sábado, 29 de setembro de 2012


A morte de amigos e a nossa


  Quando a gente nasce, pouco a pouco, vai se formando um chão firme e seguro, e paredes vão se erguendo ao nosso lado.

         Em primeiro lugar, são os pais que de imediato, formam uma pequena gruta para nos proteger de todas as intempéries dessa vida. E, à medida que vamos crescendo, esse território onde pisamos, vai se alargando com a chegada dos amigos. E passamos a vida toda sem perceber que, seria impossível viver sem os pais, sem os amigos, numa solidão completa. Sem território, sem domínio para se locomover.

         Os pais é que abrem os caminhos, enquanto engatinhamos para largos horizontes. Os amigos dividem as alegrias e as dúvidas, que nos assolam a todo o momento. Experiências são divididas, para que erros não sejam repetidos. Com eles, aprendemos a viver melhor.

E assim, quando já estamos caminhando com certa segurança, os pais são substituídos pelos filhos, que requerem mil cuidados.

E assim, acabamos por reproduzir tudo que os pais viveram e experienciaram. Às vezes, de forma mais sofrida, outras de menos. Mas, repetimos tudo, mesmo sem querer.

E assim, a vida vai seguindo seu caminho, e a gente sempre escudada por amigos nos apoiando, fortalecendo, dividindo dores e alegrias, confraternizando. E nos acostumamos a ter os amigos fiéis sempre à mão para nos ajudar, achando que isso é natural.

Mas, os amigos também se vão.

Alguns partem tão de repente, que nos sentimos traídos por eles.

Outros se vão, após longa agonia, que nos faz pensar em morte como libertação.

Quando se viveu como eu, mais de sete décadas, a perda passa a ser quase mensal, e o coração fica pequenininho quando passa o carro da Funerária, anunciando mais um passamento.

Ultimamente, tenho perdido tantos amigos, que sinto a casa desmoronando, as paredes estão cada vez mais baixas e o chão... o chão que pisava com tanta firmeza e segurança, está limitado e mal e mal cabem os meus pés. Sinto um abismo profundo em volta, e não duvido que meu tempo esteja terminando.

Não temo, porém, a morte. E nem lamento morrer, mesmo porque seria inútil chorar o inevitável. Só lamento esse vazio, que vai tomando conta da vida da gente, quando os amigos partem.

Primeiro, foram os pais. Dolorosa separação da qual, muitos de nós não conseguem jamais se recuperar. Depende de sua crença em Deus.         Algumas vezes, são os filhos que vão primeiro. Acredito que deve ser mais doloroso ainda, porque não obedece à lógica que cultivamos. Mas, tudo é intangível, e não há nada que explique e justifique essas ocorrências.

Há uns vinte anos atrás, minha mãe ia a tantos velórios, que ocorriam quase que semanalmente. Eram os amigos de quarteirão, os do Nipo, os da religião, os parentes e os parentes de parentes.

Hoje, percebo que repriso tudo que mamãe fez. Não quero ir a velórios, mas não dá pra ficar indiferente à dor de um amigo, que perdeu um familiar.

 E vou a velórios, não porque seja um acontecimento social, mas porque é um momento de dor, que precisa da fortaleza de amigos, para ajudar a passar aquelas horas difíceis. Mais importante que tudo, acho que é o tempo que você tira do seu cotidiano, para tentar aliviar a dor da família, com a sua presença amiga.

E todo velório é igual. Quando chega a madrugada, só os familiares ficam velando o falecido. E as horas não passam. É devido à ociosidade, à falta do que fazer. Horas compridas... tristes... dolorosas...

 E por mais que se ame o finado parece que a hora do funeral é uma  libertação. E é muito estranho, porque depois que se faz tudo que deve ser feito, o desespero maior acaba passando. Acho que é a lei natural da vida.

E por falar em enterros, Akira Kurosawa, famoso cineasta japonês mostrou no filme Sonhos, o funeral de uma senhora centenária num vilarejo do antigo Japão. O cortejo tinha banda de música, com gente dançando e cantando hosanas, pela longa e bela vida da amiga que se fora. Tive uma amiga, a Lena que pediu e foi atendida, para que no seu velório se colocasse música em tom bem baixinho no seu ouvido.

Também eu gostaria que o meu funeral fosse alegre, pelos bons momentos que vivi até agora, que no máximo se rezasse um terço para pedir a misericórdia de Deus, e nada de flores... gosto de flores no jardim, que é o lugar onde elas ficam bem.

Já pensou ser enterrada ao som da 9ª sinfonia de Beethoven?

Haverá glória maior?


Mirandópolis, setembro de 2012.

kimie oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”



        

Um comentário:

  1. Sinfonia da morte, eu tinha acabado de comentar com minha ex-mulher, hoje minha amiga. O tempo vai passando e nós estamos vivenciando mortes que antes achávamos que era impossível em acontecer.É a lei, e nós estamos diante dela, confortemos diante de nossa religião e acreditamos que nosso Deus irá nos confortar. A morte é triste.

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