quarta-feira, 14 de novembro de 2012


Finados



Nós, os vivos, temos o hábito de cultuar os mortos da família, desde os primórdios dos tempos.
É um costume que vem de gerações e gerações, e tem a ver com o lado espiritual dos humanos. Porque os animais não têm esse costume.
Ao longo da História, a humanidade construiu templos, sinagogas, pagodes para realizar esses cultos de forma mais organizada e contínua.
Mesmo as tribos que vivem no oco das florestas têm esse hábito. De alguma forma, elas reverenciam os antepassados, às vezes em forma de totens, de máscaras, de cerimônias e rituais religiosos, que compreendem danças e cânticos...
No mundo atual, nós comparecemos ao cemitério, levando flores, velas e incensos. E acho que esse costume não desaparecerá, mesmo com todo o avanço da civilização. É que a morte é um enigma difícil de entender e desvendar, e mexe com a nossa inteligência e com a nossa alma.
A celebração para os mortos, que mais se evidencia no mundo de hoje, acho que é El Dia de Los Muertos do México, um festival de origem indígena, considerado Obra Maestra do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, pela Unesco.
O que mais se destaca nessa celebração é o sentido dado aos mortos, que são tratados como vivos, e é uma festa alegre, com peças teatrais e canções populares, para saudar a todos os finados. As lojas são enfeitadas com manequins de caveiras vestidas e ornamentadas, doces são fabricados em formas de crânios e colocados sobre as lápides, onde repousam os mortos. A crença popular é que nesse dia, os mortos têm autorização para visitar os familiares que deixaram na Terra. Por isso são recebidos com muita festa, muita alegria que se manifesta em danças, cânticos, mesa farta, doces e enfeites nas casas.

Muitos desses costumes foram copiados e adotados por povos de diversas partes do mundo, especialmente na Europa.
No Japão, o Bom Odori (dança para os mortos) que no Brasil virou sinônimo de festa, é uma manifestação popular de origem budista, para dar as boas vindas aos espíritos dos mortos, que têm três dias ao ano para revisitar os vivos.
  No Obon, é tradição nas cidades do Japão, as famílias irem ao cemitério, limpar os túmulos e fazer oferendas de flores, frutas e bolinhos de arroz, além de orações, velas e incensos. Monges realizam cerimônias especiais nos templos, em memória dos mortos.
 Este costume está bem arraigado nas famílias, que passam parte do tempo preparando as cerimônias para os antepassados, em dias que antecedem a data.  Durante esse período, que é um dos grandes feriados no país inteiro, as pessoas retornam aos seus vilarejos, para fazerem essa visita aos túmulos de seus ancestrais, e aproveitam para rever os parentes que ficaram no lugar. 
E na ultima noite, existe uma cerimônia muito bonita com danças alegres, “odori”, que ocorre nas ruas. As músicas tradicionais mais conhecidas são cantadas ao som do “taikô” ou tambor e de flautas de bambu, ou “shakuhachi”. Tudo é muito festivo, porque é uma homenagem às pessoas que já partiram desse mundo, que já cumpriram o seu destino, a sua missão.
E para finalizar as cerimônias, há uma sessão de orações, e o lançamento de velas em barquinhas de papel nas águas dos rios, para iluminar os caminhos dos visitantes, em sua volta para o mundo dos mortos.
Muitas dessas tradições foram trazidas pelos imigrantes japoneses ao Brasil. O que mais intrigou os brasileiros é a oferenda de comida (frutas, doces, arroz cozido e água) que os japoneses faziam sobre os túmulos de seus mortos. Esse costume remonta aos primórdios dos tempos, quando o país passou por terríveis crises, e incontáveis nipônicos morreram de fome. De fome mesmo, por falta de arroz, literalmente.
Se os brasileiros estranharam essa tradição japonesa, mais deve se estranhar o que ocorre à porta dos cemitérios, hoje em dia. O espaço diante dos portões, que conduzem ao campo santo, foi totalmente ocupado por uma feira a céu aberto.
 Ali são vendidas além de flores e velas, que são apropriadas para o momento, sorvetes, refrigerantes, talhadas de melancias, e outros que tais. Toda vez que vejo essa cena de ambulantes à porta dos campos santos, me vem à lembrança a cena de Jesus expulsando os vendilhões do Templo.
Lembro também que, o local já foi usado por candidatos políticos para  suas campanhas, oferecendo água aos romeiros. Se não era campanha política, por que não continuaram ofertando água de graça aos visitantes, nos anos subseqüentes?
E olhem que fez um calor danado nesse Finados, e uma água  mineral geladinha ia calhar bem...
Mas, não houve 2º Turno dessa vez...

Mirandópolis, novembro de 2012.
kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”




2 comentários:

  1. Admiro muito o modo como o povo japonês trás sua cultura e não conhecia a celebração mexicana. Fiquei feliz por poder estar aqui desfrutando da riqueza e capricho do seu texto. Com o perdão do trocadilho, a morte está aí para ser vivida, até que se morra um dia [sorrio]. Parabéns pelo ótimo material que utilizou na composição do texto. Abraço!

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  2. Jeferson, viu como nossas abordagens são diferentes? A partir de agora podemos ir trocando figurinhas, porque uma ideia mais outra ideia só pode nos enriquecer, né? Gostei do seu blog "Chá da Invisibilidade". Vou ler seus textos com calma, para aproveitar melhor. um abraço.

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