Gente de fibra :
Gilberto Ferreira
Gilberto Ferreira

Constatei então que, há três pontos de referência, que caracterizam a cidade de Mirandópolis que são a bela Igreja Matriz São João Batista, obra do Padre Epifânio Ibañez, a Praça Manoel Alves de Ataíde que leva o nome de seu fundador e a Estação Ferroviária denominada Mirandópolis.
E volta e meia, o
assunto dos antigos moradores gira sobre esses três pontos: a Igreja, o Jardim
e a Estação. É porque todos os que aqui moraram têm na lembrança algum fato
ligado a esses lugares. O batismo, a primeira comunhão, o casamento na Igreja;
o footing, o namoro, a passagem pela Praça a caminho da escola; e a espera de
trens que chegavam e partiam da Estação.
E não há um cidadão
que não lamente o estado deplorável, em que se encontra a nossa antiga Estação
Ferroviária. Já escrevi sobre ela e alguns amigos também o fizeram, mas, hoje
quero contar a história de quem administrou a Estação por um bom tempo.
Gilberto nasceu em Aquidauana em Mato Grosso
do Sul, em 1935 e lá morou e iniciou os estudos.
Em 1950, mudou-se com a família para Miranda,
em Mato Grosso do Sul também, onde começou a trabalhar como mensageiro na
Estação Ferroviária local. Tinha apenas 15 anos de idade. Carregava a correspondência
e aí teve contato com o telégrafo e o código Morse, que é uma linguagem cifrada
com pontos, traços e sons. Conheceu o Telégrafo Espagnolete de duas teclas.
A Estrada de Ferro
era a Noroeste do Brasil que ligava Brasil a Bolívia. Após três meses, foi
transferido para Água Clara já realizando todos os serviços de escritório.
Nessa Estação havia cerca de dezessete funcionários. Prestou serviços aí até
1960.
Quando era
telegrafista ocorreu um problema, porque as ordens de cima eram que, as
mensagens cifradas do telégrafo deveriam ser reproduzidas ao pé da letra, mesmo
estando incorretas. Alguém mandara uma mensagem em que estava escrito
“Monsinhor”, e seu Gilberto a reproduziu corretamente, escrevendo “Monsenhor”.
Foi punido com um dia de suspensão, porque a mensagem enviada e a recebida não
coincidiram... E um dia de suspensão pesava no currículo e na carreira do
ferroviário. Regras antigas.
Em dezembro de 1960
foi transferido como Telegrafista para a Estação de Valparaíso, no Estado de
São Paulo. Havia onze funcionários, e aí permaneceu por apenas noventa dias.
Foi remanejado para
Andradina, como Responsável pelo Armazém de Cargas, onde permaneceu até março
de 1962. Armazém de Cargas era o
depósito onde se guardavam os sacos de produção agrícola, antes de despachar
para o destino final.
Então, foi transferido como Chefe da Estação
de Murutinga do Sul, onde ficou até 1972, quando a Estação foi fechada. A razão
do encerramento de serviços da Estação foi a diminuição de passageiros e a
crise do café, que abalou a economia do país.
De Murutinga, onde concluiu os estudos até o
4º ano primário, foi nomeado Chefe da Estação de Andradina, onde trabalhou até
1977.
E em 27 de julho de 1977 veio chefiar a
Estação de Mirandópolis, onde atuou até a sua aposentadoria em abril de 1986.
Em seu lugar ficou como Chefe da Estação o senhor Deoclides Maciel de Oliveira,
que hoje mora em Três Lagoas.
Como Chefe da Estação, seu Gilberto morou com
a família que se compunha de sua esposa Romilda Azambuja, com quem se casara em
Água Clara no ano de 1955, e com seus três filhos na casa anexa à Estação.
Havia mais duas casas pequenas para outros funcionários. Era necessário pagar
8% do aluguel, mais a água e a luz consumida. O salário era razoável, havia uma
pequena gratificação só pelos serviços noturnos. Mesmo trabalhando horas extras
durante o dia, não recebia nenhuma gratificação. Para o Chefe havia uma pequena
gratificação.
Enquanto a Ferrovia era da União, o uniforme era obrigatório e os funcionários tinham que comprá-lo. Quando passou a ser administrada pela Rede Ferroviária Federal S/A, composta de acionistas, o uniforme passou a ser fornecido pela empresa. O uniforme obrigatório compunha-se de sapatos pretos, camisa, calças, paletó e boné azul, sempre com a identificação da empresa bordada na lapela. Mais tarde, passou a ser boné vermelho com galões dourados.
Mirandópolis possuía na época sete
funcionários na Estação, para controlar a passagem dos trens. Diariamente
passavam quatro trens passageiros: às 6,40 h. vinha de Corumbá MT para Bauru;
às 10,30 h. de Três Lagoas MS para Bauru; às 8,40 h. de Bauru para Três Lagoas
MS; e às 22,00 h. de Bauru a Corumbá MT. E havia ainda trens cargueiros.
Quando os trens chegavam, a Estação fervia de
gente que embarcava, que ia se despedir de quem partia ou ia receber os que
chegavam. Muitas vezes, era difícil até para o Chefe se locomover na
plataforma, por causa da multidão que ali se aglomerava. Parecia uma grande
festa, porque ali aconteciam muitos encontros sociais. No pátio atrás da
Estação, ficavam as charretes e os carros-táxi, para transportar os passageiros
que chegavam para os seus destinos. Dos taxistas, seu Gilberto se lembra com
saudades do seu Ohashi e seu Ishibashi.
Quando seu Gilberto iniciou sua função aqui na
Estação, o forte eram as sacarias de arroz, que chegavam para a Máquina de
beneficiar dos Minari. Depois de descascado, era despachado para outros
lugares, sempre através da ferrovia. Na época áurea do Arroz Minari, na
esplanada enfileiravam-se cerca de cem vagões abarrotados de arroz.
Havia
na época, o Viradouro que era uma extensão da linha férrea, ou desvio para as
manobras das locomotivas, que seguiam sempre num sentido único. Esse Viradouro
atravessava a Rua Rafael Pereira e, chegava às proximidades da Igreja Matriz,
onde havia a Comercial Perez, que hoje abriga um Supermercado. Com o avanço da
tecnologia e a criação de locomotivas que seguiam para frente e para trás, o
Viradouro ficou inoperante, mas foi muito bem aproveitado pela Comercial Perez
para despachar café beneficiado, e pela Serraria de seu Belmiro Jesus, que
despachava tábuas serradas das toras retiradas da floresta local.
Quanto aos trens passageiros, o seu Gilberto
lembra que havia os trens comuns que se compunham de vagões de 1ª classe, com
poltronas estofadas e de 2ª classe, com bancos de madeira. As passagens para a
segunda classe eram mais baratas, e alguns passageiros levavam até animais.
Havia ainda o carro-dormitório, que era bastante usado pelos passageiros que
faziam longas viagens, como de Corumbá a Bauru, e vice-versa.
Também houve o trem Litorina, que era um carro especial de luxo, com ar condicionado, que vinha de Araçatuba e seguia para Três Lagoas e vice-versa. O carro comportava quarenta passageiros e estava sempre lotado. A velocidade era maior, a setenta quilômetros por hora. Para o conforto dos passageiros, havia uma moça, que fazia o mesmo papel das comissárias de bordo dos aviões. Mas, os preços altos das passagens e a concorrência dos ônibus acabou por desativar as Litorinas.
Seu Gilberto lembra de um acidente ocorrido
em Água Clara. Esse acidente foi provocado por descuido do maquinista, que não
obedeceu às regras impostas pela Ferrovia para a segurança geral. A velocidade
dos trens era de apenas 55 quilômetros por hora, mas para não ocorrer
problemas, as linhas eram controladas e só liberadas quando completamente sem
tráfego no trecho. E isso era feito por bastões, onde estava escrito o nome da
estação mais próxima, dando sinal de liberação. O staff era encarregado dessa
função.
Também havia bandeirinhas, que o staff
mostrava para o maquinista do trem, que vinha chegando à Estação. A bandeira
vermelha indicava que o trem deveria parar; a verde pedia marcha vagarosa e a
branca para o trem prosseguir. Essas bandeiras eram usadas durante o dia. À
noite, usava-se um lampião, com essas três cores padronizadas, com o mesmo objetivo. Quando o trem partia, o maquinista
tocava um sininho alertando os passageiros e os transeuntes, que o trem ia
partir. E sempre partia em marcha lenta, que ia acelerando à medida que se
afastava da Estação.
Os trens passageiros pararam de circular na
região por causa da concorrência dos ônibus, cujas linhas foram tomando conta
do interior, à medida que estradas foram sendo abertas e asfaltadas. Os ônibus
passavam em cidades retiradas para onde os trens não podiam ir, por falta de
linhas férreas. E assim em 1995 os trens passageiros foram desativados. Em
Mirandópolis hoje só passam os trens cargueiros, transportando combustível e
maquinários. Só passam por Mirandópolis. A Estação foi desativada e a ferrovia
é utilizada para os trens que se dirigem a Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e
Bolívia.
Seu Gilberto
lembra-se dos companheiros de trabalho: Seu Deoclides, Vital, João Torrente,
Miguel Silva. Modesto...
Hoje, seu Gilberto de 86 anos de idade, mora
com a esposa Romilda numa propriedade onde cria gado leiteiro. Leva uma vida tranquila, tem dois filhos,
cinco netos, e dois bisnetos, além de um genro e uma nora. É um homem feliz e
realizado, que sonha curtir a vida com a família até a sua partida final.
Gilberto Ferreira, cidadão mato-grossense, que
se dedicou às atividades ferroviárias durante 36 anos, memória viva de um tempo que passou, é sem dúvida Gente de
fibra!
Mirandópolis,
setembro de 2013.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Legenda:
1. Trem partindo de Mirandópolis
2. Despedida por aposentadoria
3. Bandeirinhas sinalizadoras
4. Aparelho de comunicação
5. Aparelho de comunicação
6. As netas
7. O uniforme
8. Antigos funcionários da Estação
Legenda:
1. Trem partindo de Mirandópolis
2. Despedida por aposentadoria
3. Bandeirinhas sinalizadoras
4. Aparelho de comunicação
5. Aparelho de comunicação
6. As netas
7. O uniforme
8. Antigos funcionários da Estação