O grande problema logo no inicio, foi a falta de energia para mover o equipamento para fabricar o pão.  Tanto a “masseira” como o “cilindro” tinham que ser movidos manualmente, o que tornava o trabalho cansativo, e o pior, sobrava para meus irmãos mais velhos e até para mim, que apesar de garoto franzino, também ajudava na panificação. Lembro-me que levantava às 4 hs da manhã, para ajudar  para que o pão estivesse pronto às 6 hs, uma vez que era costume, na época, que o pão quente estivesse na casa da freguesia a partir desse horário.
Outro problema no início foi o fraco movimento de venda dos pães. Apesar da padaria desmanchar, no começo da atividade, apenas duas sacas de farinha de trigo, sobrava muito pão, o que obrigava o meu pai a sair a cavalo com dois pequenos balaios, vendendo o pão na zona rural enquanto isso, meu mano mais velho, José, saía, as 4 horas da manhã, com um ajudante, em um carrinho de padeiro,  vendendo o pão nas ruas  e entregando nas casas dos fregueses mensalistas, que geralmente era colocado na janela do domicílio e pago no final do mês.
        No domicílio, a iluminação era feita com pequenos lampiões à querosene, velas ou lanternas a pilhas, que também eram muito utilizadas pela população, para circulação à noite pelas ruas da cidade. Rádio, somente à bateria e com registro na Agência dos Correios, em função da guerra e do regime ditatorial então vigente, que exigia também, o "salvo-conduto" expedido pela polícia para se empreender qualquer  viagem fora da cidade.
 
    A água para utilização da Padaria e no domicílio, como sóe acontecer até hoje em pequenas cidades, que não possuem o Serviço de água encanada, era sacada do poço, através de sarilhos manuais, inclusive para banhos em banheiros improvisados construídos pelos moradores no fundo do quintal, onde eram construídas geralmente pequenas casinhas de madeira em cima de fossa destinadas às necessidades sanitárias. Os moradores de mais posses instalavam  sobre o poço bomba  acionada por motor a gasolina e através de caixa d'água elevada e  encanamentos levavam a água ao domicílio.
     Os anos de 43 e 44, até o fim da 2ª guerra mundial em 1945 também foi um período difícil para a padaria, devido ao racionamento da farinha de trigo e outros produtos de consumo básico, imposto pelo governo Vargas e submetido a cotas, obrigando a padaria, na fabricação de pão, utilizar uma porcentagem de fubá. elaborando, então, o chamado pão mixto, de pouca aceitação pelos consumidores, o que reduziu o faturamento da panificadora. 
     Felizmente, a guerra acabou e a coisa foi melhorando com o tempo e pudemos comprar também  um motor para mover o maquinário. A iluminação continuou a ser, entretanto de lampião de gaz mesmo, o famoso “Petromax”, que era utilizado à noite no salão de vendas da Padaria. É certo  que existia na cidade um gerador de energia instalado pelo seu fundador Manoel Alves de Athaíde, movido por caldeira,  com queima de lenha, mais atendia muito mal, apenas parte da cidade, não chegando até a região da padaria e que deixou de funcionar em 1946. 
       Os negócios da família, apesar de todas as deficiências próprias da pequena cidade nos primeiros anos de seu nascimento, estavam indo bem, quando infelizmente, em 1944, novas dificuldades sobrevieram com o falecimento de meu pai, vítima de um surto de paratifo, doença  infecciosa, que causou a morte de 8 pessoas da cidade, tragédia que sempre  debitei à falta de saneamento urbano, e evidentemente, à assistência precária médica, embora acabasse de ser inaugurada na cidade, uma Casa de Saúde de propriedade do Dr. Macoto Ono, (hoje o Hospital Regional do Estado) onde meu pai esteve  internado, porém sem sucesso.
   Além da perda dolorosa  e sentimental do patriarca da família, com apenas 43 anos de idade, a situação da família economicamente, também se agravou   pelo fato de ter sido , em face do inventário pela existência de herdeiros menores, bloqueada na agência do Banco  Brasileiro de Descontos, então recentemente inaugurada na cidade, a única economia que meu pai possuía, para movimentação dos negócios da Padaria, no valor de dez mil cruzeiros, causando à minha mãe e ao meu irmão mais velho José, com  apenas 20 anos de idade, muitas dificuldades financeiras para tocar o negócio. 
 Mas, os dias passaram, as coisas melhoraram e Mirandópolis progredia rapidamente. Em novembro de 1944, foi    elevado à categoria de Município, se desmembrando de Valparaíso e como vigia a ditadura de Getúlio Vargas, teve como 1º Prefeito, nomeado pelo Interventor do Estado, o senhor João Batista do Amaral, que tomou posse em 1º  de janeiro de 1945, e que não conheci pessoalmente, cujo governo durou apenas 1o meses,  sendo substituído em 7 de novembro de 1945, por Manoel Flausino Correa, também nomeado pelo Interventor da ocasião, que não me lembro se era Fernando Costa ou Adhemar de Barros. Sei apenas que, o Prefeito que sucedeu provisoriamente o senhor Flausino Correa, de 23.04.47a a 31.12.47, Benedito Julindo Abakerlli, era Presidente local do Partido Social Progressista, fundado por Adhemar  e participou da campanha de Adhemar a governador naquele período, sendo sucedido por Delmiro Luiz Rigolon em 01.011948, eleito pelo partido juntamente com Adhemar.
 
           A explosão de 1946 - uma tragédia para a nossa família
 
  Tudo ia muito bem até que, infelizmente, pouco mais de dois anos depois, nova tragédia atingiu  duramente a família. Desta vez não só a família, como toda a cidade de Mirandópolis. 
 
 Foi a grande tragédia, certamente do conhecimento mesmo da atual população de Mirandópolis, da explosão de um vagão  de inflamáveis, (tubos de oxigênio, bananas de dinamite, formicida à base de sulfureto de carbono) por ocasião do  descarregamento, ocorrida no dia 14 de dezembro de 1946, que  destruiu parcialmente a cidade. 
Tal tragédia que vitimou fatalmente um garoto, filho de um funcionário da Estação, e deixou dezenas de feridos, muitos em estado grave, atingidos por destroços do vagão e de sua carga, está muito bem descrito em detalhes no livro “Mirandópolis- sua Evolução no século XX” , escrito por Dr. Alcides Falleiros.
 
Mais uma vez, por obra do destino, economicamente, a maior vítima foi  minha família. A explosão que ocorreu no desvio ferroviário, a cem metros da padaria destruiu totalmente o prédio fronteiriço e a área residencial. Só não ocorreu uma  tragédia maior, com a morte de minha mãe e meus irmãos, porque  a parte residencial era de madeira e em um dos quartos encontravam-se dormindo apenas  meus dois irmãos, ainda crianças, Adelino e Helio, que por milagre, não foram atingidos pala parede de taboas que vergou , em parte, sobre a cama. 
    Eram 21 horas de um sábado. Minha mãe e  meus outros irmãos que ainda moravam na casa, haviam saído. Eu tinha 16 anos e encontrava-me no cinema novo, construído naquele ano pelo sr. João Ferratone, onde a explosão foi sentida como um abalo, rompendo a projeção do filme e assustando os expectadores, que saíram pânico, reunindo atônitos em frente do cinema, se perguntando do que se tratava.
Quando a notícia de que tinha  havido uma  explosão de um vagão da estrada de ferro, saí correndo para minha casa, encontrando pelo caminho muitas pessoas feridas, e fiquei aterrorizado quando constatei que ela estava totalmente destruída e ao mesmo tempo alegre por ter encontrado minha mãe viva e meus irmãos sem nenhum ferimento. Apenas o cavalo que puxava o carrinho de entrega de pão e  que pastava em terreno baldio próximo ao evento, não resistiu aos ferimento recebidos.
 As casas comerciais localizadas na área mais próxima do local onde ocorreu a  explosão ficaram parcialmente destruídas, porém a única casa totalmente  destruída foi a casa da  padaria e a nossa residência nos fundos. Praticamente todas as casas da cidade foram de certa forma danificadas.
Aquela noite, com exceção de meus dois  irmãos menores, que foram dormir na casa de minha irmã Aparecida, em local pouco atingido, passamos desabrigados  cuidando dos pertences que ficaram expostos pela explosão. No dia seguinte, conseguimos alugar uma pequena casa de taboas nas proximidades do CAM, onde moramos por quatro meses, até reconstruir o prédio destruído.
A tragédia foi focalizada por todos os jornais da Capital. Lembro-me que três dias depois da tragédia, quando a cidade ainda exalava o cheiro  forte dos resíduos do material  espalhado pela explosão, acompanhei um repórter do Diário de São Paulo, levando-o aos locais mais atingidos pelo evento e fornecendo-lhe informações, que dispunha e que certamente foram ampliadas também por outras pessoas. 
A reportagem feita pelo jornalista foi  publicada no dia 19, estampando a seguinte manchete: “DESTRUÍDA PARCIALMENTE A CIDADE DE MIRANDÓPOLIS EM CONSEQUÊNCIA DA EXPLOSÃO DE UM VAGÃO DE INFLAMÁVEIS”, descrevendo a  seguir, a tragédia, acompanhada de várias fotografias da destruição, reportagem que guardo até hoje em meu arquivo.
O que mais  me causa indignação até hoje, entretanto, é o fato de saber que a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, responsável por lei pela ocorrência de  tamanha catástrofe, não indenizou nenhum dos proprietários dos imóveis atingidos, pelos prejuízos causados, e tampouco  pelos danos morais  e econômicos dos que foram feridos, bem como dos lucros cessantes cabíveis aos comerciantes, que tiveram seu comércio paralisado, durante a reforma  ou  construção de novo prédio, como foi o caso da Padaria de minha família. 
Apesar da postulação dos prejudicados,  limitou-se a Diretoria da NOB por interferência  pessoal do Engenheiro Dr. Almeida de seu  Departamento Administrativo de Araçatuba, a ceder alguns pedreiros e carpinteiros, para auxiliar nos reparos de alguns imóveis de necessidade mais urgente e a doar a alguns prejudicados, telhas para reparos de telhados.
No caso do prédio de nossa propriedade que foi totalmente destruído, que me lembro, foram doadas penas algumas centenas de telhas de telhas. Nada mais.
Como Mirandópolis ainda  não era Comarca e não contava com nenhum advogado, e como, segundo consta, os advogados de Valparaíso não se interessaram pela questão, tudo   acabou ficando  por isso mesmo. Cada um cuidando de reparar seus  próprios bens e  arcando com os seus  prejuízos, contando apenas com a ajuda da população da cidade, que mais  do que nunca demonstrou o espírito de mútua solidariedade, companheirismo e amizade, unindo-se espontaneamente numa luta laboriosa, para recolocar a cidade em ordem. (continua na próxima semana)

2 comentários:

  1. Nossa dados importantes para nossa história dona Kimie, na história está que a explosão ocorreu em 16/12/46, mas pelo que Elidio Ramires declarou roi no dia 14 as 21:00 no sabado, pode ser porque eles estavam no cinema, que geralmente começava as oito horas ou pouco mais. Já pensou que filme que esse garoto assistiu, a explosão que tantos falam. É temos muito que contar.O livro já já estará pronto.

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  2. Minha vó sempre contou sobre acidente, e só hoje fui pesquisar sobre isso.. ela foi dormir na casa de uma parente, ainda nova..acho q um telhado caiu nela, se nao me engano. falou que foi uma tragédia mesmo... obrigado por relatar a historia do senhor Elidio. :)

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