quarta-feira, 30 de outubro de 2013

          Gente de fibra :
                Gilberto Ferreira

         
        Há uns dois anos, acabei me envolvendo com amigos sobre um projeto de registrar a história de Mirandópolis. E passei a escrever sobre fatos ocorridos no passado e, pessoas que foram importantes para o seu desenvolvimento.
        Constatei então que, há três pontos de referência, que caracterizam a cidade de Mirandópolis que são a bela Igreja Matriz São João Batista, obra do Padre Epifânio Ibañez, a Praça Manoel Alves de Ataíde que leva o nome de seu fundador e a Estação Ferroviária denominada Mirandópolis.
      E volta e meia, o assunto dos antigos moradores gira sobre esses três pontos: a Igreja, o Jardim e a Estação. É porque todos os que aqui moraram têm na lembrança algum fato ligado a esses lugares. O batismo, a primeira comunhão, o casamento na Igreja; o footing, o namoro, a passagem pela Praça a caminho da escola; e a espera de trens que chegavam e partiam da Estação.
       E não há um cidadão que não lamente o estado deplorável, em que se encontra a nossa antiga Estação Ferroviária. Já escrevi sobre ela e alguns amigos também o fizeram, mas, hoje quero contar a história de quem administrou a Estação por um bom tempo.
     
  O senhor Gilberto Ferreira é gente de fibra da semana.
    Gilberto nasceu em Aquidauana em Mato Grosso do Sul, em 1935 e lá morou e iniciou os estudos.
       Em 1950, mudou-se com a família para Miranda, em Mato Grosso do Sul também, onde começou a trabalhar como mensageiro na Estação Ferroviária local. Tinha apenas 15 anos de idade. Carregava a correspondência e aí teve contato com o telégrafo e o código Morse, que é uma linguagem cifrada com pontos, traços e sons. Conheceu o Telégrafo Espagnolete de duas teclas.
         A Estrada de Ferro era a Noroeste do Brasil que ligava Brasil a Bolívia. Após três meses, foi transferido para Água Clara já realizando todos os serviços de escritório. Nessa Estação havia cerca de dezessete funcionários. Prestou serviços aí até 1960.
         Quando era telegrafista ocorreu um problema, porque as ordens de cima eram que, as mensagens cifradas do telégrafo deveriam ser reproduzidas ao pé da letra, mesmo estando incorretas. Alguém mandara uma mensagem em que estava escrito “Monsinhor”, e seu Gilberto a reproduziu corretamente, escrevendo “Monsenhor”. Foi punido com um dia de suspensão, porque a mensagem enviada e a recebida não coincidiram... E um dia de suspensão pesava no currículo e na carreira do ferroviário. Regras antigas.
    Em dezembro de 1960 foi transferido como Telegrafista para a Estação de Valparaíso, no Estado de São Paulo. Havia onze funcionários, e aí permaneceu por apenas noventa dias.
       Foi remanejado para Andradina, como Responsável pelo Armazém de Cargas, onde permaneceu até março de 1962.   Armazém de Cargas era o depósito onde se guardavam os sacos de produção agrícola, antes de despachar para o destino final.
       Então, foi transferido como Chefe da Estação de Murutinga do Sul, onde ficou até 1972, quando a Estação foi fechada. A razão do encerramento de serviços da Estação foi a diminuição de passageiros e a crise do café, que abalou a economia do país.
       De Murutinga, onde concluiu os estudos até o 4º ano primário, foi nomeado Chefe da Estação de Andradina, onde trabalhou até 1977.
        E em 27 de julho de 1977 veio chefiar a Estação de Mirandópolis, onde atuou até a sua aposentadoria em abril de 1986. Em seu lugar ficou como Chefe da Estação o senhor Deoclides Maciel de Oliveira, que hoje mora em Três Lagoas.
        Como Chefe da Estação, seu Gilberto morou com a família que se compunha de sua esposa Romilda Azambuja, com quem se casara em Água Clara no ano de 1955, e com seus três filhos na casa anexa à Estação. Havia mais duas casas pequenas para outros funcionários. Era necessário pagar 8% do aluguel, mais a água e a luz consumida. O salário era razoável, havia uma pequena gratificação só pelos serviços noturnos. Mesmo trabalhando horas extras durante o dia, não recebia nenhuma gratificação. Para o Chefe havia uma pequena gratificação. 
   
 Enquanto a Ferrovia era da União, o uniforme era obrigatório e os funcionários tinham que comprá-lo. Quando passou a ser administrada pela Rede Ferroviária Federal S/A, composta de acionistas, o uniforme passou a ser fornecido pela empresa. O uniforme obrigatório compunha-se de sapatos pretos, camisa, calças, paletó e boné azul, sempre com a identificação da empresa bordada na lapela. Mais tarde, passou a ser boné vermelho com galões dourados.
    Mirandópolis possuía na época sete funcionários na Estação, para controlar a passagem dos trens. Diariamente passavam quatro trens passageiros: às 6,40 h. vinha de Corumbá MT para Bauru; às 10,30 h. de Três Lagoas MS para Bauru; às 8,40 h. de Bauru para Três Lagoas MS; e às 22,00 h. de Bauru a Corumbá MT. E havia ainda trens cargueiros.
     Quando os trens chegavam, a Estação fervia de gente que embarcava, que ia se despedir de quem partia ou ia receber os que chegavam. Muitas vezes, era difícil até para o Chefe se locomover na plataforma, por causa da multidão que ali se aglomerava. Parecia uma grande festa, porque ali aconteciam muitos encontros sociais. No pátio atrás da Estação, ficavam as charretes e os carros-táxi, para transportar os passageiros que chegavam para os seus destinos. Dos taxistas, seu Gilberto se lembra com saudades do seu Ohashi e seu Ishibashi.
       Quando seu Gilberto iniciou sua função aqui na Estação, o forte eram as sacarias de arroz, que chegavam para a Máquina de beneficiar dos Minari. Depois de descascado, era despachado para outros lugares, sempre através da ferrovia. Na época áurea do Arroz Minari, na esplanada enfileiravam-se cerca de cem vagões abarrotados de arroz. 
      Havia na época, o Viradouro que era uma extensão da linha férrea, ou desvio para as manobras das locomotivas, que seguiam sempre num sentido único. Esse Viradouro atravessava a Rua Rafael Pereira e, chegava às proximidades da Igreja Matriz, onde havia a Comercial Perez, que hoje abriga um Supermercado. Com o avanço da tecnologia e a criação de locomotivas que seguiam para frente e para trás, o Viradouro ficou inoperante, mas foi muito bem aproveitado pela Comercial Perez para despachar café beneficiado, e pela Serraria de seu Belmiro Jesus, que despachava tábuas serradas das toras retiradas da floresta local.
        Quanto aos trens passageiros, o seu Gilberto lembra que havia os trens comuns que se compunham de vagões de 1ª classe, com poltronas estofadas e de 2ª classe, com bancos de madeira. As passagens para a segunda classe eram mais baratas, e alguns passageiros levavam até animais. Havia ainda o carro-dormitório, que era bastante usado pelos passageiros que faziam longas viagens, como de Corumbá a Bauru, e vice-versa.

 Também houve o trem Litorina, que era um carro especial de luxo, com ar condicionado, que vinha de Araçatuba e seguia para Três Lagoas e vice-versa. O carro comportava quarenta passageiros e estava sempre lotado. A velocidade era maior, a setenta quilômetros por hora. Para o conforto dos passageiros, havia uma moça, que fazia o mesmo papel das comissárias de bordo dos aviões. Mas, os preços altos das passagens e a concorrência dos ônibus acabou por desativar as Litorinas.
    Seu Gilberto lembra de um acidente ocorrido em Água Clara. Esse acidente foi provocado por descuido do maquinista, que não obedeceu às regras impostas pela Ferrovia para a segurança geral. A velocidade dos trens era de apenas 55 quilômetros por hora, mas para não ocorrer problemas, as linhas eram controladas e só liberadas quando completamente sem tráfego no trecho. E isso era feito por bastões, onde estava escrito o nome da estação mais próxima, dando sinal de liberação. O staff era encarregado dessa função.
       Também havia bandeirinhas, que o staff mostrava para o maquinista do trem, que vinha chegando à Estação. A bandeira vermelha indicava que o trem deveria parar; a verde pedia marcha vagarosa e a branca para o trem prosseguir. Essas bandeiras eram usadas durante o dia. À noite, usava-se um lampião, com essas três cores padronizadas, com o mesmo  objetivo. Quando o trem partia, o maquinista tocava um sininho alertando os passageiros e os transeuntes, que o trem ia partir. E sempre partia em marcha lenta, que ia acelerando à medida que se afastava da Estação.
        Os trens passageiros pararam de circular na região por causa da concorrência dos ônibus, cujas linhas foram tomando conta do interior, à medida que estradas foram sendo abertas e asfaltadas. Os ônibus passavam em cidades retiradas para onde os trens não podiam ir, por falta de linhas férreas. E assim em 1995 os trens passageiros foram desativados. Em Mirandópolis hoje só passam os trens cargueiros, transportando combustível e maquinários. Só passam por Mirandópolis. A Estação foi desativada e a ferrovia é utilizada para os trens que se dirigem a Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Bolívia.               
      Seu Gilberto lembra-se dos companheiros de trabalho: Seu Deoclides, Vital, João Torrente, Miguel Silva. Modesto...
     Hoje, seu Gilberto de 86 anos de idade, mora com a esposa Romilda numa propriedade onde cria gado leiteiro.  Leva uma vida tranquila, tem dois filhos, cinco netos, e dois bisnetos, além de um genro e uma nora. É um homem feliz e realizado, que sonha curtir a vida com a família até a sua partida final.
        Gilberto Ferreira, cidadão mato-grossense, que se dedicou às atividades ferroviárias durante 36 anos, memória viva de um  tempo que passou, é sem dúvida Gente de fibra!

         Mirandópolis, setembro de 2013.
         kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

         Legenda:
                   1. Trem partindo de Mirandópolis
                   2. Despedida  por aposentadoria
                   3. Bandeirinhas sinalizadoras
                   4. Aparelho de comunicação
                   5. Aparelho  de comunicação
                   6. As netas
                   7.  O uniforme
                   8. Antigos funcionários da Estação





7 comentários:

  1. Formidavel documentario da passagem de seu Gilberto pela Estação de Mirandopolis, tenho muita boas lembranças dele nos embarcando para Murutinga do Sul,

    as meninas da fotos são minhas primas Cristiane e Cintia suas netas!

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    1. E você ana Caldatto, sabe os nomes desses dois senhores junto à locomotiva? Gostaria de deixar registrado.

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  2. Em primeiro lugar quero parabenizar pela crônica e dar um abraço ao meu amigo Gilberto. Quero citar a respeito da ultima foto (8) onde estão os senhores Pandim ( chefe da estação) e o morador e conhecido por João da Joia – João Fortunato Braga ( ex- cozinheiro chefe do saudoso governador Ademar de Barros. Esta foto está em muitas lojas e escritório de toda a cidade, graças a filha do Sr João que me enviou para colocar no blog em http://fotoshistoricasmirandopolis.blogspot.com.br/, sendo a ideia de fazer o blog foi da dona Kimie Oku que colaborou com muitas fotos, hoje é uma realidade. Nós estamos resgatando uma história da cidade através das fotografias antigas e isso é muito bom, porque ia-se esquecendo e se perdendo com o tempo. Na foto aparece uma locomotiva das décadas suponho ser de 30/40 a 60 e tanto. A Maria fumaça como era conhecida foi importada dos EUA, e tinha o nome de Tereza Cristina, aparece no vídeo que tenho no blog. Belo trabalho.

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  3. Leonardo G Azambuja Ferreira3 de novembro de 2013 às 02:28

    Parabens pela cronica. Sou neto do Gilberto, realmente um homem de fibra, ate os dias de hoje escutamos historias das ferrovias por onde ele trabalhou. Uma experiência unica de vida, uma luta para construir uma familia, mas tudo tem o seu resultado e mais uma vez na vida meu avô foi vitorioso. Tem uma família linda, vive bem e com tranquilidade. Só tenho a agradecer a meu avô por todos os ensinamentos, paciência, dedicacao com os filhos e netos. Homem forte e dedicado no que faz. Parabens Gilberto Ferreira, me orgulho de ter você e poder chama-lo de MEU AVÔ. E mais uma vez, agradeço a voce Kimie Oku, pela crônica e parabenizo por todas as palavras citadas. Leonardo.

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  4. PARABENS POR ESTA MENÇÃO HONRROSA AO SR GILBERTO FERREIRA.GRANDE PERSONAGEM FERROVIARIA,,.COMO DIZ O ANUNCIADO E DITO PELOS ANTIGO QUANDO QUALIFICAVA UMA PESSOA DE GRANDE VALOR----UMA PESSOA DE FIBRA,,E ACRECENTO COMO MEU PAI CITAVA,,.UM HOMEM PRDRA 90.

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  5. PARABENS POR ESTA MENÇÃO HONRROSA AO SR GILBERTO FERREIRA.GRANDE PERSONAGEM FERROVIARIA,,.COMO DIZ O ANUNCIADO E DITO PELOS ANTIGO QUANDO QUALIFICAVA UMA PESSOA DE GRANDE VALOR----UMA PESSOA DE FIBRA,,E ACRECENTO COMO MEU PAI CITAVA,,.UM HOMEM PRDRA 90.

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  6. ola amigos. coisa linda. que belas recordaçoes

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