sábado, 15 de setembro de 2012



Um Pedido de Perdão

      O casal desceu do trem na estação de Mirandópolis, a mulher trazia nos braços uma criança enrolada em uma manta. O homem carregava uma pequena mala e um saco com algumas roupas. Era um casal jovem, sadios, mas seus rostos mostravam uma grande tristeza.
 Atravessaram os trilhos e desceram para a Rua Aguapeí (Dr. Edgar), e na altura do atual Banespa foram abordados por um velho, negro, magro, que humildemente perguntou-lhes o que estava acontecendo.
A mulher, chorando, contou-lhe: “- Estamos chegando de Araçatuba, fomos buscar nosso filho no hospital Santana, ele está com pneumonia e os médicos disseram que não têm mais o que fazer.”
 Continuaram descendo a rua e ela continuou a narrativa:- Este é o nosso único filho, está com seis meses de idade, já perdemos quatro ao nascerem e vamos perder mais um.”
Ao chegarem à Rua do Comércio (Nove de Julho), viraram à direita, pois moravam no meio daquele quarteirão, próximo onde é a selaria São Jorge. O velhinho se apresentou: “- Meu nome é Cassiano, sou pai do Arlindo alfaiate e peço permissão a vocês para benzer o garotinho.”
O casal deu a permissão, convidou-o para entrar, mas ele disse que ficaria no quintal mesmo. Apanhou uns ramos de arruda, mandou que a mulher sentasse com o garoto no colo e por três vezes passou os ramos pela criança orando em voz baixa. Ao terminar mandou que desse a mamadeira ao menino.
A mulher disse que não adiantaria, que ele não estava mais mamando e que quando mamava alguma coisa, vomitava tudo em seguida. Ele insistiu para que amamentasse, então ela cedeu. O garoto mamou tudo e não vomitou.
O casal não sabia o que dizer, não acreditava no que via, até a febre havia diminuído.
 Seu Cassiano falou: “- O menino não vai morrer, à tarde volto para benzer novamente.” Despediu-se, voltou aquela tarde e muitas outras, pois passou a ser considerado alguém da família.
A criança sarou, cresceu, o casal vendeu a casa para o Motomiya e comprou outra de um dentista, na Rua São João, mas a amizade deles continuou sempre muito firme e sincera.
O casal contou a história para o garoto e ele sempre que encontrava seu Cassiano corria a apanhar ramos de arruda e pedia: “- Vô Cassiano, me benze...”
Quando o pai do garoto não estava trabalhando nas fazendas, derrubando árvores, no machado e no trançador, pois ajudou a abrir as fazendas dos Peres, dos Gotardi, e muitas outras, ele subia a Rua São João, à tardezinha, com seu Cassiano e o convidava para um café.   O garoto, já com sete anos de idade, jogava futebol com os amigos, mas assim que os via, corria, apanhava um ramo de arruda, e pedia para o vô Cassiano benzê-lo.
Numa tarde, depois que seu Cassiano foi embora, um amigo chegou até ao garoto e exclamou: “-Demá, seu avô é preto!!!!!!!!!”
         No dia seguinte, quando Demá viu o pai e seu Cassiano dobrarem a esquina, foi se afastando, foi se esquivando e se escondendo atrás do poste. Seu pai estranhou o comportamento e disse: “-Não vai pedir a benção ao vô Cassiano e pedir que o benza?”
 Seu Cassiano falou: “- Deixe o menino, ele está com vergonha porque sou preto.”

          Nota: Eu tinha de escrever esta história. Há cinqüenta e oito anos isto me machuca. Apesar de ter certeza absoluta, de que naquele momento, seu Cassiano me perdoou, pois ele tinha algo “Divino”, algo mais que nós simples mortais, não temos. 

  • ademar bispo

2 comentários:

  1. Bispo, é tão bonito o seu gesto de publicar essa dor que ficou guardada na alma. Todos nós temos arrependimentos de certos gestos, certas palavras inoportunas, que falamos lá longe no passado. E de outros gestos e palavras pronunciadas mesmo depois de adultos, porque somos completamente humanos, humanos que cometem erros sempre. A sua dor veio de um gesto cometido na infância, quando alguém plantou a semente da discriminação, por infantilidade apenas. Acho que machucou mais a você do que a quem se endereçava...

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  2. Bispo, meu amigo, história de grande emoção para você e para quem lê, pura e emocionante. As crianças não possuem maldade no coração mas e seu "avô" já lhe perdoou. Cronica com muita emoção. Parabens.

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