Nihongô
Quando tinha sei/sete anos tempo de aprender,
o Presidente da República Getúlio Vergas extinguiu todas as escolinhas
japonesas. Essas escolinhas eram bem frequentadas pelos filhos de imigrantes
japoneses, que queriam preservar a cultura de seu país em seus descendentes.
Getúlio temia um levante dos japoneses contra os brasileiros, porque o Japão
havia perdido a guerra, e havia duas correntes de imigrantes brigando: os
Kachigumi que pregavam a vitória do Japão e os Makegumi que reconheciam a
derrota.
A loucura foi tanta entre os Kachigumi que
veneravam o Imperador do Japão, que formaram uma organização chamada Shindo
Renmei, a Liga do Caminho dos Súditos, que não admitiam derrota em hipótese
alguma. Esses membros saíram atacando e matando os próprios patrícios que
reconheciam a derrota. Então pra não piorar as coisas, o Governo brasileiro
proibiu aglomerações. E a primeira medida foi fechar as escolinhas japonesas,
além de proibir competições esportivas como o beisebol e a fala da Língua
Japonesa. Foi um tempo difícil, pois os imigrantes só sabiam falar japonês.
Diante
de tudo isso, meu pai determinou que todos os filhos dele falariam o português,
seriam batizados na religião católica e viveriam como brasileiros. E com isso,
perdi a oportunidade de estudar Nihongô quando criança. Meus irmãos mais velhos
estudaram só um pouco.
Apesar da proibição, algumas comunidades
construíram escolinhas escondidas numa clareira da mata, que era uma densa
floresta na época e as crianças tinham que correr riscos para chegar até lá.
Havia onças e outros bichos... Meus irmãos ficavam à noite de tocaia para matar
as onças que vinham dizimar nossos animais... Mas não conseguiram matar
nenhuma.
Meus pais falavam em japonês em casa, mas aos
poucos foram misturando o português arrevesado porque nós falávamos o
português, que a professora exigia na escolinha rural brasileira... Não foi
fácil, não! Costumes brasileiros contra costumes japoneses tão rígidos!
E assim, passei a minha juventude totalmente
ignorando o Nihongô. Quando mocinha ao cruzar com bachians japonesas eu as
evitava, porque elas vinham falar em japonês comigo e eu não entendia nada...
Mais tarde já Professora, fui ensinar a
Língua Portuguesa, alfabetizando crianças. No final da carreira ao assumir o
cargo de Supervisora de Ensino, eu viajava para outros municípios. Pra não
perder tempo, comprei umas fitas cassete e ia ouvindo lições de Francês, que
queria aprender. Não aprendi muito, mas me distraia um bocado. E um dia já
aposentada me perguntei: Por quê estudar Francês ao invés de Japonês, que é a
minha língua materna?
Então, resolvi procurar material para
estudar. Por sorte, minha irmã que mora fora tinha uns livros de Kumon, que
ensinavam desde o hiragana, o katakana até os kanjis mais usados. E o material
era excelente, pois ensinava a traçar as letras seguindo a ordem
preestabelecida. Devagar fui dominando a leitura e a escrita, mas a fala não.
Assinei o canal japonês NHK, mas não entendia patavina dos noticiários... Nesse
meio tempo, um Professor Japonês de Toyama ken, que ensinava as crianças do
Nipo, resolveu dar aulas para os adultos uma vez por semana. Fui bastante
animada. Mas, qual! Não entendia nada! Perguntava para as amigas que falavam
japonês, mas elas se irritavam com a minha ignorância... Mesmo assim não
desisti. Às vezes, uma mais sabichona me humilhava na frente do Professor...
Mas o Professor era gentil e tinha paciência. Isso durou uns três anos...
Mas, me deu alento para começar a estudar em
casa. Comprei Dicionários Português/Japonês e vice versa. Até que um dia fui
prestar o Exame de Proficiência em Língua Japonesa. Passei do Nível IV, o mais
elementar para o III. Noutro ano fui de novo, mas não passei. No ano seguinte
fui novamente para Londrina, mais preparada e passei do III para o II. Depois,
parei com isso porque o que me interessava não eram os certificados, mas
aprender mesmo. E através de uma Livraria de São Paulo consegui que importassem
alguns livros dos homens mais famosos da História do Japão. Como conheço pouco
os kanjis, pedi livros indicados para o curso Primário do Japão. Recebi os
livros da coleção Hi no Tori. Muito bons, simples e com linguagem acessível
para a minha total ignorância.
E assim fiquei conhecendo Noguchi Hideyo,
Higuchi Ichiyo, Miyazawa Kenji, Minamoto Yoshitsune, Minamoto Yoritomo, Myamoto
Musashi, Oda Nobunaga, Hideyoshi, Ieyasu e mais alguns outros... Aprendia a
Língua Japonesa e ao mesmo tempo a História do Japão.
Foi assim que preenchi as lacunas de meu
conhecimento. Ainda tenho muito que aprender. E continuo estudando. O meu sonho
era escrever em japonês as minhas crônicas. Já consegui escrever duas, mas
ainda é muito trabalhoso para mim. Porque não tenho a quem perguntar as minhas
dúvidas.
Mas vou continuar!
Movida pela imagem de meu pai que traçava os
kanjis na mesa da cozinha, com as gotas de água que caiam das tampas das
panelas. Essa imagem é a mais bela lembrança que guardo de meu pai. E sei que
lá do Tengoku, ele está me empurrando para estudar mais e mais.
Mirandópolis, outubro de 2020.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com
Olá Kimie sama. Estou encantada com a sua história e o seu blog. Parabéns!!
ResponderExcluirEu morei em Mirandopolis entre 1972 a 1977. Muito tempo atrás. Buscando mexer nas memórias de criança. Abraços carinhosos.