domingo, 2 de setembro de 2012


Uma Tarde Muito quente


           Passava um pouco das quatorze horas.
 O sol mal havia iniciado sua ida para o ocaso, ainda estava muito quente, a Rua São João estava deserta e silenciosa.
 O silêncio só era quebrado pela música: “Criança feliz, feliz a cantar, alegre a embalar, seu sonho infantil...” cantada por Francisco Alves, e vinha do alto falante do Nelson Vital, lá na rua Rafael Pereira.
        Nós três, Natalino, Canário e eu, sentados na calçada em frente à minha casa, nos espremíamos de encontro ao muro para aproveitar a pequena sombra que ele formava. Fumávamos cigarros feitos de talos secos de bucha. A fumaça descia queimando até aos pulmões. 
Natalino, depois apelidado Rosa Branca pelo Carlão de Sylos, contava que tinha ido à Zona e o que tinha feito.  Canário, o mais novo só ouvia, de olhos arregalados, acreditando em tudo. Eles não sabiam que eu me encontrava com a japonesa Tioê , na casa vizinha que estava vazia. Não iria contar: primeiro porque  ainda não tínhamos conseguido descobrir como se fazia e, segundo, porque tinha medo que o irmão dela, o Tiokazu ficasse sabendo.
         Vindo da Rua Aguapeí e subindo a São João, surgiram dois meninos: eram o Laurentino e o Nenê. Eles moravam naquela rua, num terreno onde agora é o Centro Odontológico Conrado, em duas casas, que faziam fundos com a minha.
Laurentino, apelidado de Lolo era alto, sempre estava vestido com camisa, calças compridas e sapatos sem meias, morava na casa da frente com a mãe lavadeira.
         O Nenê estava vestido como nós, sem camisa, descalço e usando calças curtas. Ele morava na casa do fundo, com a mãe e o irmão Tonho. A casa era nova, de madeira, tinha sido construída recentemente, atrás da outra, para não ficar muito à vista, pois quem sempre ia lá e os mantinha era um funcionário da NOB.
          Eles chegaram até nós e o Laurentino, que tinha a língua presa, falou: “- O neto da dona Maria  Sinueira chegou hoje cedo de São Paulo. Ele ganhou uma bola do amante da mãe e quer que a gente vá jogar com ele.”
          Dona Maria morava na Rua Senador Rodolfo Miranda,  onde é hoje a Oficina do Zé Grassi ,em frente à chácara do seu Vicente. O terreno era enorme, pertencia ao seu Nino Veronese e tinha várias casas, de madeira, que ele alugava para famílias muito pobres e também para cidadãos da sociedade mirandopolense, que usavam para moradia de suas amantes. Quando eles iam de tardezinha, “visitá-las”, eu ia escondido, espiar pelas frestas da parede, o que acontecia. Afinal eu precisava aprender...
         Dona Maria era uma espécie de cafetina, ela arrumava os encontros e muitas vezes cedia a casa para que eles acontecessem ali.
         Aceitamos o convite do Nenê do Lolo e descemos para encontrar o outro garoto. O jogo seria em frente à casa da avó e os times eram: eu, Canário e Rosa Branca contra o garoto da bola, Lolo e Nenê. Estava fácil demais, em pouco tempo ganhávamos de goleada. O garoto não gostou, disse que ia embora e pediu a bola.
          Estávamos acostumados com aquilo, o Zé Antonio e o Dedé, também donos da bola, sempre faziam assim quando estavam perdendo, mas daquela vez resolvemos não dar a bola. Quando o garoto foi pegar a bola, Rosa Branca chutou para o Canário. Canário chutou para mim e quando eu devolvi para o Rosa Branca o garoto tirou uma cinta e deu-me uma cintada.
        Nós também jogávamos “bétia” e o Silvio, o Cido e eu éramos os melhores jogadores de bétia da rua e tínhamos nossa “bétia” particular, que levávamos para todo lugar. A minha era um cabo de vassoura, até personalizado. Feito a canivete tinha o nome “Demá”.
         Falei para o garoto: -- Vamos ver quem pode mais, você com a cinta e eu com o cabo de vassoura?  O garoto topou na hora e já me deu outra cintada. Eu estava preparado, desviei e plantei o cabo de vassoura no seu peito. Caiu de costas, esperneando, chorando e gritando.
A mãe, a avó, e mais umas três ou quatro “moças” saíram para ver o que acontecia e levaram o garoto para dentro. Laurentino e Nenê se mandaram. Nós três ficamos do outro lado da rua, sentados na sarjeta. Na nossa cabeça e na justiça da rua eu tinha razão, não havia o que temer.
       Passado um tempo, dona Maria saiu à porta e perguntou quem tinha feito aquilo. Levantei-me e disse que tinha sido eu. Ela quis saber o que havia usado e mostrei-lhe o cabo de vassoura. Pediu para ver o cabo de vassoura e levei-o até ela. Apanhou o cabo de vassoura e deu-me uma cacetada, mas graças à minha destreza, desviei e o cabo pegou no chão e quebrou-se em dois. Saímos correndo, os três.
      Ficamos na esquina, em frente à casa do Assad Abud. Já tínhamos esquecido o episódio quando vimos, subindo em direção à minha casa, a avó, a mãe  e mais “aquelas moças”, tendo à frente o garoto. Quando minha mãe saiu ao portão falei para o Canário e o Rosa Branca: “- Vou lá explicar.”
          Quando cheguei, não sei o que falaram para minha mãe, só deu para ver o vergão no peito do garoto e cheio de sal, pois minha mãe mandou que eu entrasse. Elas foram embora e minha mãe falou: “- Por sua causa tive de conversar com este tipo de mulheres... entra, senta naquela cadeira e espere seu pai chegar.”
          A cadeira ficava de frente para a rua, dava para ver o Canário e o Rosa Branca do outro lado fazendo micagens para mim, eu respondia rindo, mas com um medão danado do meu pai.
         Quando meu pai abriu o portão eu comecei a chorar. Ele perguntou o que estava acontecendo e minha mãe contou tudo.
          Ele se aproximou de mim e eu fui me encolhendo todo. Rosa Branca e  o Canário estavam no portão, tinham se aproximado, não sei se solidários a mim ou para ver a surra que ia levar. Tenho minhas dúvidas.
          “- Por quê você bateu no menino?”
          “- Porque ele deu-me uma cintada.”
          “-  Da próxima vez...bata mais forte, vá brincar.”
     Sai correndo, chorando e rindo. Encontrei com os dois no portão e descemos a rua como loucos, gritando e correndo em zigue zague.
                       
        
Ademar Bispo

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