domingo, 9 de setembro de 2012


Gente de fibra - Waldir José Frigeri



Waldir José Frigeri é um homem simples, que nasceu em Promissão em 1937. Aos 3 anos de idade veio de mudança com a família para o Bairro Barreirão em Lavínia, onde morou até 1945, no sítio dos avós.

Por conta do trabalho na lavoura, sua família morou no Bairro Vila Nova, no Bairro km 50, em Mirandópolis, no sítio dos Wada em Guaraçaí, até que em 49 vieram para Mirandópolis.

Por essa razão, Waldir estudou nas escolinhas rurais e concluiu o Curso Primário no Grupo Escolar de Mirandópolis.

Quando menino, foi engraxate na Engraxataria do Décio Quírico. Como fora educado no hábito de freqüentar a Igreja Católica, certa noite foi às celebrações de Maria, que ocorria no mês de maio de todo ano. Nessa noite, algo estava reservado para ele, que determinaria o seu destino.

Dona Rosa de Lucchi, irmã de dona Antiniska de Lucchi Mustafa, que estava na Igreja, dirigiu-se ao grupo de meninos e perguntou se havia alguém interessado em trabalhar num Escritório. Mais que depressa, o Waldir levantou o braço e ali mesmo foi contratado. Isso foi em 1951, e o Waldir tinha apenas 13 anos de idade.

O menino foi contratado para trabalhar na Comercial Antonio Perez e Cia., cuja matriz era em São Paulo. Antonio Perez era irmão da mãe de Rosa e Antiniska de Lucchi.

A Empresa comprava café e amendoim, que beneficiava, descascando os grãos e revendendo para o mercado consumidor em São Paulo, ou despachando para o estrangeiro, através do Porto de Santos.

Naquela época, o Gerente da Comercial Perez em Mirandópolis era o senhor Dionino de Lucchi, irmão de dona Rosa.

O jovem tinha que fazer faxina do escritório, dos banheiros, ir ao Correio, e  efetuava outras pequenas prestações de serviço.

O escritório estava instalado nas proximidades dos barracões da Empresa Perez, na Rafael Pereira, onde hoje mora o Waldir e sua esposa Reny.

A Máquina Perez iniciou suas atividades entre 1937/38, logo ali onde hoje está instalado o Supermercado do Nilton, na Rafael Pereira. À época, o local era uma chácara dos de Lucchi, cercada de mata. Em frente, onde está a residência dos Kanzawa, era a Serraria de Belmiro Jesus, que era o proprietário das terras, onde atualmente é o Bairro Sampaio. Logo ali, beirando a linha de trem, havia um conjunto de casas residenciais dos empregados da Serraria. Eram todas de tábuas sobrepostas horizontalmente, e o bairro tinha o aspecto de cidade do faroeste americano. Ainda hoje, subsistem algumas casas daqueles tempos, numa rua apertada e meio escondida.  E logo à frente da Máquina dos Perez começava o loteamento do senhor Manoel Alves de Ataíde.

Tudo em volta era rústico, ruas de terra, sem nenhum conforto, sem serviço de abastecimento de água e de esgoto e nem eletricidade. A cidade estava ainda cercada de mata virgem.

Quando chegava a época da safra, caminhões e carroças chegavam trazendo sacas de café e de amendoim, e todos trabalhavam dia e noite, beneficiando os grãos. Havia cerca de trinta funcionários e umas cinqüenta moças contratadas para selecionar o café beneficiado, eliminando as pedras e os grãos defeituosos.

Os caminhões carregados de café vinham das fazendas de Guaraçaí, Lavínia, Valparaíso e de Mirandópolis. Formavam-se filas para descarregar a produção. Os pequenos produtores traziam-na em carroças, que predominavam como meio de transporte naqueles tempos.

Naquela época, havia também as Máquinas de beneficiar do Wada, do Lourencinho e mais tarde a Cooperativa que comprou a Máquina do Sr. Wada. Era a época de ouro do café, que sustentava a economia do país.

          Como não havia eletricidade, para beneficiar os grãos as máquinas eram movidas a vapor. Então, queimava-se muita lenha, que havia com fartura  ainda.

 A Máquina dos Perez teve o privilégio de ser atendida diretamente pela Ferrovia, para carregar as sacas de café e amendoim que despachava. É que diante dos barracões, havia um desvio de linha dos trens, o viradouro, para as manobras das locomotivas. Esse desvio de trilhos vinha da linha, passava ao  lado da Serraria de Belmiro Jesus, atravessava a atual Rafael Pereira e terminava na Nove de Julho, com uma barreira.

Justamente ali onde passava o desvio foram construídos os barracões dos Perez, o que facilitou o trabalho de carregar e descarregar as sacarias. A Serraria também aproveitou o desvio e construiu trilhos diante de seus depósitos de madeira, para facilitar o embarque da madeira. No auge da colheita, sempre havia um ou mais vagões estacionados no desvio, sendo abastecidos com as sacas de café que seguiriam para São Paulo e Santos.

Waldir entrou para a Empresa e aprendeu tudo lá. Dona Rosa foi para ele uma segunda mãe, ensinando-lhe principalmente respeito e educação.  Fez carreira na firma, começando do primeiro degrau e terminando como Gerente, quando se aposentou.

 Dos companheiros de trabalho, lembra com saudades de Sebastião Scorissa, que entrou na Empresa em 1946. Foi um verdadeiro irmão, companheiro e amigo; também conviveu com Hermenegildo Canhada, que era ajudante de Sebastião Socorissa; de Éder Bottura, que só ficou 2 anos lá, mas a quem tem uma gratidão até hoje. É que o Sr. Bottura o pegou ainda jovem , fumando bituca de cigarro e lhe passou “um sabão”. Waldir ficou tão envergonhado que nunca mais fumou.

Em 1960, casou-se com a jovem Reny Justino, que era telefonista há mais ou menos 5 anos na Companhia Telefônica de Rio Preto, cujo Centro de Atendimento estava instalado diante da Praça Manoel Alves de Ataíde, onde hoje existe a loja Aluxe. A Chefe ou Encarregada, quando a Reny foi admitida era a Sra. Maria aparecida, esposa do seu Leonel Mathias, substituída pela Sra. Dirce Godinho e mais tarde, pela própria Reny, que deixou a Empresa ao se casar, deixando em seu cargo a Sra. Maria Moreira.

Reny se lembra que as ligações interurbanas eram difíceis de completar e demorava muito para se estabelecer contatos. Mas, mesmo assim, eram muito procuradas, porque as pessoas não possuíam carros e viagens para fora eram mais demoradas e caras. Ligações para São Paulo às vezes demoravam de três a quatro dias para serem completadas. A Telefonia estava engatinhando e Mirandópolis foi uma das cidades pioneiras para ter esse serviço.

Reny não conseguiu estudar além do Curso Primário, porque o trabalho era prioritário para ajudar a mãe a cuidar dos irmãos.

Lembra com saudades desses tempos duros, em que se alisavam as roupas com ferro de brasa. Era muito pobre e trabalhava para ajudar no orçamento da família. Ao voltar para casa, passava a roupa para receber o namorado; e muitas vezes, o carvão do ferro sujava a roupa, e ela chorava. Certo dia, a mãe lhe disse que havia um presente para ela. Sobre a sua cama havia um ferro elétrico! Lembra até hoje, da emoção de ganhar o primeiro ferro elétrico. Nunca mais queimaria suas roupas! Hoje se alguém der um presente desses,  nenhuma jovem ficaria feliz como ela ficou.

O Waldir retomou os estudos com trinta e cinco anos de idade, e através do Curso de Madureza que permitia recuperar o estudo regular do ginásio, conseguiu fazer o Curso de Contabilidade com muito sacrifício, na Escola 14 de agosto, de Pedro Paulo Guizelini.

Os dois se lembram que, à época de casados novos, a vida era tão dura que, para terminar a casa que construíram, todos os dias iam recolher os ladrilhos que eram jogados na rua, pelos pedreiros que estavam reformando o CAM (Clube Atlético de Mirandópolis). Os ladrilhos “catados” foram usados para fazer o piso da cozinha da primeira casinha, que ficava na Rua Bahia, onde hoje moram o Professor José Otávio Zanin e sua esposa.

O casamento os abençoou com três filhos: duas moças e um rapaz. A  vida foi difícil para ambos, porque desejavam dar os estudos necessários para eles. E com muito sacrifício conseguiram formar os três: a primogênita em Ciências Contábeis, o rapaz em Direito e a caçula é Professora.

E o propósito do casal não terminava aí, queriam dar uma casa e um carro para cada filho. E conseguiram. Dizem que não foi fácil. A Reny sempre cuidando da família sem a ajuda de ninguém, porque era necessário economizar. Mas, estão felizes por terem realizado seus sonhos.

Os anos foram passando, os dois pelejando sem esmorecer, sempre muito bem apoiados pela dona Rosa, a quem  veneram até hoje.

Quando Waldir entrou na Empresa, o senhor Dionino de Lucchi era o Gerente. Depois foi o senhor Alcides Rabello, depois dona Rosa e por fim foi o Waldir, que se dedicou à Comercial Perez trinta e nove anos de sua vida, sem tirar férias. Era tão dedicado que nunca pensou em parar para descansar, e nunca cobrou horas extraordinárias pelos serviços prestados. Foi Gerente a partir de 1966 e só parou em 1990 quando se aposentou.

Por tantos anos de serviço e dedicação à firma, Waldir foi recompensado.  Ao se aposentar, ganhou do senhor Francisco Godinho, sobrinho dos Perez, a casa onde mora até hoje. É a mesma casa onde moravam os De Lucchi antigamente. É verdade que a casa foi reformada, e a esquina onde hoje há uma loja foi adquirida pelo Waldir e família.

A história de Waldir e da Reny se confunde com a história da Máquina Perez. Esta marcou uma época do ciclo do café no Brasil e na região, onde os lavradores só se dedicaram à sua cultura.

E as histórias de Waldir e da Reny também se confundem, porque ambos ficaram sem o chefe de família quando eram crianças, e suas mães se casaram de novo tendo, pois os dois, outros irmãos do segundo casamento. Ambos foram muito bem cuidados pelos padrastos, que zelaram deles como verdadeiros e legítimos pais. E são muito gratos por isso.

Além do mais, o Waldir fala com orgulho das três mulheres que construíram sua vida e sua felicidade. São: a sua genitora dona Ana Maria, a  mãe orientadora que Deus colocou no seu caminho, dona Rosa de Lucchi e a companheira , amiga e amada esposa dona Reny, com quem divide as horas numa paz de Deus, sem nenhuma ambição.

Waldir José Frigeri, homem simples que dedicou uma vida inteira com coragem, dedicação e trabalho a uma firma e construiu sua vida é  GENTE DE FIBRA!  

 legenda das fotos:
              1-  Waldir José e Reny
              2 - Cafeeiro
              3-  Prédio da Comercial Antonio Perez e Cia.
              4 - Caminhão de café de Murutinga do Sul, com o Waldir, o seu Sebastião Scorissa, Idélio, Jacob e seu cunhado
              5 - Trem da N.O.B.
              6 - Serraria de Belmiro Jesus
              7 - Casa onde funcionava o Escritório da Máquina Perez, hoje remodelada e residência do Waldir. 

Mirandópolis, setembro de 2012.

kimie oku in cronicasdekimie.blogspot.com

8 comentários:

  1. RElato importante e a Maqquina do Peres foi o esteio na época para meus familiares que vendiam café para ela, até adiantava dinheiro para compra de terras. Pena que na época da recessão da decada de 60 meus familiares venderam partes das terras que foram consumidas pelos bancos na sua "poupança" ingrata. Todo o esforço e luta foram em vão. Lembro do Waldir sempre trabalhando na maquina. Parabens pela história.

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  2. História de vida simples, como a maioria das famílias interioranas, mas exemplar e construída com muita dignidade e amor conjugal.
    Waldir e Reny plantaram uma mudinha linda, a trataram com muito carinho e dedicação, a regaram nas horas certas, viram-na crescer com caule ereto, a podaram corretamente e, agora, ao vê-la tornar-se uma árvore formosa e frondosa, passaram a descansar em sua sombra e, após curtirem suas exuberantes flores, estão a colher seus deliciosos frutos.
    Parabéns ao casal.
    Parabéns à Kimie pela sua sensiblidade na transcrição.

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  3. É linda a história deles, não é mesmo, meus amigos? Vida repleta de deveres, de trabalho, de dificuldades, de esperanças, de sonhos a realizar. E agora, já aposentados, curtindo uma vida mansa, junto dos familiares, com orgulho de ter vencido todas as batalhas. Não viveram em vão o Waldir e a Reny. São exemplos que ficam.

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    1. Gostaria de agradecer a voce Kimie pela homenagem que prestou aos meus pais, e tambem parabenizá-la pela sensibilidade com que relatou a história de vida deles.Eles são pessoas muito especiais e exemplo para todos nós da familia.

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    2. Cássia Castro, o que faço com Gente de Fibra não é homenagem. Eu apenas conto as histórias de pessoas que construiram esta cidade, dando sua contribuição para que a sociedade funcione melhor. O Waldir, sempre escudado pela gentil dona Reny, passou a vida toda voltado para o trabalho, ao mesmo tempo que construiam uma bela familia. A beleza da história está justamente na luta, nos sacrifícios, no suor, na dedicação por anos e anos, sem nunca esmorecer, sem desistir. Bonita história que faz parte da História de Mirandópolis. beijos. kimie.

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    3. sua historia e muito parecida com da minha mae so que ela foi no maranhão já e falecida vc e muito forte meu amigo parabens

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  4. Parabéns pela oportunidade de conhecer essa história que cruza com a de meus familiares

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    1. Parabéns, Kimie. Parabéns Valdir e família. Isso não é uma crônica. Um livro, diria eu. Quando vai se auto denominar ESCRITORA e nos brindar com autógrafos. E,T, se

      Se me permite, faltou a máquina de café dos Irmãos Natsumeda, vizinhos dos Sadanos.
      Abraços.

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